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A violência simbólica
Reportagem

A violência simbólica

Periferia e área nobre.
Edição Impressa
Tipo Notícia

Com ocupação dos hotéis em 95% na semana da virada do ano, Fortaleza manteve turismo pulsante durante todo o mês de janeiro. Na avenida Beira Mar e na Praia de Iracema, dois dos espaços com maior concentração de turistas na Cidade, as notícias de violência parecem não ter afetado a rotina dos visitantes. É o caso do chileno Sebastián Diez, que chegou à Capital há pouco mais de uma semana, assustado com a situação que vinha acompanhando pela internet, e encontrou hospitalidade e segurança pelos espaços que visitou.

“Antes de chegar, vi que estavam explodindo pontes e queimando ônibus. Entendi que tinha a ver com as reformas impostas pelo Bolsonaro e também com o problema com o narcotráfico. Fiquei com medo, por tudo o que escutei. Mas não imaginava que Fortaleza era tão grande, e acabei achando tudo bem tranquilo. As pessoas são amáveis, me sinto seguro. Ouvi uma explosão, fui à varanda, mas não vi nada. Mudei minha impressão”, conta ele, que está hospedado no Meireles.

Quem também caminhava pelas calçadas do bairro no dia da visita do O POVO era a diarista Helena Santos, que vinha do Siqueira duas vezes por semana trabalhar em residências da região. “Sofri muito com a falta de ônibus. Deixei de vir trabalhar, porque taxi saia muito caro, muitos motoristas subiram o preço. Por lá, a gente estava com medo, mas por sorte eu não vi nada. Mesmo assim, estamos assustados, porque tem o deslocamento pela cidade. Mas aqui na Beira Mar tudo parece muito tranquilo”.

Os problemas da locomoção interrompida acabaram atingindo toda a cidade. A falta de ônibus comprometeu, inclusive, o funcionamento de equipamentos que passam ilesos pela onda de violência, como o Centro Cultural Bom Jardim (CCBJ). Uma fonte ligada ao local contou que o horário de funcionamento do Centro foi reduzido: antes, permanecia aberto até as 21 horas; agora, as portas são fechadas às 17 horas. “Fazemos isso como prevenção. Mesmo com os ônibus já normalizados, as pessoas têm medo de sair tarde e ficarem presas na volta pra casa, no caso de acontecer alguma coisa”, revelou.

Na Barra do Ceará, um dos bairros mais atingidos pelos ataques das últimas semanas, até os moradores que não presenciaram atos de violência se sentem acuados. Também pedindo sigilo, um morador conversou com O POVO sobre a situação. “A gente percebe o reflexo disso tudo nos jovens. Eles ficam bem agitados, inquietos, naquele estágio pré-guerra. E tem uma parada hierárquica: vem uma voz de comando e eles executam. E aí tá rolando muito o problema das ruas escuras, com as luzes quebradas, o toque de recolher, os comércios fechados. Isso acaba gerando incômodo e revolta entre os moradores que não participam do tráfico”, explica.

Segundo nossa fonte, a GDE, facção que domina o bairro, procura “gente nova” para sua formação. “São uma galera que foi instrumentalizada pelo PCC. A galera que tá à frente é muito novinha. E os jovens falam abertamente que são faccionados, porque é um elemento identitário, quase uma insígnia. Por isso eles conseguem ter uma penetração tão grande com os jovens, porque dão uma bandeira pra esses meninos”, conta.

Mas ao medo coletivo e à ação das facções aparecem pequenas resistências. “É um lance muito massa essa questão da solidariedade, como a periferia tem esse processo de cooperação entranhado. É o menino que tem uma moto e sai deixando os vizinhos no terminal, é o porteiro que espera a faxineira pra irem juntos pra casa. Eu percebo que a galera tá cansada de ser subjugada, de ser controlada. Há um cansaço e uma revolta principalmente entre as pessoas que não optaram pela vida do crime. As pessoas aprovam a polícia nas ruas. O que a gente mais vê é o desejo de atravessar tudo isso”, resume.

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