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Lideranças negras

Elas ainda são exceções; especialistas em temática étnico-racial lembram: não basta contratar, é preciso desenvolver. No mês da Consciência Negra lançamos luz sobre a questão
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Paula Figueiredo: mulher, negra, ela lidera mais de 150 pessoas na Solar Coca-Cola
 (Foto: divulgação)
Foto: divulgação Paula Figueiredo: mulher, negra, ela lidera mais de 150 pessoas na Solar Coca-Cola

No fim de outubro, em uma entrevista ao programa Roda Viva, a cofundadora do Nubank Cristina Junqueira fez uma declaração que pôs em xeque a pauta de diversidade na companhia. Após um questionamento sobre o possível "afastamento" de candidatos negros através da dura política de recrutamento do banco, a executiva afirmou que não era possível "nivelar por baixo" para incluir minorias políticas na empresa. O episódio gerou um pedido de desculpas formal e o anúncio de novas políticas de igualdade racial por parte do Nubank - e ampliou o debate sobre recrutamento e inclusão no mercado de trabalho.

A fala de Junqueira exemplifica um problema mais profundo nas organizações: o racismo estrutural, que fortalece a necessidade de estratégias de diversidade e inclusão que sejam realmente eficazes. Segundo Karina Reis, consultora especialista em temática étnico-racial da Tree Consultoria e headhunter da EmPretos, muitas empresas têm buscado se adequar à cobrança por mais diversidade nos quadros de funcionários contratando pessoas negras apenas para cargos "de base", como estagiários e assistentes, desconsiderando as habilidades de liderança desses profissionais.

A causa principal deste fenômeno, afirma, é a existência de um viés preconceituoso inconsciente nos gestores e recrutadores. "Às vezes, o candidato não consegue se desenvolver bem na seleção porque ela não é feita pensando na realidade dele, então quem recruta acaba escolhendo alguém mais parecido com si mesmo ou com quem já está na equipe. Esses vieses inconscientes atrapalham não só a contratação de uma pessoa negra, mas também a manutenção dela na empresa, porque não adianta contratar e não haver um programa para desenvolvê-la, para que ela tenha oportunidade de crescer como os demais", explica.

Karina também alerta para um ponto essencial a ser considerado: contratar líderes negros não beneficia apenas os candidatos que buscam conquistas profissionais, mas a própria organização. "A liderança traz diversas vantagens competitivas para a empresa. Quando você tem um líder ou CEO negro, a vivência dele será refletida nas políticas e normas internas e os outros profissionais negros terão uma identificação com ele. Essa representatividade traz um senso de pertencimento que muda tudo. Há mais produtividade, porque os colaboradores sentem que podem crescer e se desenvolver ali, e o produto final também é alterado, o que faz com que ele chegue a mais pessoas", ressalta a consultora.

 

Quadro Negro

Base para a inserção no mercado de trabalho formal, o acesso à educação é pauta essencial no debate sobre diversidade e inclusão. Na última semana, durante a programação online da Festa Literária das Periferias do Rio de Janeiro (Flup RJ), foi lançado o documentário "Quadro Negro", que traz uma série de entrevistas sobre o tema. Dirigido por Bruno F. Duarte e Silvana Bahia, já é possível conferir o filme no canal do evento: https://bit.ly/37Rmuhl. A dica é da professora Zelma Madeira.

Equidade nas empresas

Para Zelma Madeira, coordenadora especial de Políticas Públicas para a Promoção da Igualdade Racial do Estado Ceará e professora de Serviço Social da Universidade Estadual do Ceará (Uece), o primeiro passo para que organizações atinjam a igualdade racial é a reflexão sobre o racismo e os privilégios da branquitude. "O racismo estrutural está vinculado à nossa herança de escravidão, é uma questão histórica que se reconfigurou após a abolição. Então, é preciso lembrar que o racismo está posto para negros e brancos, porque ele impõe os lugares que as pessoas ocupam; assim como ele gera a pobreza, ele também gera a riqueza", pontua.

Dessa maneira, não pode haver apenas uma inclusão "cosmética", lembra Zelma, ou o comprometimento da empresa com a questão étnico-racial não será verdadeiro nem eficaz. "É preciso investir em três tipos de ações: as repressivas, que dizem respeito ao fortalecimento da criminalização do racismo nas empresas; as afirmativas, como um sistemas de cotas para entrada; e as ações valorativas, que incluem processos pedagógicos contínuos. A empresa não pode apenas colocar uma pessoa negra lá dentro, sem tocar no assunto, sem haver uma formação interna, se não ela não aguenta o ambiente. Esse é um tema que é desprezado pela universidade, por juristas, economistas e pelo parlamento, então a empresa tem que se comprometer a falar sobre isso todo os dias", afirma.

Diversidade e mentoria

Uma série de novos negócios tem surgido para auxiliar profissionais negros que buscam qualificação e vagas no mercado de trabalho - e também empresas interessadas em elaborar planos de ação com foco em diversidade étnico-racial. Confira sete projetos sobre diversidade, educação e empregabilidade para acompanhar no Instagram:

1. AfroBusiness
(@afrobusiness.brasil)

2. Afro Presença
(@afropresenca)

3. Empregue Afro
(@empregueafro)

4. EmPretos (@empretosbr)

5. Firma Preta (@firmapreta)

6. Fundo Baobá
(@fundobaoba)

7. Movimento Black Money
(@movimentoblackmoney)

Diversidade como meta

Presente em dez estados do Brasil - nove deles na Região Nordeste -, a Solar Coca-Cola instituiu como meta para 2021 aumentar o índice de funcionários que fazem parte de minorias políticas, como mulheres, negros e LGBTQIA . A decisão, explica a executiva Paula Figueiredo, integra o plano de ação para diversidade e inclusão da empresa e parte do princípio que ter um quadro de colaboradores diverso torna a organização mais forte e relevante para o público.

Com a decisão partilhada com todos os setores da companhia, o acesso às vagas de emprego também se torna mais democrático. Afinal, Paula, que é gerente comercial e lidera mais de 150 pessoas, sabe que sua carreira é um ponto fora da curva: com mais de 15 anos de experiência, está há nove na mesma empresa, onde já foi promovida diversas vezes. "Não sinto que tive dificuldades para construir esse caminho, mas isso ocorreu porque tive uma base familiar que me educou e me preparou para essa sociedade racista. Isso fez com que eu jamais baixasse a cabeça e percebesse que não sou melhor que ninguém, mas que as pessoas também não são melhores do que eu", conta.

Através de políticas internas como as da Solar, porém, Paula acredita que esse tipo de relato possa se multiplicar. Assim como Karina, a executiva pontua que a chave para uma empresa realmente inclusiva está na formalização dos processos de diversidade. "A partir do momento em que a companhia entende a importância do assunto e passa a ter a inclusão como premissa, mesmo líderes que não concordem com as ações têm que acatar as normas de diversidade. Só será possível reduzir a desigualdade racial no mercado quando as organizações começarem a enxergar esse ponto como uma meta de resultados", conclui.

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