O senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator do PL Antifacção aprovado na Câmara dos Deputados sob protestos do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou novo texto nesta quarta-feira, 3, com alterações na redação proposta pelo deputado federal Guilherme Derrite (PP-SP). A votação foi adiada para semana que vem.
O governo Lula avaliou que conseguiu "resgatar a "autoria" do PL Antifacção com o relatório apresentado. O senador criou o tipo penal de facção criminosa como espécie de organização criminosa, com pena base de 15 a 30 anos de prisão, e tocou em um dos pontos sensíveis do projeto aprovado na Câmara sob protestos do governo Lula: os meios de financiamento para o combate à criminalidade no Brasil.
Ele inseriu um dispositivo no texto que diz que o Poder Executivo pode estruturar os fundos já existentes para financiar órgãos como a Polícia Federal. A ideia é que impostos sobre casas de apostas ajudem a financiar uma nova rubrica voltada para o combate ao crime.
Vieira também criou dispositivo que possibilita que fundos de segurança possam financiar ações de repressão ao crime organizado por meio de tributos em apostas de quota fixa, as bets. A alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide)-Bets é de 15% e tem caráter provisório.
Membros da cúpula do MJSP disseram, sob reserva, que a versão entregue por Vieira representa uma derrota para Derrite, uma vez que alguns dos principais pontos presentes no primeiro de seus seis relatórios caíram ao longo da tramitação.
Governistas citam a equiparação de organizações criminosas ao crime de terrorismo, um arcabouço legal próprio para o combate ao crime e a redivisão de recursos apreendidos pela PF como ideias de Derrite que foram derrotadas.
O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, fez elogios à versão de Vieira. Ele considerou que o novo texto mostrou um "grande avanço do ponto de vista técnico" e está "altamente satisfatório".
O ministro afirmou que Vieira compreendeu perfeitamente a problemática das facções criminosas e que o Executivo, Legislativo, Judiciário e a sociedade brasileira têm que enfrentá-la conjuntamente. "O projeto tem um elevadíssimo nível técnico, incorporou grande parte das nossas sugestões", acrescentou.
Integrantes do governo Lula vinham se queixando do que consideravam ser um risco de "caos jurídico' com a eventual sobreposição de leis já existentes com o arcabouço legal previsto no texto da Câmara, o que poderia beneficiar criminosos. A versão de Vieira, por sua vez, segue a linha do MJSP e altera o Código Penal, o Código Processual Penal, a Lei de Execuções Penais, a Lei de Crimes Hediondos e a Lei de Lavagem de Dinheiro.
Vieira vem colocando seu relatório como um meio-termo entre Derrite e Lewandowski. O endurecimento das penas e o maior obstáculo para a progressão de regime, por exemplo, foram mantidos. O próprio senador diz não ver no aumento das punições uma grande contribuição para o combate ao crime, mas que "existe um sentimento na sociedade e no Congresso Nacional" de que isso é necessário.
"Vamos fazer um ajuste de proporcionalidade, mas mantendo patamares bastante elevados", afirma. A manutenção do maior rigor penal agrada a bolsonaristas, que vem batendo nessa tecla desde o começo para enaltecer a versão de Derrite.
Como estava no texto de Derrite
O texto aprovado na Câmara cria os crimes de "domínio social estruturado" e de "favorecimento ao domínio social estruturado", com pena mínima de 20 a 40 anos de prisão. O crime de favorecimento tem pena de 12 a 20 anos.
Como ficou no texto de Vieira
Foi criado o tipo penal de "facção criminosa" e "facção criminosa qualificada", com pena de 15 a 30 anos de prisão no caso de facção criminosa, e possibilidade de aumento de pena no dobro para o comandante, e outros agravantes que podem aumentar a pena em dois terços. A milícia privada pode ser classificada como facção criminosa e como organização criminosa. O crime de favorecimento passou a ter pena de 8 a 15 anos de prisão, com a ressalva de que não há crime se o fato é cometido sob coação moral ou física irresistível.
Como estava no texto de Derrite
Bens apreendidos seriam destinados ao Fundo de Segurança Pública do respectivo Estado ou ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), caso a Polícia Federal participe da operação.
Como ficou no texto de Vieira
Foi criado um tributo que destina recursos de bets para o financiamento da prevenção e repressão ao crime organizado no Brasil. O Poder Executivo tem seis meses para propor a reestruturação dos fundos nacionais de segurança pública.
Como estava no texto de Derrite
Depois da aprovação do texto, a pedido do Novo, a Câmara incluiu um trecho que veda a concessão de auxílio-reclusão aos dependentes de membros de organização criminosa ultraviolenta e restringia o direito ao voto a presos provisórios.
Como ficou no texto de Vieira
Os dispositivos que vedavam o auxílio-reclusão e limitavam o direito ao voto foram retirados por se tratar de questão que só poderia ser alterada por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC), e não por um projeto de lei.
Como estava no texto de Derrite
A proposta permite que seja monitorada comunicações entre presos provisórios ou condenados vinculados a organização criminosa ultraviolenta e advogados. O conteúdo desse monitoramento pode ser autorizado quando "houver razões fundadas de conluio criminoso reconhecidas judicialmente".
Como ficou no texto de Vieira
Esses tipos de encontro poderão ser monitorados após autorização judicial. Para isso é preciso haver "fundadas suspeitas de conluio criminoso". O juiz comunicará a decisão ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, mediante ofício sigiloso. Além disso, também mediante ordem judicial, será possível usar softwares de intrusão, como spywares, para interceptar comunicações e obter dados contra organizações criminosas ultraviolentas ou milícias.