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Momento é grave e preocupa, avaliam especialistas
Reportagem

Momento é grave e preocupa, avaliam especialistas

Articulações buscam contrapor a ausência de investimentos na educação superior
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A descontinuidade de investimentos na produção científica é vista com gravidade por Cláudia Linhares, secretária regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Ela teme um enfraquecimento da soberania nacional e avalia que a postura adotada pelo Executivo Federal contrasta com os ideais patrióticos propagados pelo Governo Federal.

A pesquisadora lembra que a ideia de criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) surgiu do almirante Álvaro Alberto da Motta Silva e exprimia a importância dada pelas Forças Armadas ao progresso da ciência.

"Nós nunca tivemos uma situação tão grave quanto esta. Eu já tenho 28 anos na Universidade Federal (do Ceará). Já passei por diversos governos federais, impeachment, todas as situações econômicas, inclusive de hiperinflação, mas nunca vi o que parece ser um projeto de destruição das estruturas brasileiras que fazem ciência, tecnologia e inovação", lamenta.

Uma das frentes contra os cortes é a chamada "Iniciativa para a Ciência e a Tecnologia no Parlamento", que reúne representantes de diversas entidades, como Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O grupo está em contato com parlamentares em Brasília.

"O objetivo é esclarecer, trazer os impactos desses cortes a fim de tentar reverter a situação no Congresso, uma vez que o Governo Federal tem se mostrado completamente insensível à manutenção da estrutura já montada no País de anos e anos de investimentos para o desenvolvimento da ciência, pesquisa, tecnologia e inovação", explica Cláudia Linhares, secretária regional da SBPC.

Outra ação do coletivo tomou forma a partir de um abaixo-assinado em defesa do CNPq que coletou quase um milhão de assinaturas. O documento foi entregue ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na presença de outros parlamentares, no último 29 de agosto.

De acordo com Cláudia, o orçamento do CNPq vem sendo reduzido drasticamente desde 2016. A docente explica que o contingenciamento tem afetado não apenas o andamento de pesquisas, como também a garantia de insumos em laboratórios. "Quando você faz cortes tão severos na espinha dorsal de uma agência de fomento, o passo seguinte é fechar essa agência. Nós tememos muito que isso possa acontecer", observa.

O temor ganha ainda mais sentido quando se analisa a projeção de recursos destinados à agência no próximo ano. Segundo a proposta orçamentária, a agência de fomento vai perder 87% da verba para insumos, equipamento e outros materiais de trabalho. Para 2020, estão previstos R$ 16,5 milhões para tais finalidades, ao passo que, em 2019, foram autorizados R$ 127,4 milhões.

"Hoje, se analisarmos projetos de orçamento para o próximo ano do CNPq, basicamente corrigido pela inflação, a gente volta para o nível de 2006. O que é extremamente baixo, porque dessa época até agora, a comunidade científica cresceu muito, qualificou-se, ficou mais sofisticada e, obviamente, isso demanda mais investimentos", analisa Antônio Gomes, membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Outra preocupação levantada por Antônio são os aportes financeiros destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado em 1969 com o objetivo de financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico no País. O docente explica que o fundo, cujas receitas vêm caindo desde 2013, não tem sido alimentado como deveria.

"Infelizmente, no Brasil, a nação ainda não elegeu a ciência como patrimônio nacional. Eu acho que a gente ainda tem dificuldade de perceber essa questão e formular políticas para esse setor que sejam realmente encaradas como um patrimônio nacional valioso e, acima de tudo, estratégico para tirar o País da crise e para amenizar as crises que teremos no futuro. Estar preparado cientificamente para isso é a forma de passar por essas turbulências com os menores efeitos possíveis", avalia Antônio.

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