A política dos Estados Unidos e de vários outros países é abalada pelas revelações sobre o relacionamento entre o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o criminoso sexual Jeffrey Epstein.
O caso divide o frequentemente leal Partido Republicano e afastou Trump de alguns de seus aliados dentro do movimento "Make America Great Again" (Maga).
A Câmara dos Representantes deve examinar nesta semana a proposta de lei que obrigaria o Departamento de Justiça a publicar todos os arquivos do processo contra o financista nova-iorquino, que morreu na prisão antes de seu julgamento.
Uma parte dos americanos e políticos, tanto da direita quanto da esquerda, acreditam que Epstein foi assassinado para evitar que mencionasse o envolvimento de personalidades no escândalo.
Alguns críticos acusavam o presidente de querer impedir a votação para ocultar elementos que o implicariam neste caso, algo que ele nega.
No domingo, 16, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mudou de postura e afirmou que apoia uma votação na Câmara dos Representantes para a divulgação de mais arquivos relacionados ao falecido criminoso sexual Jeffrey Epstein, apesar de sua oposição anterior à medida.
"Os republicanos da Câmara deveriam votar pela divulgação dos arquivos de Epstein, porque não temos nada a esconder", escreveu Trump na plataforma Truth Social.
A divulgação de conteúdos extensos sobre as relações do pedófilo americano chegaram a ser prometidas por Trump antes de eleito e demandadas por sua base mais radical. Após assumir a Casa Branca, porém, tomou postura defensiva e sua administração rejeitou a ideia de divulgar novos conteúdos do caso.
Epstein era um magnata e criminoso sexual condenado que morreu na prisão em agosto de 2019, um mês depois da acusação por tráfico. Os crimes, as conexões de alto nível e o a conclusão oficial de suicídio na cadeia tornaram o caso um ímã para teorias da conspiração e investigadores amadores em busca de provas de suposto encobrimento.
O empresário deixou para trás uma trilha de escândalos ligados a uma rede de menores de idade que foram abusadas sexualmente por ele e alguns de seus convidados, em muitos casos personalidades internacionais.
Os democratas, na oposição e em minoria no Congresso, exigem que todos os arquivos do processo sejam publicados após o surgimento de emails de Epstein sobre Trump.
Nos documentos, revelados na quinta-feira da semana passada, o desacreditado financista sugeria que Trump "sabia sobre as garotas" e passou horas com uma das vítimas em sua casa.
O presidente republicano, que na sexta-feira acusou os democratas de promoverem a "farsa de Epstein", lamentou no domingo que alguns congressistas de seu partido apoiassem a iniciativa da oposição.
"Alguns 'membros' do Partido Republicano estão sendo 'usados', e não podemos permitir que isto aconteça", afirmou Trump em sua publicação.
"O Comitê de Supervisão da Câmara pode ter tudo o que lhes corresponde legalmente, NÃO ME IMPORTO!", afirmou o presidente.
O escândalo
Segundo as autoridades, Epstein morreu em 2019 por suicídio enquanto aguardava julgamento na prisão por suposta exploração sexual de menores. A parceira dele, Ghislaine Maxwell, cumpre uma pena de 20 anos de prisão pelo mesmo crime.
Epstein, com Maxwell como recrutadora, levava menores de idade para suas residências.
As vítimas sobreviventes de Epstein enviaram uma carta na sexta-feira aos congressistas americanos na qual pediam a divulgação dos arquivos.
"Aqui não há meio-termo. Não há lugar para se esconder atrás da filiação partidária", afirma o texto.
O FBI e o Departamento de Justiça anunciaram há meses que, após uma investigação interna, não poderiam divulgar mais documentos sem comprometer testemunhas-chave durante o julgamento que condenou Epstein.
Epstein chamou Bolsonaro de "o cara" e citou Lula sobre conversa que foi desmentida
Em série de emails divulgados na semana passada, o financista Jeffrey Epstein mencionou o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), antecessor do petista na Presidência.
Os arquivos foram divulgados pelo Congresso dos Estados Unidos e estão ligados a uma investigação sobre esquema de abuso sexual que Epstein comandou no início dos anos 2000.
Os registros incluem trocas de mensagens de 21 de setembro de 2018, período em que Lula estava preso em Curitiba e Bolsonaro disputava a Presidência. A identidade do interlocutor de Epstein foi mantida em sigilo.
Nos emails, o financista relata ter sido colocado em contato com Lula por meio de Noam Chomsky, linguista e filósofo americano que visitou o petista na prisão em setembro de 2018, um dia antes da data relacionada à mensagem.
A mulher de Chomsky, Valéria, negou a alegação e disse que durante a visita os aparelhos celulares foram deixados na recepção. Além disso, destacou ter ocorrido revista por parte dos agentes da Polícia Federal (PF). Ela chamou a alegação de "infundada e mentirosa".
A Secretaria de Comunicação da Presidência da República também negou o relato e afirmou que a ligação telefônica "nunca aconteceu".
Mensagens de agosto de 2018 mostram que Bolsonaro já era mencionado por Epstein. "Re Bolsonaro/ se você está confiante em uma vitória, seria bom para a imagem que você fosse visto lá", disse Epstein.
O interlocutor responde que poderia estar no Brasil no sábado seguinte. "Maravilhoso. Mais capítulos para o seu livro", disse o financista. "Miro acha mais seguro ir para o Brasil depois do segundo turno", complementou.
Em fevereiro de 2019, outra troca de mensagens envolve novamente Lula e Bolsonaro. O diálogo começa com um remetente, cujo nome também foi mantido em sigilo, pedindo que Epstein ajudasse a viabilizar um encontro com Chomsky.
"Sim, ele gostaria disso. A esposa dele é brasileira, então vá com calma em relação ao Bolsonaro. Eles são amigos do Lula. Mas ele é uma figura icônica, e você não deveria perder a chance de falar sobre história e política. Eu vou colocar vocês em contato por email, assim podem se coordenar diretamente", responde o financista. (Thays Maria Salles)
O que revelam os milhares de emails de Jeffrey Epstein
Milhares de documentos divulgados pelo Comitê de Supervisão da Câmara dos Representantes dos EUA oferecem novo vislumbre de como eram as relações do pedófilo condenado Jeffrey Epstein com executivos, jornalistas, acadêmicos e figuras políticas ao longo de mais de uma década.
Parte dos documentos que envolvem diretamente o presidente dos EUA, Donald Trump, foi divulgada pelos democratas, e um número maior, pelos republicanos. A troca de mensagens começou por volta da época em que Epstein terminou de cumprir uma sentença por solicitação de prostituição de uma menor, em 2009, e seguem até meses antes de sua prisão por acusações federais de tráfico sexual em 2019.
Durante esse período, a rede de contatos de Epstein foi eclética, abrangendo diferentes espectros políticos: do acadêmico de esquerda Noam Chomsky ao ultradireitista Steve Bannon, aliado de longa data de Trump.
Os emails não implicam os contatos em supostos crimes. Mas traçam um retrato da influência e conexões de Epstein durante os anos em que ele foi condenado por agressão sexual.
As mensagens revelam que Epstein compartilhava notícias e discutia estratégias ou fofocas, frequentemente em mensagens curtas e cheias de erros gramaticais. Alguns contatos o apoiavam durante os processos, outros procuravam conselhos sobre tudo, desde namoro até preços do petróleo. Um até pediu orientação sobre como responder a acusações de assédio sexual.
Em vários emails de 2018, Epstein aconselhou Bannon sobre sua turnê política na Europa após o estrategista enviar um artigo dizendo que a mídia alemã o subestimava. Vários meses depois, Epstein enviou alguns conselhos: "Se você vai atuar aqui, terá de passar um tempo; a Europa não funciona à distância."
Meses antes, Epstein insultava Trump, cujo movimento Bannon representava, em emails para Kathryn Ruemmler, ex-conselheira da Casa Branca sob Barack Obama. Trump e Epstein foram amigos por anos, mas romperam a relação antes das primeiras acusações de tráfico sexual.
Ruemmler escreveu a Epstein chamando Trump de "nojento". Epstein respondeu: "Pior na vida real e de perto." O agressor sexual também afirmou que Trump "sabia sobre as garotas" e mencionou que uma de suas acusadoras mais conhecidas, Virginia Giuffre, tinha trabalhado no clube Mar-a-Lago do político americano.
Ele também alegou que o republicano havia "passado horas" em sua casa com uma das vítimas. Giuffre, que morreu por suicídio no início deste ano. Ghislaine Maxwell, a recrutou em Mar-a-Lago para fazer massagens em Epstein.
Em janeiro de 2010, o capitalista de risco da área de biotecnologia Boris Nikolic estava participando do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, e Epstein enviou um e-mail perguntando: "Alguma diversão?" Nikolic respondeu que havia conhecido "seu amigo" Bill Clinton, além do então presidente francês Nicolas Sarkozy e "seu outro amigo", o ex-príncipe Andrew, "pois ele tem algumas perguntas sobre a Microsoft".
Segundo portal americano Politico, Epstein também tentou enviar uma mensagem a Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, antes de um encontro entre Trump e o presidente russo Vladimir Putin, em 2018. (DW)