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Moradores avisaram, mas engenheiro não atestou risco
Reportagem

Moradores avisaram, mas engenheiro não atestou risco

Enquanto responsabilidades são ainda investigadas, O POVO conversou com moradores do prédio que desabou parcialmente na Maraponga
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 03-06-2019:  Prédio cedeu no bairro da Maraponga e foram retiradas 16 famílias que lá moravam. A defesa civil isolou a região por risco de desabamento. (Foto: Aurélio Alves/O POVO) (Foto: AURELIO ALVES)
Foto: AURELIO ALVES FORTALEZA, CE, BRASIL, 03-06-2019: Prédio cedeu no bairro da Maraponga e foram retiradas 16 famílias que lá moravam. A defesa civil isolou a região por risco de desabamento. (Foto: Aurélio Alves/O POVO)

Atualizada em 25 de abril de 2020

ATUALIZAÇÃO: A Perícia Forense Do Estado Do Ceará (Pefoce) concluiu que as causas do desabamento foram: o projeto da edificação, a execução das obras e a vulnerabilidade do solo, resultante esse último de um vazamento em um imóvel vizinho, um sumidouro com despejo de efluentes e o encharcamento do solo devido às chuvas na quadra chuvosa. Não houve menção a responsabilidade do engenheiro autor do relatório de vistoria, razão pela qual seu nome foi excluído da reportagem.

 

"Não encontramos qualquer indício de colapso estrutural, total ou parcial no Ed. Benedito Cunha". A afirmação consta em relatório de vistoria emitido no último 30 de maio. Dois dias depois, parte desse edifício, na Travessa Campo Grande, bairro Maraponga, desabou. Na contramão do parecer técnico de engenharia, moradores relataram conviver há meses com rachaduras e poças d'água nos banheiros, no que foi descrito, no documento, como indicações de fissuramentos e declividades contrárias.

Esse foi o terceiro serviço de engenharia registrado no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE) sobre o edifício Benedito Cunha. O primeiro, em 2010, foi o projeto de construção, seguido de uma sondagem, ou seja, um estudo do solo para determinar potencial de suporte e condições de nível do lençol freático. "Enviamos ofício pedindo aos profissionais envolvidos que tragam as análises feitas, para que elas ajudem nas investigações sobre o que aconteceu", afirmou o presidente do Crea-CE, Emanuel Mota.

Em nota enviada por sua assessoria jurídica, o engenheiro disse ser solidário às famílias que perderam suas casas e assegurou que sua vistoria foi feita no dia 21 de maio, ainda que o laudo só tenha sido emitido nove dias depois. Na data, anterior às visitas feitas pela Defesa Civil de Fortaleza, ele reafirma que não foram constatados riscos estruturais iminentes na edificação. Criticou ainda que, embora o órgão municipal tenha informado a existência de danos estruturais, "nada fez para realizar o isolamento e a retirada dos condôminos da edificação".

Na tarde de ontem, 3, enquanto todos buscavam entender a discordância entre o relatório técnico registrado pelo engenheiro e a realidade, moradores do entorno do prédio e alguns locatários dos apartamentos destruídos rondavam escombros à espera de notícias. Roberta Veras, 35, era uma. Morava ali há sete anos com o filho e a irmã, Regina, 44. Deixou o lar pouco antes do desastre porque "previu", em sonho, o desmoronamento. "Eu estava no quarto do meu filho, olhava pro teto e estava rachando, 'querendo' cair", lembrou.

Semanas antes, estimulada pela irmã, que estranhava as rachaduras e outros danos no prédio, Roberta se articulou com os vizinhos para reivindicar, do proprietário, uma solução. "Ele soltou nota dizendo que já tinha efetuado pagamento a um engenheiro que tinha vindo e tirado todos os riscos do prédio", relatou Regina.

Segundo Evandro Silva, 26, outro morador, mesmo com o relatório do engenheiro encomendado pelo proprietário, ninguém se convenceu de que o prédio estava fora de risco. "Devido rachaduras e água que, em vez de ir pro ralo, tava saindo pro meio do quarto", resumiu. Reclamou, também, da desinformação. "A gente só sabia de alguma coisa quando perguntava. E, todas as vezes, ele (o proprietário) disse que o engenheiro falou que não tinha perigo nenhum de desabamento". Contou, por fim, que, somente depois desse imbróglio, foi que um dos inquilinos solicitou a vistoria da Defesa Civil.

Dos 16 locatários que tiveram de evacuar o prédio quando parte dele cedeu, houve quem buscou abrigo em casas de parentes e quem foi socorrido por vizinhos. Cada um deixou, porém, grande parte da rotina no edifício Benedito Cunha.

Roberta e Regina, hospedadas na casa da mãe, lastimam pelas confecções que vendem e que não levaram consigo quando decidiram deixar de habitar o prédio. "Trabalho com feira. Me prejudicou muito. Não tenho estrutura nem cabeça pra atender ninguém. As apostilas do meu filho também ficaram e ele está fazendo vestibular", pontuou Roberta. Evandro também deseja acessar seus bens materiais. "Agora, tem que ter uma decisão se o prédio vai ser demolido. E quem vai decidir?", provocou.

A orientação do proprietário é cada locatário faça uma lista do que possuía. "Cada um vai trazer informações do que era acervo e de parte da mobília. Para que a gente tenha exata dimensão desse dano e eles possam comprar esses bens", garantiu o advogado Gerônimo de Abreu, que representa os senhorios. Conforme ele, os moradores estão sendo ouvidos individualmente. (colaborou Sara Oliveira)

 

Demolição tem de ser definida hoje

A Defesa Civil de Fortaleza notificou ontem o proprietário do prédio que desabou parcialmente na tarde do último sábado, 1º, na Maraponga. O órgão exige que, até hoje, o locador "tome as providências necessárias para agilizar a demolição da edificação".

O risco havia sido constatado previamente pelo órgão municipal. No entanto, na época, poucas semanas antes da ocorrência, somente orientou aos moradores e ao proprietário que buscassem a avaliação de um engenheiro. "Segundo informações do proprietário, o engenheiro contratado para a elaboração de um laudo atestou a segurança estrutural do prédio onde ocorreu o acidente", alegou a Defesa Civil.

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PREJUÍZOS

LAUDO

Mesmo sem indicar risco iminente, o laudo assinado pelo engenheiro concluiu que o edifício poderia ter sofrido ajustes de acomodação do terreno, que resultam em recalques e fissuramentos. Entre três categorias de risco, a de potencial médio foi a definida pelo profissional.


IMPACTOS

Moradores do entorno do edifício Benedito Cunha que também tiveram suas casas interditadas pela Defesa Civil reclamaram ao O POVO estarem desassistidos.


DANOS

Foram constatados danos a cinco carros e duas motocicletas fora os móveis dos 16 apartamentos do prédio e de pelo menos três casas vizinhas.

 

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