O Senado Federal aprovou nesta quarta-feira, 10, o PL Antifacção, projeto que endurece o combate a facções criminosas no Brasil. O texto foi enviado pelo governo, mas sofreu alterações na Câmara dos Deputados. No Senado, o relator Alessandro Vieira (MDB-SE) retomou propostas do projeto original e incluiu novos pontos como: um novo tributo sobre casas de apostas online, as bets, para financiar investimentos em segurança pública e penas de até 120 anos para líderes. Foram 64 votos favoráveis e nenhum contra. O texto irá retornar à Câmara.
Conhecido como PL Antifacção, o texto, que passou também nesta quarta pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), aumenta as penas para integrantes de grupos criminosos: líderes podem receber condenações de até 60 anos, com previsão de aumento de penas em casos específicos para até 120 anos, segundo o relator.
O projeto também torna mais rígidas as regras de progressão de regime e determina que chefes de facções e milícias privadas cumpram pena obrigatoriamente em presídios federais de segurança máxima.
Alessandro explicou que seu parecer buscou aprimorar o modelo de combate a facções e milícias que exercem controle armado sobre territórios, intimidam comunidades e limitam a presença do Estado. O relator afirmou ter sido pressionado pelo “lobby” de diversos setores como o de corporações, da academia, dos tribunais e dos ministérios públicos:
"O lobby que não teve acesso a esta Casa, sob o ponto de vista estruturado, foi o das vítimas, foi o da população que fica diuturnamente à mercê do domínio de facções e milícias. É em homenagem a essas, que não podem aqui acionar lobbies, que a gente faz o trabalho que faz aqui", apontou no Plenário.
O relator removeu do projeto a tipificação do crime de “domínio social estruturado”, incluída pela Câmara para integrantes de facções, milícias ou paramilitares que controlam territórios. Vieira considerou que o conceito era amplo e pouco preciso, abrindo margem para distorções.
Uma das principais mudanças do relator foi a opção de atualizar a Lei das Organizações Criminosas, e não criar uma legislação paralela, abordagem que vinha sendo alvo de questionamentos pela possibilidade de beneficiar condenados.
O relator também suprimiu dispositivos aprovados pelos deputados que, de acordo com sua avaliação técnica, violavam a Constituição, como: a extinção do auxílio-reclusão; a proibição de voto para presos provisórios; tipos penais considerados vagos; e regras que enfraqueceriam garantias processuais.
O texto endurece penas para integrantes, financiadores e líderes de facções e milícias. Homicídios cometidos por membros desses grupos passam a ter pena de 20 a 40 anos.
O projeto define como facção criminosa qualquer organização que dispute ou controle territórios ou atue em mais de um estado. Integrar ou financiar esses grupos passa a ser punido com 15 a 30 anos de prisão. Para quem ocupa posição de comando, a pena pode ser dobrada e chegar a 60 anos.
Além disso, o relator incluiu novas situações que permitem ampliar as punições, tanto para líderes quanto para membros de facções, milícias ou outras organizações criminosas, podendo elevar a condenação máxima para até 120 anos. Crime específico para recrutar crianças e adolescentes foi incluído com penas de 5 a 30 anos.
Os senadores foram favoráveis a mudar os critérios para progressão de pena. Condenados por crimes hediondos devem cumprir o mínimo de 70% da pena no regime fechado. Já integrantes de facções ou milícias precisam cumprir 75% a 85%, dependendo das circunstâncias; reincidentes podem ter percentuais ainda maiores.
O relator incluiu a criação de um tributo (Cide) sobre apostas on-line (bets) com alíquota de 15% sobre transferências de pessoas físicas para as plataformas. Essa contribuição terá validade até a cobrança plena do Imposto Seletivo criado na reforma tributária e os recursos serão destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública. A arrecadação estimada é de R$ 30 bilhões por ano.
Alessandro também propõe uma regra temporária de regularização para bets que atuam sem licença, com previsão de arrecadação adicional de até R$ 7 bilhões.
O relator eliminou as alterações feitas na Câmara sobre a destinação de recursos apreendidos para fundos de segurança. Em lugar disso, ele determinou que o governo apresente e regulamente, em até 180 dias após a sanção da lei, todos os fundos federais ligados à área de segurança.
O texto também fecha espaço para as bets que operam na clandestinidade, usadas para crimes, lavagem de dinheiro e concorrência desleal. Alessandro Vieira incluiu uma emenda de redação alinhada com a Receita e o Ministério da Fazenda que prevê medidas como a responsabilidade solidária de empresas de pagamento e instituições financeiras.
Oposição tenta, mas projeto segue sem equiparação com terrorismo
Durante a votação em Plenário, senadores da oposição defenderam que o projeto equiparasse as ações de facções e milícias ao crime de terrorismo. Uma emenda apresentada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE) com esse objetivo, porém, foi rejeitada pela maioria dos senadores.
O senador Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou que esses grupos agem de forma a espalhar pânico e restringir o direito de ir e vir de toda a comunidade."Bandidos e narcotraficantes que usam drones para jogar granadas a esmo, dentro de comunidades onde a polícia está subindo. Esse ato é o quê? Bombas lançadas por drones, granadas. Isso é terrorismo puro — disse o senador, ao defender que facções e milícias que adotam esse tipo de conduta sejam enquadrados na legislação antiterrorismo", disse.
Já o senador Eduardo Girão (Novo-CE) defendeu que o Congresso reconheça explicitamente a gravidade desses crimes. "Terrorismo a gente tem que chamar pelo nome. O que está acontecendo no Brasil é terrorismo", afirmou.
Em resposta, Alessandro Vieira argumentou que a definição técnica de terrorismo não se aplica aos grupos que atuam no país, destacando que o terrorismo tem motivação política, ideológica ou religiosa. O relator afirmou que, apesar de produzir sensação de terror, a atuação dessas organizações visa apenas proteger atividades ilícitas e não pressionar governos ou populações por objetivos políticos.
O senador lembrou que o enquadramento de um grupo como terrorista pode justificar ações militares e sanções externas contra o país. "Nãohá nenhum benefício para o Brasil em reconhecer o Comando Vermelho, o PCC ou qualquer outra facção como terrorista", apontou. (Agência Senado)
Veja os crimes previstos no projeto de lei e a punição
Crime de organização criminosa - Participar, financiar ou promover organização criminosa passa da pena de três a oito anos de prisão, e multa, para cinco a dez anos de prisão, e multa. Agora, quem tentar embaraçar a investigação ou instrução processual está sujeito à mesma punição. Há ainda os agravantes de aumento da pena no dobro para quem comanda a organização e aumento em dois terços da pena dependendo de meios que a organização para cometer crimes.
Facção criminosa - O projeto cria o crime de facção criminosa promover, financiar ou fazer parte de facção criminosa é passível de punição de 15 a 30 anos de prisão, e multa. A pena para os líderes é duplicada e há outros agravantes que podem aumentar a pena em dois terços. Esse crime não é passível de anistia ou fiança. A facção criminosa é definida como "organização criminosa que atue mediante o controle de territórios ou tenha atuação interestadual com o uso de violência, coação, ameaça ou outro meio intimidatório".
Milícia privada - Esse crime, que hoje tem pena de quatro a oito anos de prisão, agora passa para 15 a 30 anos de prisão, já que é equivalente a uma facção criminosa, de acordo com o texto apresentado por Vieira.
Favorecimento a facção criminosa - Favorecer facção criminosa tem pena de 8 a 15 anos de prisão, e multa.
Receptação praticada por organização criminosa - A pena é de seis a dez anos de prisão, e multa.
Recrutamento de criança ou adolescente - Nesse caso, a pena é de cinco a dez anos de prisão, além da pena correspondente à violência ou ao resultado e da pena dos crimes de organização criminosa. Se ainda houver lesão corporal de natureza grave ao menor, a pena é de 8 a 15 anos de prisão.
Agravantes para crimes cometidos por integrante de facção criminosa ou milícia privada - Há aumentos de pena para crimes cometidos por integrantes de facção criminosa ou de milícia privada. São estes:
homicídio (pena de 20 a 40 anos de prisão); lesão corporal (aumento da pena de três meses a um ano de prisão em 2/3); lesão corporal seguida de morte (pena de 20 a 40 anos de prisão); ameaça (pena de um a três anos de prisão); sequestro ou cárcere privado (pena de 12 a 20 anos de prisão); furto (pena de quatro a dez anos de prisão, e multa); roubo (aumento da pena de quatro a dez anos de prisão no triplo); latrocínio (pena de 20 a 40 anos de prisão, e multa); extorsão (aumento da pena de quatro a dez anos prisão no triplo); extorsão mediante sequestro (aumento da pena de 8 a 15 anos de prisão, em 2/3) e estelionato (pena de 4 a 12 anos de prisão, e multa).
Crimes de tráfico - Todos os crimes sobre tráfico previstos na Lei Antidrogas têm a pena dobrada se cometidos por facção criminosa ou milícia privada.
Crime de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens - A pena, de três a dez anos de prisão, e multa, é aumentada para cinco a 15 anos de prisão, e multa. A pena aumenta para prisão de 10 a 30 anos se o crime for cometido por integrante de facção criminosa ou milícia privada, ou em seu benefício.
Comércio ilegal de arma de fogo - Foi inserido parágrafo para punir com 8 a 16 anos de prisão, e multa, se houver atividade irregular ou clandestina consistir na fabricação de arma de fogo automática ou arma longa semiautomática de uso restrito de elevado potencial ofensivo. Possuir os materiais para fabricação clandestina tem punição de quatro a oito anos de prisão, e multa
Tráfico internacional de arma de fogo - Todos os crimes relativos ao tráfico internacional de armas têm as penas de 8 a 16 anos de prisão (com possíveis agravantes), e multa, dobrados se a arma de fogo for automática ou arma longa de funcionamento semiautomático equiparável a fuzil, metralhadora, submetralhadora, carabina ou espingarda de funcionamento semiautomático, incluindo pistola adaptada para disparar em modo automático.
Gestão fraudulenta de instituição financeira - Esse crime, que hoje tem pena de 3 a 12 anos de prisão, e multa, recebe dois agravantes. Se a gestão é temporária, a pena passa para dois a oito anos de prisão, e multa, com a possibilidade de aumento de 1/3 a 2/3 da pena se os crimes foram cometidos de forma reiterada por organização criminosa.