O POVO - Por que o senhor nos convidou para esta conversa?
Giorgio Bonelli - Porque vocês publicaram uma matéria muito chata. Fiquei chateado. É uma das tantas fofoquinhas que me cansam faz anos. A Lagoa (de Jijoca) está cheia de barracas e ninguém tem uma licença ambiental, somos os únicos. Mas como tenho sucesso, tenho que viver esse ataque. Quero vender tudo o que tenho no Brasil e fugir o mais rápido possível. Te digo com toda sinceridade. Estou cansado deste País, dessa história, dessa insegurança jurídica. Estou supercansado das coisas que são mal faladas. Basta!
OP - Por que o senhor ainda está aqui?
Bonelli - Porque esta terra oferece várias oportunidades. Mas quando cheguei aqui, não havia crise. Quando tive a péssima ideia de comprar essa terra na Lagoa, sabia que havia um problema ambiental, mas sou um empreendedor que sempre faz as coisas absolutamente dentro da lei. É tão fácil falar de alguém que compra uma coisa - você é imediatamente percebido como agressor. É normal. É da natureza humana. Os meus outros hotéis, no Exterior, ficam em prédios que têm 800 anos, com várias coisas que não podem ser mudadas. Aqui existem as questões ambientais, lá, são de natureza cultural. Então, pedi ao embaixador cearense em Praga (George Monteiro Prata) que endereçasse ao governador Camilo Santana uma carta narrando o que eu fazia na República Tcheca, contando que eu teria por aqui o mesmo respeito com os bens culturais que tenho por lá. Sou uma pessoa extremamente respeitada em Praga. Eu seria um empreendedor estúpido, e pode ser que eu seja, se quisesse derrubar a única coisa que vale naquele lugar.
OP - Qual sua expectativa em relação a toda essa situação?
Bonelli - Não estou aqui querendo medalhas. Só quero trabalhar em paz. Erramos? Provavelmente sim, mas tenho um consultor ambiental que é muito profissional. Queremos saber como podemos ir em frente. Você imagina que vimos nossa barraca ser fechada duas vezes em dois anos? Somos os únicos em toda a Lagoa do Paraíso a ter todas as licenças, um poço outorgado, uma estação de tratamento, coisas que foram feitas por nossa conta, que ninguém pediu. Se é uma questão ambiental, como pode ser que sejamos os únicos que sempre são fiscalizados? Existem exemplos superevidentes de barracas que estão no meio da lagoa. Um lugar como o Lago Grande, em Camocim, está totalmente derrubado. Eu sempre ia com meu "buggynho", mas agora me dá pena. Como é que não se fala dessa vergonha, que é mil vezes mais impactante que o que se sugere que seja impactante em nossa barraca? Sempre estão só contra nós. É uma pergunta que gostaria que o Ministério Público Federal respondesse. Eles deveriam saber das coisas. Ou são idiotas, ou deviam saber.
OP - Vocês fizeram tudo dentro das normas ambientais?
Bonelli - Sinceramente, acho que tentamos fazer tudo o que foi possível para resolver os problemas. Pode ser que tenhamos errado, mas é normal. Se tiver que pagar multa, pagamos. Seguramente, e desculpe a sinceridade, somos o único grupo que tem todos os funcionários com carteira assinada. Somos seguramente a única barraca que paga todos os impostos, até os últimos centavos. Somos os únicos que estamos tentando fazer as coisas e somos sempre vistos como os destruidores da lagoa. Gostaria de perguntar a esse procurador (José Milton Nogueira Júnior, procurador da República) qual o dano ambiental que causamos. Não sou uma pessoa arrogante, sou uma pessoa muito passional, porque estou convencido de ter razão. Gostaria de compreender como um empreendedor pode avançar com seu negócio em um clima de insegurança total evidente. Outro dia, falando com um advogado, ele disse que o problema é que não “banquei” ninguém. Nós fizemos todas as consultas nos órgãos competentes. Não sou uma virgem, um anjo, só estou tentando fazer meu negócio, mais pelo prazer que pela grana. Tenho 65 anos e um cachorro velho, sem filhos, não me importa mais fazer um milhão de reais.
OP - Alguma ideia sobre o porquê de vocês serem os únicos fiscalizados?
Bonelli - Não sei (risos). Gostaria de saber. Eu me considero uma pessoa bastante simpática. Não sou uma pessoa que chega lá de Mercedes com umas meninas. Sou o primeiro a falar bom dia com todas. Dizem que é inveja, mas da parte de quem? Não tô preocupado com meu investimento, mas com as 120 famílias que dependem da barraca. Uma vez, quando um dos fiscais chegou lá, ele disse “meu amigo, me dá pena de vir aqui notificar, não compreendemos o que estamos fazendo”. Os meninos chegam lá mais tristes que eu.
OP - Quando o senhor adquiriu a propriedade, em 2013, pensou em fazer um loteamento no lugar da barraca. O que o fez desistir?
Bonelli - Descobri Jericoacoara um ano depois que comprei uma terra em Caucaia, em 2009. A Lagoa do Paraíso estava muito cheia, me apaixonei na hora. Me lembrava uma praia onde eu havia morado no Caribe. Não queria a barraca. Cheguei a apresentar um projeto de um loteamento de bom padrão. Fiquei apaixonado pelo local, pela praia branquinha, mas a ideia era péssima. Quem ia comprar? Em 2013 era tudo muito diferente. E hoje não posso nem demolir a barraca, porque existe uma liminar que diz que não posso fazer requerimentos desse tipo. Não posso construir uma barraca nova e nem tirar a que já fiz. Não tem como fazer nada.
OP - O que são aqueles tapumes na entrada na barraca, ao lado do estacionamento?
Bonelli - Aquilo foi um grande escândalo. O Ministério Público dizia que queríamos fazer um loteamento oculto. A ideia era muito simples. Naquele momento (2016) havia uma seca muito grande. As barracas fechavam. Tivemos problemas sérios. Tenho conhecimento de uma técnica de fazer piscinas naturais, água misturada com 5% de resina. Não tem nenhum impacto ambiental e tem a aparência de uma lagoa verdadeira. Pensamos: “vamos manter a barraca viva”. Os turistas estavam chateados, chegavam pra tirar foto e encontravam a lagoa a uma distância de 50 metros. A piscina foi pensada como uma maneira de sustentar a barraca. Seria uma piscina muito linda, de areia branca, com plantas, flores. Você sabe que cearense gosta muito de piscina. A declaração que a Semace concedeu não foi para resguardar essa obra, mas pra pedir financiamento ao banco no valor de R$1,5 milhão.
OP - Caso a licença de operação seja indeferida após o prazo estipulado pela Justiça Federal (fevereiro de 2019), o que o senhor pretende fazer?
Bonelli - O que eu posso fazer? Nada que seja contra a lei. Nunca vi uma coisa dessas. Dizem que estou bancando a Justiça. Faça essa pergunta, por favor, por favor, por favor.
OP - O senhor bancou?
Bonelli - Não banquei nada. Tudo o que foi dado, foi dado com um processo legal de licenciamento. Não sou uma pessoa de negócios, eu faço negócios. Gosto mais de coisas artísticas, de trazer artistas, escultores. Já me dizem que sou um pouco doido, nunca faria uma coisa sabendo que não é permitida. Me julgam porque não é meu país, porque sou a pessoa mais fraca, porque não tenho nenhum tipo de relacionamento político, nunca fiz pressão de nenhum tipo. O Governo, que é contra nós, utiliza nossas fotos para promover o turismo, em vídeos estaduais ou federais, de Brasília a Nova York. Com a mão direita eles levantam nossa bandeira de turismo, e com a mão esquerda me dão uma facada, dizem que tenho que fechar. Tem algo errado aí.
OP - Depois de tudo isso, o senhor ainda sente prazer ao visitar Jeri?
Bonelli - Me faça outra pergunta, meu amigo. Os primeiros dias aqui no Brasil são terríveis. São só problemas. Estou supercansado, supercansado. Joguei muito dinheiro no Brasil, dinheiro de um empréstimo que fiz na Europa jogando minha propriedade como garantia. Jeri é um lugar muito lindo. Estão acontecendo coisas que não concordo. Tem que ter mais cuidado com a Cidade. Há problema de água, de energia. Estou pessoalmente preocupado. Não somos anjos caídos do céu, não somos benfeitores da comunidade, não pretendemos fazer nada de especial, somos pessoas tentando fazer um negócio dentro da lei, e eu gostaria de ficar em paz.