O trânsito em julgado da condenação do núcleo crucial da trama golpista marca a primeira vez em que um ex-presidente e militares foram punidos por tentativa de golpe de Estado. Além do capitão da reserva Jair Bolsonaro (PL), passaram a cumprir pena três generais e um almirante.
Tratam-se do cearense Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno, ex-ministros e generais da reserva, que cumprirão as penas nas dependências do Comando Militar do Planalto, em Brasília; e o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, que está preso na Estação Rádio da Marinha.
De militares, também cumprem pena relativa à trama golpista o general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e vice na chapa derrotada de Bolsonaro em 2022. Ele já estava preso na 1ª Divisão do Exército, na Vila Militar, no Rio de Janeiro, e permanecerá no local.
Outro membro do núcleo é o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, que fez acordo de colaboração premiada e pegou condenação de dois anos em regime aberto. Um novo processo será aberto na Justiça Militar para decidir se eles poderão manter as patentes conquistadas nas Forças Armadas.
Como lembra o Memórias da Ditadura, do Instituto Vladimir Herzog, os golpes efetivamente consumados, como os de 1930, 1937 e, sobretudo, o de 1964, jamais foram judicializados, emboras os envolvidos em tentativas, em outras ocasiões, tenham tido algum nível de punição. O instituto lembra que, mesmo nesses casos, os movimentos golpistas continuaram a se articular e, anos mais tarde, acabaram triunfando.
Os levantes militares de 1922 e 1924 forneceram base política para a ruptura institucional de 1930. Muitos dos militares condenados por essas ações acabaram beneficiados por anistias — autoconcedidas ou formalmente articuladas, o que possibilitou que eles pudessem atuar em novos episódios de ruptura, como no golpe de 1964.
A Lei da Anistia de 1979 teve papel central na transição da ditadura para a democracia. No entanto, o caráter “geral e irrestrito” permitiu que militares envolvidos em violações de direitos humanos também fossem anistiados.
Para Licínio Nunes de Miranda, doutor em História pela Universidade da Flórida e professor na Universidade Estadual da Luisiana em Alexandria, nas ocasiões em que o Brasil retornou à democracia, "sempre prevaleceu entre as classes dominantes o entendimento de ignorar crimes contra o Estado Democrático de Direito em favor da pacificação e concórdia geral".
"Ocorre que esta impunidade acabou por influenciar novos atos antidemocráticos, num ciclo perverso que caracterizou a instável República brasileira. A punição efetiva de conspiradores de um possível golpe talvez evite crises políticas no futuro, mas talvez radicalize ainda mais certos grupos políticos, e cause uma divisão ainda mais acentuada dentro do povo brasileiro", refletiu.
No caso atual, o historiador ressaltou que é "essencial perceber que as Forças Armadas não tiveram envolvimento algum na conspiração antidemocrática". Ele aponta que "os generais da ativa sequer cogitaram aderir ao plano, assim como oficiais subalternos".
A trama acabou barrada, segundo as investigações, pela recusa dos comandantes do Exército e da Aeronáutica em aderir ao plano. Além dos integrantes do núcleo 1, foram condenados oito militares de alta patente, entre eles integrantes das forças especiais do Exército, também conhecidos como “kids pretos”, e um policial federal. As penas variam de um ano e 11 meses a 24 anos de prisão. Eles integram o núcleo 3.
Por unanimidade, sete réus foram condenados pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Dois militares tiveram as condutas reenquadradas (desclassificadas) para crimes de menor gravidade. Um dos réus foi absolvido por falta de provas.
Para o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, o trânsito em julgado da ação é o fim de um ciclo. "Está se encerrando um ciclo, onde os CPFs estão sendo responsabilizados e punidos, e para a felicidade do País, as instituições estão sendo todas preservadas", disse em entrevista coletiva nesta terça-feira, 25, após uma cerimônia das Forças Armadas na Câmara dos Deputados.
Com Agência Estado