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Cuidar da rede de proteção
Reportagem

Cuidar da rede de proteção

| PREVENÇÃO AO SUICÍDIO | Não existe solução única para o problema do suicídio, mas o investimento devido à rede de proteção garante conhecimento e tratamento adequados
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"No Interior, acontece uma desassistência". A afirmação do psiquiatra Fábio Gomes de Matos, coordenador do Programa de Apoio à Vida da Universidade Federal do Ceará (Pravida/UFC), abarca diversas faltas de 184 realidades - o número de municípios do Estado - da assistência pública à saúde mental. Faltam profissionais, treinamentos, infraestrutura. Uma tentativa de suicídio precisa ser tratada em até 48 horas, ampara o psiquiatra.

O que tem ocorrido, contrapõe Fábio Gomes de Matos, é o que ele chama de "ambulância-terapia": sem recursos locais, os pacientes são trazidos para hospitais da Capital. "As prefeituras precisam entender que é necessário lidar com esse problema de frente: tendo uma equipe especializada. Falta assistência, plano (de prevenção), gestão e prioridade para a saúde mental. Esse é o grande problema", sublinha o psiquiatra.

"Existem municípios que não têm Caps (Centro de Atenção Psicossocial), psicólogos. Há muita rotatividade de pessoal e a rede (de atenção básica e prevenção) fica frágil", dialoga a psicóloga Alessandra Xavier, professora do curso de Psicologia da Universidade Estadual do Ceará. Ela reconhece não existir uma solução única para um problema tão complexo, mas indica a costura entre profissionais de áreas diferentes - além da saúde, a educação: "É necessária uma ampla qualificação da rede, um trabalho integrado. Esse é o grande desafio".

O diagnóstico incorreto de um transtorno mental e a depressão que passa despercebida comprometem a vida, concordam especialistas ouvidos pelo O POVO. O desconhecimento em torno do suicídio beira a discriminação. As próprias equipes de saúde e de assistência têm que mudar a perspectiva sobre o sofrimento psíquico, conduz Fábio Gomes de Matos: "Esse sofrimento mental é mais difícil de ser encontrado". Entretanto, ele se mostra: "A gente sabe os fatores de riscos. Tem que ser proativo à prevenção do suicídio", reforça o médico.

Há dez anos atuando na área de saúde mental em Iguatu (a 360,1 quilômetros de Fortaleza), a psicóloga educacional Ariel Barbosa Gonçalves, professora na Faculdade Vale do Salgado, identificou percepções e dificuldades de profissionais da rede pública em torno do suicídio. Para a dissertação de mestrado "A educação permanente como estratégia de prevenção do suicídio na rede de atenção psicossocial de Iguatu", defendida em março passado, ela entrevistou 19 profissionais não-médicos (enfermeiros, psicólogos, terapeutas) que realizam o primeiro acolhimento e a triagem desses pacientes em UPAs, Capes, hospital regional.

"Muitos ainda não sabem o que seja o suicídio e o que pode causar. Cheguei a ouvir dos profissionais que suicídio é falta de Deus, é desespero. Profissionais que atuam no auxílio direto atuam de forma desconhecida sobre o tema, o que também torna enviesado o tratamento", conclui a psicóloga. Para Ariel, é preciso ainda considerar "a dificuldade dele próprio (profissional) não ser cuidado, além do não investimento da gestão. Eles não têm oportunidade de trocar conhecimento e capacitação. Não é viabilizado, para um atendimento mais humanizado". (Ana Mary C. Cavalcante)

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