O derramamento de petróleo cru que está atingido o Ceará e mais sete estados do litoral do Nordeste alterou a rotina do Centro de Reabilitação de Mamíferos Marinhos (CRMM) da Aquasis, em Iparana (Caucaia). De acordo com a bióloga Cristine Negrão, o Centro está recebendo, em regime de emergência, tartarugas "oleadas" para reabilitação.
O POVO - O Centro de Reabilitação de Mamíferos Marinhos (CRMM) da Aquasis, em Iparana, está recebendo tartarugas e outros animais atingidos pelo óleo derramado na costa nordestina?
Cristine Negrão - A Aquasis trabalha com mamíferos marinhos — cetáceos (golfinhos) e sirênios (peixe-boi). Somos a única instituição no Ceará que possui infraestrutura para atendimento de fauna atingida por óleo. Por contrato, já fazemos isso no Litoral Leste do Ceará. O Ibama e a Semace (Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará) solicitaram, em uma reunião para tratar do problema, que a gente fizesse a reabilitação dos animais oleados também na Costa Oeste.
OP - Quantos animais encalharam "oleados" neste mês?
Negrão - A Aquasis atendeu a uma ave (Bobo-pequeno) arribada na região do Cumbuco (Caucaia) e duas tartarugas. Uma foi resgatada e transportada pela equipe do Parque Nacional de Jericoacoara na última terça-feira, 24, mas morreu poucas horas depois. Ontem (domingo, 29), chegou uma tartaruga da região do Serviluz (Fortaleza), transportada pela Polícia Militar. O animal chegou pesadamente oleado, sendo lavado parcialmente e tratado com medicação de emergência. Nesta segunda, 30, pela manhã, foi medicada novamente e à tarde lavada mais uma vez.
24 espécies de cetáceos foram registradas no Ceará
OP - Como é feita a remoção do petróleo cru?
Negrão - O processo de lavagem dura uma hora a uma hora e meia. São necessárias várias lavagens para remover o óleo da superfície da pele e casco. Ambas as tartarugas apresentaram sinais de óleo (piche) no esôfago, o que denota ingestão do material, o que torna o quadro geral do animal ainda mais grave.
OP - O golfinho que encalhou na Praia de Iracema (20/9) teria sido vítima do derramamento de petróleo?
Negrão - É incomum eventos de cetáceos oleados. A Aquasis acredita que as causas do encalhe podem estar associadas à captura acidental em redes de pesca (tipo de mortalidade mais comum para a espécie no Ceará) ou por doenças, porém sem a recuperação da carcaça para fazer uma necropsia é impossível dizer algo com certeza.
OP - Quantos peixes-bois estão sendo reabilitados no momento no CRMM?
Negrão - Quinze. O CRMM é um centro criado para resgatar, reabilitar e soltar mamíferos marinhos encalhados no litoral do Ceará. A estrutura é utilizada primariamente para o resgate e reabilitação de filhotes órfãos de peixe-boi marinho, que precisam permanecer pelo menos dois anos em cativeiro. Para pequenos cetáceos (golfinhos), o atendimento é feito na praia. Os animais são levados para corpos d'água próximos (geralmente lagoas costeiras) onde são tratados e soltos. Muito raramente um cetáceo é trazido para o CRMM, em virtude do stress do transporte e do cativeiro causar problemas ao animal. (Os peixes-bois não estão oleados).
Aquasis realiza, há 25 anos, o resgate e recuperação de animais que encalham na costa cearense
OP - Os peixes-bois encalharam onde?
Negrão - 73% dos encalhes ocorreram no Litoral Leste do Ceará, desde a Sabiaguaba até Icapuí. Uma fêmea é oriunda do Litoral Oeste do Estado e outros dois animais são oriundos da região setentrional do Rio Grande do Norte.
OP — Quanto tempo, em média, um peixe-boi fica na reabilitação até e voltar para o mar?
Negrão - Na natureza, um filhote de peixe-boi marinho permanece junto da mãe por pelo menos dois anos de idade. Em cativeiro, o tempo mínimo é de três anos. Em nossa estrutura temos animais com seis anos de idade. Esse tempo superior ao programado deve-se ao fato de que a Aquasis passou alguns anos captando recursos para construção de uma estrutura de aclimatação e soltura. Trata-se de cativeiro no mar, para onde os animais que estão no CRMM serão gradativamente levados para lá para permanecer um período de adaptação ao novo ambiente. Antes da soltura são colocados equipamentos de rastreamento por satélite nos animais, para acompanhá-los na natureza e verificar se sua adaptação está sendo a contento ou se é necessário serem capturados e tratados, caso ocorra algum problema que coloque a vida do animal em risco.