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Meio ambiente em tempos de Bolsonaro
Reportagem

Meio ambiente em tempos de Bolsonaro

Política ambiental do governo preocupa especialistas e põe acordos comerciais sob ameaça. No último mês de junho, desmatamento na Amazônia cresceu 88%
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A pressão internacional é vista como uma esperança de barrar os retrocessos nas pautas ambientais. Os especialistas confiam, inclusive, nas perdas econômicas como motor para estas mudanças (Foto: CRISTINO MARTINS / ARQUIVO / AG. PARÁ..)
Foto: CRISTINO MARTINS / ARQUIVO / AG. PARÁ.. A pressão internacional é vista como uma esperança de barrar os retrocessos nas pautas ambientais. Os especialistas confiam, inclusive, nas perdas econômicas como motor para estas mudanças

Colapso, desastre, tragédia. São algumas das palavras-resumo de pesquisadores, especialistas e ambientalistas, entrevistados por O POVO, para descrever os seis primeiros meses da gestão de Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles quanto às pautas ambientais.

"O governo tem uma agenda anti-ambiental. Não é uma agenda ambiental ruim. O que existe é uma agenda de desmonte da área ambiental", descreve Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil.

Os resultados disso começam a ser notados. Na Amazônia, o desmatamento em junho deste ano foi cerca de 88% maior do que no mesmo mês do ano passado, segundo dados do Deter, sistema de alertas de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Ainda assim, o Fundo Amazônia — com recursos internacionais para preservação da floresta — corre risco de ser extinto, anunciou o chanceler Ernesto Araújo junto aos embaixadores da Noruega e da Alemanha, principais financiadores do Fundo.

"Os dois maiores biomas, a Amazônia e o Cerrado brasileiro estão sendo fortemente desmatados, que são justamente os biomas que promovem o que de mais precioso nós temos: as reservas de água", explica o professor do Programa de pós- graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Jeovah Meireles. "É uma degradação de tal maneira que está impossibilitando inclusive ações de reflorestamento".

Astrini relata que os índices de violência na Amazônia também tendem a aumentar. "A mesma força que desmata floresta também mata pessoas", diz, citando que as comunidades mais atingidas devem ser — e já são — as ribeirinhas, indígenas e quilombolas.

Há também outras preocupações, como a possibilidade de revisão das 334 áreas de proteção ambiental no País. A militarização dos quadros do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) também é vista com receio. "Em um período bem curto de tempo, soma uma quantidade gigantesca de retrocessos", critica Astrini.

"Só não é maior porque tem havido uma mobilização social importante e porque o Supremo (Tribunal Federal) tem de alguma forma segurado a tragédia", completa João Alfredo, presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-CE.

A economia e o comércio exterior também são afetados. Acordo de livre comércio recém firmado entre União Europeia e Mercosul corre risco de ser vetado no Velho Continente devido a desconfiança que há sobre a manutenção de compromissos de preservação do Meio Ambiente por parte do presidente brasileiro.

Bolsonaro também foi alvo de críticas por parte do presidente francês, Emmanuel Macron, e da chanceler alemã, Angela Merkel. Para esta última, chegou a mencionar a existência de uma "psicose ambientalista" contra o País.

Marcio Astrini vê com preocupação os riscos econômicos para o Brasil. Além dos países europeus, considera que a China — principal importadora de commodities brasileiros — tende a fechar o mercado para o produtos do país. "O mercado chinês agropecuário vem dando declarações de preocupação com a questão ambiental brasileira", afirma.

O fechamento de mercados — que já começa a ocorrer e tende a se agravar, afirmam os especialistas — deve ter impacto na crise econômica que o País atravessa e tende a piorar, inclusive, os índices de desemprego, hoje de 13,2 milhões de pessoas.

Enquanto isso, Bolsonaro critica a pressão dos governos francês e alemão que não teriam, segundo ele, "autoridade para discutir questão ambiental com Brasil". "Não adianta o Brasil duvidar da Alemanha e da França. Tem que parar de tentar convencer o eleitorado brasileiro e tentar entender um caminho", contrapõe Raoni Rajão, que acrescenta que é necessária "sabedoria" do governo para recuperar a imagem do Brasil no exterior. "O embate não é efetivo", conclui.

A pressão internacional é vista como uma esperança de barrar os retrocessos nas pautas ambientais. Os especialistas confiam, inclusive, nas perdas econômicas como motor para estas mudanças. "A questão ambiental brasileira está sendo moeda de troca. Pode ser um instrumento interessante para que o Brasil assuma os seus compromissos ambientais", destaca a professora de Direito Internacional do Meio Ambiente da UFC, Tarin Mont'Alverne.

O enfraquecimento como alternativa à extinção

Ainda candidato, Jair Bolsonaro anunciava o fim do Ministério do Meio Ambiente (MMA). O objetivo era incorporá-lo à pasta da Agricultura. Eleito, voltou a falar na promessa. Contudo, após pressões de setores econômicos, recuou. Sem a possibilidade de extinção, na primeira semana de mandato, pôs em prática as primeiras ações para o esvaziamento.

A medida provisória 870, transformada na Lei 13.844 de 2019, extinguiu as secretarias de Mudanças do Clima, de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável e a de Articulação Institucional e Cidadania Ambiental, além de transferir três órgãos para outros ministérios. São eles: Secretaria Nacional de Segurança Hídrica e Conselho Nacional de Recursos Hídricos — que foram para o Ministério de Desenvolvimento Regional — e o Serviço Florestal Brasileiro — que ficou sob o guarda-chuva do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Ricardo Salles, o ministro "casado com o agronegócio", na definição dada pelo próprio Bolsonaro, foi o último indicado pelo presidente para o alto escalão. Uma nomeação "feita com propósito de enfraquecimento" da pasta, avalia a secretária-executiva da Associação Nacional de Servidores da Carreira de Especialistas de Meio Ambiente (Ascema), Elizabeth Uema.

"(Serve) Para potencializar a mercantilização dos biomas", expõe o professor da pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará, Jeovah Meireles. "Degradando o modo de vida das populações, a proteção da natureza, as comunidades tradicionais. Até isso ele está atacando. Tudo com esse intuito de mercantilizar."

O contingenciamento em toda a máquina pública chegou ao MMA em maio, resultando em um corte de R$ 187 milhões (veja quadro). Junto a isso, o Governo baixou novo decreto (9.806) que reduz a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de 96 para 23 conselheiros, além de diminuir a participação de segmentos da sociedade civil e aumentar os membros do Governo Federal.

"É o desmonte completo. O governo quer destruir tudo. Como ele não pode destruir, ele toma medidas que levam à morte por inanição", critica o presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-CE, João Alfredo. "Mesmo não extinto, o ministério vem sendo desmantelado. Está se destruindo por dentro", completa Uema. 

Discurso legitimador e a ameaça aos servidores

A "indústria da multa do Ibama" foi expressão repetida por Jair Bolsonaro. Disse haver, inclusive, "uma festa" de multas e prometeu: "vai acabar!"

Ibama é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, órgão responsável pelas políticas de proteção e fiscalização do meio ambiente no Brasil.

Foi o Ibama que multou em R$ 10 mil o então deputado Bolsonaro, em 2012, por pesca irregular em Área de Preservação Ambiental, em Angra dos Reis (RJ). Em decisão publicada no último dia 27, o órgão considerou prescrita a infração, sem qualquer possibilidade de punição ao presidente.

"Não existe empenho do governo de manter o recurso e há pressão para que os fiscais não cumpram sua função", relata Elizabeth Uema, secretária-executiva da Ascema, órgão que vem se posicionando sobre as ameaças sofridas por servidores do Ibama, para que não hajam retaliações.

"A gente está com receio de que ocorra alguma tragédia, porque as pessoas estão se sentindo autorizadas pela autoridade máxima do país", afirma.

Ela cita o vídeo do presidente desautorizando fiscais do órgão, quando estes queimaram equipamentos usados para extração madereira ilegal, ato permitido desde 2008. Ontem, ela continua, pessoas ligadas a madereiros incendiaram caminhão-tanque do Ibama. De Bolsonaro, nenhuma palavra.

Em outros cargos do MMA, também há ameaças, estas mais sutis. "Existe uma pressão muito forte nos servidores, para que eles não conversem com a imprensa e não falem o que está acontecendo", relata.

Ponto de vista: Uma equação de burrice e má-fé na nova Era ambiental brasileira

Deu na revista Science, o Brasil tem uma área de 50 milhões de hectares que deveria ser reflorestada. Uma contribuição global na peleja contra o aquecimento da Terra.

A notícia de ontem, provavelmente, não sensibilizará o atual presidente da República e o ministro do Meio Ambiente. Agentes públicos pautados pelo senso comum e o equívoco de não conseguirem enxergar que a convivência com biomas preservados favorece os negócios de pequenos e grandes produtores.

Mais da metade do potencial terrestre de reflorestamento está esquadrinhado em seis países: Rússia (151 milhões de hectares disponíveis); Estados Unidos (103 milhões); Canadá (78 milhões); Austrália (58 milhões), Brasil (50 milhões) e China (40 milhões).

O estudo da revista científica estima que o Planeta precisa de 1,2 trilhão de novas árvores para barrar as mudanças climáticas. Mas como fazer Jair Messias Bolsonaro entender o que parece uma besta equação de primeiro grau?

O desmonte da rede de proteção ambiental, o afrouxamento da legislação específica, a liberação do uso de agrotóxicos e a carta branca para o desmatamento ainda não foram percebidos como um tiro de morteiro nos pés de ruralistas. É uma mistura de burrice com má-fé.

Tão danosa essa nova Era no Brasil para bicho, ser humano, rio, mar e floresta que só o discurso contra o meio ambiente, independente de decretos ou outro movimento, já causou prejuízos que levarão décadas para recuperação de feridas desnecessárias.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) atestou que em junho deste ano o desmatamento na Amazônia Legal foi 88% maior do que junho do ano passado. Foram 920,4 km² contra 488,4 km². Um desalento.

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