O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria ontem para reafirmar a decisão do plenário da Corte de 2023 que declarou inconstitucional a tese do marco temporal, que limita a demarcação de terras indígenas. Seis ministros votaram para invalidar a legislação que chancelou a tese e que foi aprovada logo depois do julgamento no STF.
O voto do ministro Gilmar Mendes, relator do processo, foi acompanhado integralmente por Luiz Fux e Alexandre de Moraes e com ressalvas por Flávio Dino, Cristiano Zanin e Dias Toffoli. O relator também votou para estabelecer um prazo de dez anos para o governo federal concluir todos os processos de demarcação pendentes.
"Passados mais de 35 anos da promulgação da Constituição Federal, parece-me que já transcorreu lapso suficiente para amadurecimento definitivo da questão, cabendo ao Poder Executivo o devido equacionamento da matéria e finalização dos procedimentos demarcatórios", afirmou Gilmar.
O julgamento, realizado no plenário virtual do tribunal, fica aberto até hoje para os ministros apresentarem os votos na plataforma online. Se houver pedido de vista (mais tempo de análise) ou de destaque (transferência do processo ao plenário presencial), a votação é interrompida.
A tese do marco temporal estabelece que povos indígenas só podem reivindicar terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Em 21 de setembro de 2023, por nove votos a dois, o STF derrubou a interpretação e definiu que o direito das comunidades a territórios que tradicionalmente ocupavam não depende de uma data fixa.
O julgamento havia começado em 2021, a partir de ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng. No entanto, seis dias após a decisão do STF, o Congresso reagiu e aprovou projeto de lei para restringir as demarcações com base no marco temporal.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o texto, mas os vetos foram derrubados pelo Legislativo. O caso voltou ao STF por meio de ações que questionam a validade da lei
Em paralelo à retomada do assunto pelo Supremo, o Senado aprovou na semana passada uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) favorável ao marco temporal. Com isso, os senadores buscam incluir o critério de demarcação na Constituição. O texto seguiu para análise da Câmara.
Em seu voto, Gilmar reafirmou o entendimento do STF de dois anos atrás. O ministro disse que o tribunal "não pode se esquivar de sua missão constitucional" e que a atuação da Corte não pode "ser considerada como afronta ao Poder Legislativo".
"A análise do Supremo Tribunal Federal, no exercício do controle de constitucionalidade, equivale à prevalência da Constituição sobre os Poderes constituídos quando estes atuam em descompasso com os limites impostos pela própria Lei Maior e pelo papel contramajoritário das Cortes constitucionais - no caso, o direito natural à própria existência dos indígenas", escreveu o decano do Supremo.
Na avaliação do ministro, a lei é desproporcional e gera insegurança jurídica ao impor um marco temporal de forma retroativa, atingindo comunidades que não dispõem de documentação formal de ocupação. "Nossa sociedade não pode conviver com chagas abertas séculos atrás que ainda dependem de solução nos dias de hoje, demandando espírito público, republicano e humano de todos os cidadãos brasileiros (indígenas e não indígenas) e, principalmente, de todos os Poderes para compreender que precisamos escolher outras salvaguardas mínimas para conduzir o debate sobre o conflito no campo", diz outro trecho do voto.