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"Minha filha nunca saiu algemada para nenhum canto"
Reportagem

"Minha filha nunca saiu algemada para nenhum canto"

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Tipo Notícia
. (Foto: ILUSTRAÇAÕ NATALI CARVALHO)
Foto: ILUSTRAÇAÕ NATALI CARVALHO .

Era sábado quando uma briga entre grupos rivais mudou bruscamente o destino de Rita. Dois dias depois, Diná, mãe da menina, estava com a filha quando policiais adentraram a casa onde viviam. Adolescente à época, ela foi apreendida e levada para uma delegacia em Fortaleza, no Ceará. Diná relembra que, ao chegar no distrito policial, não obteve permissão para ver a filha. Apenas a viu horas depois, já machucada, quando estavam a caminho da Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). A mãe então foi avisada pela instituição que a menina não iria dormir em casa naquela noite. No dia seguinte, Diná retornou à DCA para ouvir o depoimento da filha diante do juiz, momento em que relatou o ato infracional.

Na ocasião, Diná teve conhecimento do delito cometido pela filha e também da agressão por mais de uma hora que Rita sofreu dos agentes do distrito policial para o qual foi encaminhada antes de ir à DCA, como relata a mãe. “Todo mundo judiou dela, ela levou choque, botaram um saco na cabeça dela… ela escapou de morrer sufocada”.

Durante uma apreensão, uma adolescente detida só pode ser levada à uma delegacia comum quando não há uma delegacia especializada na cidade, o que não foi o caso de Rita. Ela também deve ser mantida longe dos adultos que estejam presos, além de não poder passar por nenhum tipo de violência física ou emocional. A adolescente também não pode ser algemada, apenas quando houver risco de fuga ou risco a integridade física de outras pessoas.

O juiz optou pela internação de Rita, que atualmente está no Centro Educacional Aldaci Barbosa Mota. "Quando um de maior faz as coisas com um de menor no meio, a culpa recai no de menor. E estão cumprindo até hoje", comenta a mãe. Por querer se sentir presente nesse momento da filha, Diná não está trabalhando com carteira assinada. “Eu tenho que estar lá [no Centro], porque eu posso tá trabalhando e do nada eles me chamarem. Eu fecho tudo aqui e saio ‘correndo’ pra ir".

A menina contou ao médico perito a pressão policial que sofreu para não expor a violência sofrida na delegacia. Rita ainda sente as consequências das agressões. "Ela até hoje sofre com dores no olho e na barriga. Ela vai sair [do Aldaci B.], e ninguém foi punido”.

Rita chegou ao centro socioeducativo na noite da segunda-feira e foi recebida pela diretora. “Aqui ninguém vai ‘judiar’ de você” foram as primeiras palavras da funcionária à menina, que foi acolhida e lá descansou dos últimos acontecimentos.

Rita terminou o ensino médio no Centro, e está atualmente fazendo cursos e oficinas oferecidas dentro da instituição, conta a mãe. No Centro, as meninas têm acesso a várias práticas, e podem escolher a sua favorita para realizar. Elas também fazem atividades fora do CEABM, visitando museus e exposições relacionadas à cultura. “Minha filha nunca saiu algemada para nenhum canto”, garante a mãe em relação ao tratamento do Centro com sua filha.

Algumas meninas até chegaram a viajar ao exterior para apresentarem projetos ligados ao cinema. Cursos vinculados à estética - como de cabeleireira e maquiagem - já foram concluídos por Rita, e seus certificados são guardados cuidadosamente por Diná em sua casa.

A mudança em Rita é perceptível, inclusive na relação entre os familiares. Conta que a maior mudança foi o vínculo entre as irmãs, antes inimigas, como reconhece a mãe na qual muitas vezes tinha que ficar como um ‘escudo’ entre as duas para evitar confusões. Diná só foi ter mais aproximação com a filha após ela ser apreendida. Antes dos acontecimentos, a avó materna de Rita morava na mesma casa, e era ela quem cuidava da menina quando Diná precisava trabalhar. Rita sempre manteve uma relação íntima com a avó, exagerada ao olhar da mãe.

A mãe se reaproximou da filha após a avó de Rita se afastar da família, algo que quebrou o elo entre as duas. “Sofri muito nessa época, porque você ter filhas e só uma te chamar de mãe… Agora depois que ela passou por tudo isso e ela viu quem era a mãe dela”. Diná nunca teve proximidade com os amigos da filha e, dos que pouco conhecia, orientava Rita a se afastar. “Se ela tivesse sido que nem as outras irmãs”, lamenta.

“Para ela ser cuidada, lá é o lugar certo. Lá elas têm psicólogas, pedagogas, médicas, tudo que precisar”, descreve Diná ao falar do Centro Educacional Aldaci Barbosa Mota. No processo de visita, duas cadeiras são colocadas: para o visitante e para a menina. Segundo a mãe, recentemente foi implementado um detector no Centro, que examina as comidas que são levadas durante as visitas. "No começo tinha muito pai 'sem-vergonha' que levava droga para as meninas na comida. Depois que isso passou a acontecer, eles colocaram o detector”.

“Se você entrar lá e dizer que é uma prisão, você leva um ‘carão’ do pessoal”, Diná lembra. No sistema socioeducativo, o termo correto para ser utilizado é “apreendido” no lugar de “preso”, termo que se refere a adultos. Diná participa de um coletivo de mães de adolescentes que estão cumprindo medidas socioeducativas. “Eu nunca fui em reunião, só quando eles vão para o Aldaci. Mas é sempre só pra conversar, negócio de adolescente, família. Mas eu gosto”, conta.

Ela se autodeclara como sendo ‘a coluna da casa’ onde vive atualmente com a outra filha adolescente. A casa passava por reformas, financiadas pelo antigo emprego, quando foi interrompida pelos gastos extras após a apreensão de Rita. Ela conta que sempre leva itens necessários para a filha, pois o governo ‘tá meio assim [na hora, faz um gesto com a mão fechada], né’. No centro, os familiares são autorizados a levarem, uma vez por mês: três calcinhas, dois tops femininos, um creme de tratamento, descolorante e água oxigenada. Toda a comida levada durante a visita deve ser transportada em embalagem transparente e ser consumida imediatamente.

A casa continua espaçosa, mas com um vazio. Roupas da filha continuam nos cabides do guarda-roupa junto das caixas de papelão artesanais feitas por ela. Nelas, Rita faz questão de marcar o objeto com a data em que fez a atividade e com frases que registram seu amor, além de cartas com os seus relatos no centro socioeducativo.

A mãe reconhece os erros da filha e conta que Rita não quer voltar para a mesma vida que tinha antes de adentrar no sistema socioeducacional. Durante toda a conversa, Diná manteve-se ao lado da filha mais nova, acompanhada por um olhar firme, transmitindo a esperançosa sensação de que, um dia, não irá mais só visitá-la, mas voltará para casa acompanhada de Rita. “A vida é assim mesmo. Ela passa, ‘barroa’, mas a gente tem que se levantar. Minha filha agora reconhece que tá errada. Deixa ela pagar”, finaliza.

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