[FOTO1] Após exibir o filme Batismo de Sangue em sala para alunos do ensino médio, um professor de História do Colégio Santa Cecília foi acusado de "doutrinação comunista". O caso ganhou projeção após ele ser recebido pelos alunos com homenagens. A questão é que o conflito tem se tornado cada vez mais comum em escolas brasileiras e cearenses. Os reflexos do Projeto de Lei (PL) 7180/14, o chamado Escola Sem Partido, está nas salas de aula antes mesmo de ser votado em comissão da Câmara dos Deputados.
Foi após orientar a leitura do romance sobre o Holocausto O Menino do Pijama Listrado e tentar exibir o filme baseado no livro que uma professora foi também acusada de "doutrinação". "Alguns alunos se recusaram a entrar em sala de aula. Falaram para a coordenação que eu estava passando um filme mentiroso que falava sobre o Brasil e que todos aqueles fatos eram mentiras criadas pela esquerda. Nunca escutei algo tão absurdo. Pior do que a falta do conhecimento é a vontade de permanecer na ignorância", relatou.
O filme, com classificação indicativa de 12 anos, traz a história de campos de concentração que dizimaram judeus na Alemanha nazista, entre 1933 e 1945.
Conforme ela, após o episódio, o cotidiano de respeito e carinho foi substituído por um ambiente de hostilidade. De acordo com o Sindicato Apeoc, que representa o servidores da educação do Estado, pedidos de auxílio aumentaram consideravelmente.
Com votação marcada para terça-feira, 13, o PL estabelece que as salas de aula deverão ter cartazes especificando seis deveres do professor, como "não cooptar os alunos para nenhuma corrente política, ideológica ou partidária".
A iniciativa altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação para que disciplinas que tenham como parte do conteúdo questões de gênero ou que tratem de orientação sexual sejam proibidas. Consta no texto que, uma vez aprovada, a lei valerá do ensino fundamental às universidades, incluindo exames de ingresso no ensino superior, como o Enem. O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) tem a proposta como uma de suas bandeiras.
Um dos pontos que reacendeu as discussões foi o caso da deputada estadual eleita Ana Caroline Campagnolo (PSL-SC), que no dia 29 de outubro abriu canal informal para fiscalizar professores em sala de aula. Também professora da História, ela pedia que vídeos e informações fossem repassados, junto aos nomes de docente, escola e cidade. Dias depois, a Justiça determinou que a postagem fosse apagada por ferir o direito dos alunos de usufruir de liberdade de expressão de atividade intelectual em aula.
Outro fator foram as ações policiais em universidades públicas dias antes do segundo turno das eleições. A ação que ocorreu por justificativa de fiscalizar propagandas irregulares trouxe reações das comunidades acadêmicas e entidades da sociedade civil. O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, suspendeu as apreensões e retiradas de faixas. Apesar de não versar especificamente sobre o PL, a decisão dá indicativos de, mesmo com aprovação, a lei pode ser barrada no STF.
Miguel Nagib, advogado e fundador do movimento Escola Sem Partido, defende que as ações do PL "não só não violam a Constituição Federal, como visam a assegurar que alguns dos seus mais importantes preceitos, princípios e garantias sejam respeitados dentro das escolas pertencentes aos sistemas de ensino dos estados e dos municípios", escreveu. O POVO tentou entrevista, via email, mas não obteve resposta até o fechamento desta página.
Rogers Mendes, titular da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), reconhece que as discussões em torno do assunto têm se intensificado. Ele ressalta a criação, há cerca de dois anos, do projeto "Escola, espaço de reflexão" na rede pública estadual, para que temas com maior polarização possam ser tratados dentro da própria escola, com diálogo, escuta e sem conceitos pré-estabelecidos.
"Desde a redemocratização do Brasil não compreendemos a escola como apenas lugar de transmissão de conteúdo cientificamente acumulado, mas também como lugar em que são discutidas questões caras para a socialização e cidadania, isso não pode ser deixado dentro de um contexto tão desigual como o brasileiro".
Votação
A votação do PL em comissão especial da Câmara foi transferida para terça-feira, 13. A última reunião foi cancelada devido à pauta de votações no plenário da casa, o que impede expediente das comissões.
O que propõe o Projeto de Lei
1. ALTERAÇÃO DA LEI DE DIRETRIZES E BASES
A ideia é acrescentar um novo inciso e parágrafo único na LDB "para dispor sobre o respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis".
2. INCISO XIV
Conforme o texto, novo inciso propõe "respeito às crenças religiosas e às convicções morais, filosóficas e políticas dos alunos, de seus pais ou responsáveis, tendo os valores de ordem familiar precedência sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa".
3. PARÁGRAFO ÚNICO
O parágrafo que seria acrescentado diria que a escola não pode ter disciplinas que apliquem a "ideologia de gênero" e nem os termos "gênero" e "orientação sexual".
4. CARTAZES EM SALA DE AULA
Cartazes com seis orientações sobre como o professor deve se portar seriam distribuídos em sala de aula de escolas brasileiras.
5. TODAS AS FASES DE ENSINO
A lei passaria a valer em todas as fases de ensino do estudante, do fundamental ao superior. Funcionando, inclusive, em concursos para professor e avaliações para ingresso no ensino superior.
6. CONTRATOS
Em escolas particulares, "os conteúdos de cunho religioso, moral e ideológico" poderão ser ministrados, mas sob assinatura contratual de acordo dos pais do estudante.