JOSÉ ANDERSON SANDES
PROFESSOR DE JORNALISMO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI
Primeiro perdemos para Collor; depois duas vezes para Fernando Henrique Cardoso e, por fim, ganhamos. Ufa. Lula. Presidente do Brasil. PT, o maior partido de esquerda da América Latina no poder. Foi bonita a festa, pá. Um operário chega ao poder neste País de muita saúva e pouca saúde. Enfim, varreríamos com um sopro as manchas dos 300 anos de escravidão; com outro as feridas abertas pelos generais. O povo chegava ao Planalto.
Antes da apoteose da posse de Lula, em janeiro de 2003, anos aflitos. A derrota das “Diretas, Já”, doeu. E como doeu. Lula já despontava como uma grande estrela em meio a políticos profissionais – Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Teotônio Vilela, Mário Covas. Todos contra os generais. Bandeiras vermelhas se misturavam com o verde-amarelo nos grandes comícios das Diretas, Já.
Com o fim do ciclo dos generais, o Brasil se reconfigurou. Começavam marchas e contramarchas políticas. Lula enfrentou no segundo turno, Collor de Melo, o tal caçador de marajás, nas eleições de 1989. Para mim era Lula contra o Império da Globo. Era Lula contra as mentiras da grande mídia. Era Lula contra as elites brasileiras, mais perversas que as castas indianas, como uma vez ouvi numa conferência de Antônio Callado.
Foi a primeira vez que votei numa eleição para presidente da República. Cravei lógico, em Lula.
O avanço das esquerdas era inquestionável. Os porões da ditadura eram abertos e o debate sobre um novo Brasil se irradiava do Oiapoque ao Chuí. Parte da imprensa, quando o barco das Alagoas começou a fazer água, também puxava o coro pró-Lula. Nunca se debateu tanto e se falou tanto em política – artistas, intelectuais, jornalistas.
Poderia ser Caetano Veloso ou Sidney Magal, o entrevistado; Fernando Meireles ou Zé do Caixão. Artistas engajados politicamente ou não. Sempre no meio da entrevista surgia, às vezes do nada, uma pergunta sobre política e o novo Brasil. Lógico, artistas naquela época sempre jogavam para a plateia nos vermelhos anos 80/90. E, quase sempre, a resposta apontava para Lula e a estrela do PT.
Não existiam redes sociais e, de certo modo, o debate se dava com algum requinte e sofisticação. E não poderia ser diferente. Existia um sonho. Este sonho era o PT. Era Lula. Este sonho era tirar o Brasil da pobreza. Quem seria contra? Se quase tudo na nossa tenra democracia, até o momento, apesar do vitorioso Plano Real, estava dando errado. Ora, queríamos Lula.
Dois momentos foram marcantes neste início do Século XXI: o primeiro de Janeiro de 2003, dia da posse de Lula em Brasília; e o 31 de agosto de 2016, dia do impeachment de Dilma Rousseff. Virei para um amigo e disse: fomos traídos? Ele ainda persistia, como muitos, a seguir a estrela, agora apagada, do PT. Ontem, 24 de janeiro, Lula foi condenado. Para mim, o mito Lula acabou. Mas fica a pulga atrás da orelha colocada por Callado: “Temos uma elite mais perversa que as castas indianas”. Não é o fim da história.