A cumbuca com a jurema - bebida feita com a raiz de mesmo nome - é passada de mão em mão. Na roda, os índios partilham danças e cantorias em meio ao ritual da Jurema e do Toré. Realizar os rituais é também uma forma de luta, de autoafirmação dos povos originários. "Infelizmente, a sociedade, a mídia, tem uma ideia de índio ideal. Somos 305 etnias com 174 línguas falantes. Os índios do Nordeste não são iguais aos do Sul, do Norte, do Centro-Oeste. O que temos em comum, que nos une, é a luta pela demarcação. Mas nós somos diferentes. A cultura, a mística, a forma de ver os Encantados, por exemplo, é diferente", explica Ceiça Pitaguary, liderança Pitaguary e coordenadora da Organizações Indígenas do Ceará (Fepoince).
Eventos como a 19ª Feira Cultural do Povo Tapeba e o 18º Jogos Indígenas Tapebas, realizados nos últimos três dias, em alusão ao Dia Internacional dos Povos Indígenas, são uma celebração das próprias raízes. A reportagem esteve no local na última quarta-feira, 7.
"Muito da minha história aprendi na vivência com meu povo. Das lideranças antigas às mais novas, muitos nessa luta já tombaram. Hoje, tudo que aprendi repasso para as crianças do meu lugar pois, como diz o ditado, 'filho de peixe, peixinho é'.Muitos dizem que não sou índia, por usar roupas, não ter cabelo liso, olho puxado e por usar um celular. Pode, isso? Cabelo, posso alisar! Olho puxado, na maquiagem dá para ajeitar! Mas, não! Não me adequo, não! Se quiserem, vão pesquisar."
O texto da professora Aline Tapeba, apresentado na abertura do evento, traduz os sentimentos dos povos. Com o silenciamento dos povos, por meio do apagamento das línguas indígenas por parte dos portugueses, Ceiça relaciona que houve um "silêncio étnico". "Por muito tempo, as pessoas ficaram reproduzindo que no Ceará não tem índios. Mas os povos estavam nas suas terras e temos documentações históricas. Foi preciso um momento de autoafirmação porque a cidade já estava avançando no território. Hoje, estamos em pequenas ilhas. É preciso reafirmamos e mantermos a nossa cultura para que as próximas gerações não se envergonhem de se identificar e não tenham medo de sofrer represálias", diz.
"A terra, para o índio, é uma questão de sobrevivência. A relação do não-índio é extrativista, de sugar a riqueza. Enquanto que para o indígena a relação com a terra é de vida, ambiental, ecológica, vinculada à ancestralidade", completa Raquel Coelho de Freitas, professora associada da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenadora do Grupo de Direito das Minorias e Fortalecimento de Cidadanias.