Logo O POVO+
A África do Sul do Apartheid, 25 anos depois do seu fim
Reportagem

A África do Sul do Apartheid, 25 anos depois do seu fim

| HISTÓRIA | A data de hoje marca o fim do regime que vigorou na África do Sul entre 1948 e 1994, marcando-se por um racismo institucionalizado e que permnanece enraizado. Apesar das liberdades que marcam o atual momento
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
 (Foto: )
Foto:

"Ainda existem as áreas para brancos, mestiços e negros. O que não existe é o Apartheid instituído, mas oculto, invertido, mesmo não mais declarado". É a visão da jornalista brasileira, Safiya Beatriz Barbosa, 47, residente na África do Sul desde 2013. Com 46 anos de duração, o sistema influenciou a vida de sul-africanos negros, brancos e não-brancos até hoje. Em 27 de abril de 1994, há exatos 25 anos, tinha fim de modo oficial o Apartheid, na África do Sul. País que hoje caminha para as próximas eleições gerais no próximo dia oito de maio.

Barbosa ainda relata que ainda hoje negros têm problemas para conseguir emprego, recursos do governo, financiamentos e oportunidades. "São raízes muito profundas e não vão acabar assim de uma hora para a outra. Foram anos e anos e isso ainda está institucionalizado nas pessoas. Ainda vai demorar muito, é muito utópico ainda". As influências estão enraizadas na sociedade sul-africana que convive com o chamado pós-Apartheid.

(Foto: )

 A segregação racial se tornou oficial em 29 de junho de 1948, quando o Partido Nacional Sul-Africano, vencia as eleições. O slogan Apartheid (Segregação, em africâner). Eleito, o político e pastor protestante, Daniel François Malan (1874-1959), foi o responsável pela implementação do regime em seu governo. Educação segregada, proibição de uniões interraciais e deportações forçadas de pessoas negras consideradas "indesejáveis" era o que tinha de mais comum na época. A nação ficou dividida e convive com os resquícios na atualidade.

Ser julgado pela cor de pele era o que ocorria e este mesmo critério definia o grau de importância do indivíduo na sociedade. Conforme aponta a historiadora, doutora em Sociologia pela Universidade de Brasília (UNB) e professora na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) Natalia Cabanillas, 38, a política era abertamente ultrarracista para manter a supremacia branca. "Através de um complexo sistema de engenharia social e jurídico que foram ideadas todo tipo de leis, normas, formas, mecanismos e políticas para fazer cumprir as leis ultrarracistas".

 Ao avaliar o sistema, o sul-africano Brian Kamanzi, 28, considera que o regime não era simplesmente um conjunto de leis. Negros sul-africanos foram divididos em regimes coloniais e tribos, controlados por líderes tradicionais que colaboraram com as classes dominantes. "O Apartheid foi uma transformação de formas mais antigas de exploração e opressão para criar uma economia industrial que melhoraria em grande parte as condições de vida da maioria dos cidadãos brancos", afirma o engenheiro eletricista.

Kamanzi reconhece ainda que hoje ainda permanece o mesmo, além dos recursos do governo são divididos a partir das linhas de cor da pele. Com mais privilégios em relação àquele indivíduo cujo tom de pele se aproxima mais da branca. "Nas principais cidades em áreas pós-apartheid, as áreas urbanas, as classes médias têm se tornado cada vez mais diversificadas. Porém os sul-africanos negros continuam marginalizados economicamente e alienados culturalmente dos sistemas legais [acesso à moradia, currículos escolares, serviços básicos, como água e eletricidade]".

Momento de oração de membros do partido Congresso Nacional Africano (ou African National Congress - ANC) em frente ao tribunal de Joanesburgo, em 28 de dezembro de 1956. A ideia era apoiar 152 ativistas anti-apartheid.
Momento de oração de membros do partido Congresso Nacional Africano (ou African National Congress - ANC) em frente ao tribunal de Joanesburgo, em 28 de dezembro de 1956. A ideia era apoiar 152 ativistas anti-apartheid. (Foto: Stringer/AFP)

O brasileiro e praticante oficial de máquinas da Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante (EFOMM), Lucas Simões, 23, realizou intercâmbio na África do Sul, entre janeiro e março deste ano. Durante os três meses de vivências, ele observou a distinção de negro e branco. "Todos os funcionários de restaurantes e faxineiros são negros. Mas os gerentes e donos sempre são brancos. A gente viaja para a África achando que vai encontrar gente negra em todo canto, com ótimos trabalhos. Mas eles sempre estão com trabalhos de baixa renda".

Simões ainda relatou uma situação que vivenciou com duas estrangeiras, que conviviam com ele. Certo dia, decidiu passear com duas amigas suíças, que eram brancas. "Nós fomos para a Beira Mar de lá e levantamos o braços para umas cinco vans e nenhuma parava para a gente. No final, desistimos e pedimos um Uber". Ao conversar com o motorista, ele havia dito que isso ocorreu provavelmente porque as moças eram brancas. "O país é lindo demais, onde você anda é beleza para todo lado. Mas há também esse preconceito".

O que você achou desse conteúdo?