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A sensação coletiva
Reportagem

A sensação coletiva

Medo. Exclusão social
Edição Impressa
Tipo Notícia

"Aqui, a gente não viu nada, nem polícia e nem bandido, está tudo tranquilo. Mas tem esse medo generalizado, todo mundo comentando. Estamos toda hora olhando as notícias, tentando ficar a par da situação", contou ao O POVO a vendedora Adriana Campos, que trabalha em uma loja de material de pesca na rua Conde d'Eu, no Centro. Duas quadras depois, na mesma rua, Marcos Antônio, caixa em um estacionamento, também disse que não havia presenciado atos de violência, mas que "o pessoal anda comentando que está com medo". Segundo Marcos, o movimento no estabelecimento teve redução de 30% em relação aos dias de normalidade.

Um dos mais importantes filósofos do século XX, o britânico Bertrand Russell, prêmio Nobel de literatura em 1950, escreveu em seus ensaios que o "medo coletivo estimula o instinto de rebanho e tende a produzir ferocidade contra aqueles que não são considerados como membros do rebanho". Trazendo para a Fortaleza de 2019 o silogismo de Russell, é possível analisar as relações de exclusão social que se impõem e o processo de invisibilização - e posterior reconhecimento "criminoso" - a que as classes menos favorecidas são submetidas.

"Na psicologia, a gente vê o medo da violência como operador político e também atuando diretamente na forma como as pessoas se constituem", explica o mestre em psicologia Luis Fernando Benicio, pesquisador do Grupo de Pesquisas e Intervenções Sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação (Viese) da UFC. "O medo tem feito pessoas ficarem acuadas, não circularem nos seus bairros", acrescenta, chamando atenção para o fato de que esse problema já existe há muito mais tempo nas periferias.

"Quem tem ficado refém da dinâmica de violência na cidade é a periferia. Dentro de um perímetro, se criam várias zonas, e as pessoas não circulam por determinados lugares, não acessam direitos básicos. Os moradores não ultrapassam essa linha, e tudo isso vai produzindo formas de viver, uma naturalização e banalização da violência", explica. O estabelecimento dessa dinâmica paralela acaba criando, em quem vê de fora, referências negativas, "como se a onda de violência fosse produzida apenas em um certo território".

O boom da violência percebido nas últimas semanas gerou, segundo Luis Fernando, uma espécie de deslocamento dos lugares: "Primeiro pelo regime de invisibilidade, porque pra muita gente, até para o poder público, essas ameaças não existiam". Nesse cenário de eclosão, tornou-se possível perceber que o pesquisador chama de polifonia de vozes. "A ameaça não vem de um único núcleo. Podem ser várias vozes dentro das organizações. A sociedade de alguma forma entendeu que os integrantes desses grupos podem estar em bairros privilegiados".

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