Logo O POVO+
A vida dos conselheiros do TCM após a extinção do órgão
Reportagem

A vida dos conselheiros do TCM após a extinção do órgão

Indicados para cargo vitalício que deixou de existir, eles não podem ser "demitidos" nem assumir outras funções públicas. Apenas um entrou em vaga do TCE, enquanto os outros seis, em casa, avaliam qual será o próximo passo
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
NULL (Foto: )
Foto: NULL

[FOTO1]
Os conselheiros em disponibilidade estão reorganizando a vida após a despedida precoce de um posto onde, antes da extinção do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), iriam poder atuar até os 75 anos. O fim do órgão gerou situação inusitada para os sete: titulares de um cargo vitalício que deixou de existir. Eles não podem ser aproveitados para uma função que não seja equivalente nem exonerados.

 

Dentre os sete conselheiros, um não está mais em disponibilidade: Ernesto Saboia tomou posse no TCE em dezembro. Outro, Pedro Ângelo, preferiu não comentar sobre sua vida pessoal. O POVO conversou com os outros cinco, que contaram quais os seus planos a partir de agora.

 

A “disponibilidade”, na prática, os obriga a esperar – enquanto continuam recebendo o salário de cerca de R$ 30 mil mensais – por uma eventual vaga de conselheiro no Tribunal de Contas do Ceará (TCE). As outras opções são a aposentadoria e a renúncia da função para dedicar-se a outra carreira pública ou político-partidária. Se o TCM ainda estivesse de pé, mesmo o mais velho entre eles ainda teria quatro anos de atuação.

Domingos Filho, que ocupava o posto de presidente do TCM à época da extinção, é o único que admite retorno à política partidária. Antigo aliado dos Ferreira Gomes, ele deve fortalecer a oposição nas eleições, podendo disputar até mesmo o cargo de governador contra o atual gestor estadual Camilo Santana (PT). “Já requeri formalmente os documentos para deflagrar o processo de aposentadoria e poder me candidatar”, esclarece.

 

Ele deve se filiar ao partido do filho, o deputado federal Domingos Neto (PSD). Após longa estadia em Brasília enquanto ação contra o fim do TCM tramitava no Supremo Tribunal Federal (STF), ele está de volta a Fortaleza e divide o tempo em casa com reuniões da oposição para definir projeto eleitoral.

 

De longa trajetória política, Chico Aguiar diz que não pretende mais atuar nessa área “em hipótese nenhuma”. E lamenta situação: “Eu vejo tudo isso com muito incômodo, estar sendo remunerado sem estar prestando nenhum serviço à sociedade, mesmo sendo totalmente capaz. Mas não é culpa nossa (dos conselheiros). Essa foi uma decisão eminentemente política”.

 

O plano dele é “continuar em disponibilidade” até o surgimento de nova vaga no TCE. “Estou em casa na esperança de ser convocado. Eu espero que o TCE chame um de nós, em vez de alguém de fora e criar uma nova despesa”, defende.

 

Hélio Parente não tem o mesmo otimismo. “Não há perspectiva de aproveitamento. Considerando o curso normal, excluindo a possibilidade de morte e de renúncia, vai demorar muitos anos até que surja uma vaga no TCE e, mesmo quando acontecer, não há obrigação por lei de que nós sejamos indicados”, argumenta.

 

Ele diz que, se tivesse idade para se aposentar, “certamente o teria requerido”, mas agora está “esperando as coisas se acalmarem” para decidir o que fará. Parente não afirma se voltará a advogar, mas sinaliza que não deve se prender ao atual cargo. “Não me considero conselheiro em disponibilidade, mas um servidor em disponibilidade. Eu estava conselheiro, não estou mais, isso passou”, afirmou.

 

Manoel Veras, ex-deputado estadual, também descarta regresso à política e diz que o momento é de “reflexão” para decidir o próximo passo. “Continuo em Fortaleza. Tenho procurado ler bastante e levar minha vida privada normalmente. Tirei um período de férias, viajei com a família e retornei agora para avaliar essa questão”, conta.

 

A disponibilidade incomoda Veras. “Eu tenho capacidade de fazer meu trabalho e fui tolhido por uma ação que não tem a ver com a minha atuação. Eu sempre fui muito acostumado a trabalhar, então é um incômodo muito grande, eu podendo ficar ainda por mais 15 anos, de repente parar”, explica.

 

As críticas geradas pela situação inusual de estar recebendo remuneração sem trabalhar, no entanto, não comovem o conselheiro. “Eu já tenho tempo de aposentadoria, é um direito normal que eu adquiri por trabalho, não pela benevolência de ninguém. Como eu vou renunciar a um direito que eu adquiri numa vida longa de trabalho?”, contesta.

 

Decano do TCM, Marcelo Feitosa não tem outros planos além do de “continuar em disponibilidade” e admite que o período é “como se fosse” uma aposentadoria. “Um fato político acabou um Tribunal que não era para acabar, eu não tive envolvimento nisso. Agora, eu estou cuidando da minha vida privada”, resume.

 

NÚMEROS

 

6
conselheiros do TCM, dos 7 que atuavam no órgão extinto, estão em disponibilidade, sem perspectiva de realocação no
termos legais

 

30
mil reais é o salário médio dos conselheiros
 

PERFIS

 

DOMINGOS GOMES DE AGUIAR FILHO (54 anos)

É formado em Direito pela UFC, tendo atuado como advogado e servidor público antes de ser eleito deputado estadual por quatro legislaturas. Chegou ao posto de vice-governador do Ceará na segunda gestão de Cid Gomes (2011-2015). É pai do deputado federal e presidente estadual do PSD, Domingos Neto. Foi um dos protagonistas contra o fim do TCM, aprovado pela base da Assembleia Legislativa após seu rompimento com o grupo do governador. Tomou posse como conselheiro em 2014.

 

FRANCISCO DE PAULA ROCHA AGUIAR (70 anos)

Ex-deputado estadual por quatro legislaturas, era o presidente da Assembleia Legislativa em 1994, quando o então governador do Ceará Ciro Gomes renunciou ao cargo para assumir o Ministério da Fazenda. Aguiar, então, assumiu o comando do Executivo Estadual por 83 dias, o suficiente para passar a receber pensão como ex-governador. Após briga judicial, teve de abrir mão da aposentadoria quando tomou posse como conselheiro, em 2006. É pai do deputado estadual Sérgio Aguiar e sogro da prefeita de Camocim Mônica Aguiar.

 

JOSÉ MARCELO FEITOSA (71 anos)

Ex-deputado estadual, também foi assessor de gabinete do então governador do Estado César Cals entre os anos de 1972 e 1975 e diretor da Fundação de Saúde do Ceará durante a gestão de Valdemar de Alcântara. É formado em Economia. Tomou posse no TCM em 1981.

 

HÉLIO PARENTE DE VASCONCELOS FILHO (54 anos)

Formado em Direito, com especialização em Direito Eleitoral, atuou como advogado, sendo sócio de escritório de peso nacional. Muito próximo dos irmãos Ferreira Gomes, foi assessor jurídico da Assembleia Legislativa quando Cid Gomes era o presidente da Casa e era advogado de Ciro Gomes quando foi indicado ao cargo de conselheiro. Tomou posse no TCM em 2012.

 

PEDRO ÂNGELO SALES FIGUEIREDO (69 anos)

Formado em direito, foi defensor público e professor universitário. Entrou no TCM como concursado em 1995, sendo o primeiro procurador de contas do TCM. Em 1997, assumiu vaga de conselheiro do Tribunal na vaga do Ministério Público.

 

MANOEL BESERRA VERAS (61 anos)

Foi servidor público, deputado estadual por quatro legislaturas e atuou como secretário de Administração do Ceará no governo do Ciro Gomes. Tomou posse no TCM em 2003. No fim do ano passado, à época indicação da Assembleia Legislativa do nome de Ernesto Saboia para assumir vaga de conselheiro no TCE, esteve no centro de nova polêmica: o deputado Heitor Férrer defendia que Veras deveria assumir o cargo por ser o mais antigo conselheiro do TCM indicado pela Casa. O caso ainda corre na Justiça.

 

ENTENDA

 

O INÍCIO E O FIM DO TCM

> O TCM, cuja semente brotava ainda em 1954 na criação do Conselho de Assistência Técnica aos Municípios, atuava na análise e no julgamento de contas municipais, além de fornecer orientação técnica às administrações públicas e de avaliar a transparência das prefeituras e câmaras

> Ele foi extinto pela segunda vez, e de uma vez por todas, no dia 8 de agosto de 2017, quando a Assembleia Legislativa aprovou em segundo turno a Emenda à Constituição Estadual de autoria do deputado Heitor Férrer (PSB). Em outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve o fim do órgão, enquanto na primeira vez a havia suspendido por conta do rito atropelado da votação. O TCE incorporou as funções e os servidores do TCM

> Briga política entre a base do governador Camilo Santana (PT), controlada pelos Ferreira Gomes, e os grupos da oposição liderados pelo dissidente Domingos Filho e o senador Eunício Oliveira (MDB) - que hoje aproxima-se da base - gerou a extinção. A motivação oficial, porém, segundo apoiadores de Camilo, seria de que o fim do órgão levaria a uma economia para o Estado

 

OS CONSELHEIROS E RESTRIÇÕES LEGAIS

 

CARGO PÚBLICO

Os conselheiros, ainda que em disponibilidade, não podem exercer qualquer outra função pública, com exceção de uma de magistério superior - de acordo com o regimento do extinto TCM e da Constituição do Estado do Ceará.

ATIVIDADE POLÍTICA

Também é vedada, a todos os conselheiros, mesmo os em disponibilidade, exercer a atividade político-partidária.

COMÉRCIO

No regimento do extinto TCM, os conselheiros também eram impedidos de exercer o comércio, “salvo se acionista ou cotista de sociedades comerciais”.

 

ADVOCACIA

Embora os regimentos dos tribunais de contas não proíbam, explicitamente, o exercício da atividade do advogado, o Estatuto da Advocacia afirma que as funções são incompatíveis. Decisão da 8ª Turma do TRF-1 de março de 2015 confirma impossibilidade de conselheiro de atuar como advogado.

IMPEDIMENTO

A Constituição do Estado do Ceará determina, no seu Artigo 71, que os conselheiros precisam ter mais de 35 e menos de 65 anos de idade. Dentre os seis conselheiros em disponibilidade, apenas três ainda podem assumir o cargo em caso de vacância: Domingos Filho, Hélio Parente e Manoel Veras.

 

O que você achou desse conteúdo?