Forças dos Estados Unidos iniciaram a perseguição, em águas do Caribe, de outro petroleiro supostamente sancionado, informou uma autoridade americana, no momento em que Washington aumenta a pressão sobre navios do tipo vinculados à Venezuela.
O presidente Donald Trump anunciou em 16 de dezembro o bloqueio de "petroleiros sancionados" que navegam em direção e a partir das costas venezuelanas, exigindo a devolução de ativos americanos supostamente roubados pelo país sul‑americano rico em petróleo.
Em postagem na rede Truth Social, o presidente dos Estados Unidos afirmou que a Venezuela "está completamente cercada pela maior armada já reunida na história da América do Sul".
Washington enviou para o Caribe uma frota de navios de guerra, como parte do que afirma ser uma operação contra o narcotráfico. Caracas afirma que a operação é uma campanha de pressão para derrubar o presidente Nicolás Maduro.
A "perseguição ativa" começou no domingo, 20, um dia após a Guarda Costeira americana apreender na mesma região, pela segunda vez em duas semanas, um navio suspeito de transportar petróleo venezuelano sob sanções.
"Os membros da Guarda Costeira dos Estados Unidos estão em perseguição ativa a um navio sancionado que participa da evasão ilegal de sanções pela Venezuela. Tem bandeira falsa e é alvo de uma ordem de interceptação judicial", afirmou uma fonte do governo americano que pediu anonimato, confirmando informações da imprensa.
O navio foi identificado pela imprensa dos Estados Unidos como o petroleiro Bella 1, que está sob sanções americanas desde 2024, por vínculos com o Irã e o grupo libanês Hezbollah. Segundo o site TankerTrackers, o petroleiro se dirigia à Venezuela e não transportava carga.
As forças americanas se aproximaram do navio na noite de sábado, 20, e tentaram interceptá-lo, informou o jornal The New York Times, que citou funcionários do governo não identificados. O petroleiro, no entanto, seguiu seu rumo.
As operações acontecem no momento em que Trump repete que a Venezuela utiliza o petróleo, seu principal recurso, para financiar "o narcoterrorismo, o tráfico de pessoas, os assassinatos e os sequestros".
Entre os dois navios que Washington apreendeu está o Centuries, interceptado no sábado pela Guarda Costeira durante uma operação classificada por Caracas como "roubo e sequestro".
Uma análise da AFP constatou que o Centuries não estava na lista de empresas e indivíduos sancionados do Departamento do Tesouro americano.
"O petroleiro contém petróleo da sancionada PDVSA" (empresa estatal venezuelana), justificou na rede social X a porta-voz da Casa Branca, Anna Kelly.
Segundo ela, o petroleiro navega sob "bandeira falsa e faz parte da frota fantasma venezuelana para traficar petróleo roubado e financiar o regime narcoterrorista de Maduro".
Ao mesmo tempo, a gigante Chevron enviou um petroleiro não sancionado de Caracas aos Estados Unidos, confirmou no domingo a vice-presidente venezuelana, Delcy Rodríguez, sem mencionar os navios interceptados por Washington.
"Um navio da empresa americana Chevron zarpou do nosso país com petróleo venezuelano a bordo com destino aos Estados Unidos, em estrito cumprimento das normas e de acordo com os compromissos assumidos por nossa indústria petrolífera", informou no Telegram.
A Chevron obteve este ano uma nova licença para explorar petróleo na Venezuela, o que representa quase 10% da produção do país.
"A Venezuela sempre foi, e continuará sendo, respeitosa com a legalidade nacional e internacional", acrescentou a vice-presidente.
Caracas nega qualquer envolvimento no tráfico de drogas e afirma que Washington tenta derrubar Maduro para assumir o controle de suas reservas de petróleo.
Trump fez do petróleo um alvo central na campanha contínua contra Maduro, motivada pelas alegações de que o líder venezuelano seria responsável por um fluxo ilegal de migrantes e drogas para os Estados Unidos a partir da Venezuela. A frágil economia venezuelana é extremamente dependente do petróleo. Se o bloqueio de Trump alcançar o objetivo, terá implicações significativas para Caracas.
Desde o fim de agosto, os Estados Unidos organizam uma grande mobilização naval pelo Mar do Caribe — uma das maiores operações navais americanas na região desde a chamada crise dos mísseis de Cuba em 1962. Até uma dúzia de embarcações militares americanas têm operado no Caribe nas últimas semanas, incluindo porta-aviões, destróieres lançadores de mísseis e navios de assalto anfíbio. (AFP e DW)
Embate passa por petróleo
A escalada dos Estados Unidos contra navios carregados com petróleo da Venezuela ameaça frear a produção e asfixiar a economia, ao mesmo tempo que alimenta a teoria recorrente do chavismo: Donald Trump busca derrubar Nicolás Maduro para controlar as riquezas do País.
Os Estados Unidos mobilizaram uma gigantesca frota militar no Caribe no que inicialmente foi anunciado como uma operação contra o narcotráfico e agora inclui duas apreensões militares de petroleiros e um bloqueio a essas embarcações com origem e destino à Venezuela quando se tratarem de navios sancionados.
Trump disse que Maduro está com os dias contados e que não descarta uma guerra com a Venezuela. Maduro "sabe exatamente o que eu quero", afirmou o presidente ao canal NBC. É petróleo?
Os Estados Unidos exploraram por décadas o petróleo da Venezuela, desde as primeiras descobertas na década de 1920 até a nacionalização em 1976. Muitas refinarias americanas foram projetadas para processar o petróleo bruto, conhecido como pesado e extrapesado pela alta densidade.
A Venezuela produz quase um milhão de barris por dia, e a Chevron é a única autorizada a transportar o combustível para os Estados Unidos, devido a um embargo imposto por Trump em 2019.
São aproximadamente 200 mil barris, explicou uma fonte do setor. Viajam em navios não sancionados, a salvo das operações militares.
Um primeiro navio foi interceptado em 10 de dezembro e levado aos Estados Unidos com sua carga. Eram 1,9 milhão de barris, segundo Maduro, que classificou a operação como "pirataria naval criminosa".
Uma segunda embarcação foi detida no sábado e a Guarda Costeira americana relatou uma perseguição a uma terceira, sem especificar detalhes.
Trump determinou o bloqueio de navios sancionados, mas analistas alertam que a medida é vaga e pode afetar qualquer embarcação com petróleo venezuelano, exceto as que trabalham para a Chevron.
A Venezuela exporta cerca de 500 mil barris no mercado paralelo, principalmente para a Ásia, disse Juan Szabo, consultor e ex-vice-presidente da estatal PDVSA.
O segundo navio apreendido não estava lista do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos de empresas e indivíduos sancionados, segundo uma revisão da AFP.
A política não é rígida: alguns navios passaram sem problemas, mas o risco pode aumentar os custos de frete ou dissuadir as empresas de navegação, observou Szabo.
A PDVSA assegura que as exportações seguem normalmente, uma ação essencial diante da baixa capacidade de armazenamento, de apenas dois a três dias, segundo a fonte.
"Se houver um bloqueio de verdade, a produção vai parar muito rápido como na grande greve de 2002", explicou em relação ao protesto contra o então presidente Hugo Chávez.
O Conselho de Segurança das Nações Unidas tem uma reunião sobre o tema prevista para terça-feira.
A pressão dos Estados Unidos sobre Maduro começou em setembro, com o bombardeio de embarcações vinculadas a um suposto cartel liderado pelo presidente de esquerda. Já são mais de 100 mortos nessas operações contra as chamadas "narcolanchas".
Carlos Mendoza Potellá, professor de Economia Energética na Venezuela, batizou os acontecimentos em torno do petróleo venezuelano como "Doutrina Trump", na qual os Estados Unidos "reservam a América para si" no âmbito de sua nova estratégia de segurança.
"Isto não é apenas petróleo, é a partilha do mundo" com China e Rússia, acrescentou. "Somos a primeira instância, a primeira demonstração desse poder", afirmou.
Desde os tempos de Chávez, o governo da Venezuela denuncia a ambição americana sobre as maiores reservas de petróleo do planeta.
Trump já tentou sem sucesso a queda de Maduro em seu primeiro governo, com uma política de máxima pressão por meio de sanções.
O bloqueio aumenta a pressão sobre a já nocauteada economia da Venezuela, que terminará o ano com hiperinflação.
Os venezuelanos não param de falar da mobilização militar dos Estados Unidos, embora em voz baixa, temendo acabar na prisão. Alguns aguardam um bombardeio que encerre 26 anos de chavismo, e outros temem que o isolamento leve de volta àqueles dias em que era preciso enfrentar longas filas para comprar café ou açúcar.
Szabo calcula que as exportações cairão 45% nos próximos quatro meses, o que pesará no bolso do Estado.
Em março e abril "a entrada de divisas será um terço do que era quando o país já estava em crise", advertiu. "Haverá um encarecimento enorme".
Como funciona um bloqueio?
Um bloqueio naval é uma operação militar em que navios de guerra cercam uma determinada costa para impedir o tráfego marítimo de entrar ou sair.
A ameaça de Donald Trump especifica "todos os petroleiros sancionados que entram e saem da Venezuela".
Se implementado com sucesso e de forma plena, o bloqueio naval ameaçado por Trump reduziria drasticamente a quantidade de petróleo exportada pela Venezuela. No entanto, ainda não está claro quais navios seriam afetados ou como exatamente o bloqueio seria realizado.
Há também dúvidas jurídicas sobre os planos de Trump. Elena Chachko, especialista em direito internacional da Faculdade de Direito da Universidade da Califórnia, em Berkeley, disse à agência de notícias Reuters que um bloqueio levantaria "sérias questões tanto no âmbito da legislação doméstica quanto internacional".
Apesar de muitos navios que operam com a estatal venezuelana Petróleos da Venezuela (PDVSA) estarem sancionados, há embarcações que ainda transportam petróleo venezuelano sem sofrer sanções.
A gigante americana Chevron, por exemplo, recebeu licenças especiais do governo de Joe Biden em 2022 para retomar as exportações de petróleo venezuelano — o objetivo era aliviar pressões no mercado global após a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Em outubro deste ano, o governo Trump concedeu nova autorização à Chevron para produzir petróleo na Venezuela, argumentando que a empresa americana era um parceiro vital para Caracas.