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A venda na era dos dados
Reportagem

A venda na era dos dados

A conexão com o cliente passa a ser dentro e fora do ponto de venda. A experiência é essencial para atrair o consumidor nessa busca pelo varejo 4.0, em que a tecnologia ganha força
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 28-10-2019: Pinheiro Supermercado. Varejo 4.0. (Foto: Deísa Garcêz/Especial para O POVO) (Foto: DEÍSA GARCÊZ/ESPECIAL PARA O POVO)
Foto: DEÍSA GARCÊZ/ESPECIAL PARA O POVO FORTALEZA, CE, BRASIL, 28-10-2019: Pinheiro Supermercado. Varejo 4.0. (Foto: Deísa Garcêz/Especial para O POVO)

Já se foi o tempo em que inovar no varejo era anunciar pelo Instagram. Mais distante está a época em que bastava um bom nome e uma vitrine bonita para garantir a venda. Entender os novos hábitos de consumo e não somente isso: converter estes dados em novas - e mais eficientes - experiências de compra por meio de inovação têm se tornado um imperativo para quem quer permanecer competitivo no varejo.

O desafio é grande. O alto índice de desemprego que ainda persiste no Brasil é um dos fatores que dificultam a retomada do consumo. No Ceará, por exemplo, as vendas acumuladas no ano até agosto, último dado disponível pela Pesquisa Mensal do Comércio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram que o volume é ainda 1,4% menor do que igual período do ano passado.

Além disso, a corrida tecnológica pelo varejo 4.0, com uso massivo, inclusive, de inteligência artificial em processos e produtos, encabeçada por gigantes como Amazon, Alibaba e Netflix, tem criado novos padrões de consumo.

"Há um outro nível de experiência de compra, muito mais personalizada, que tem exigido do varejista direcionar o foco dele para o sucesso do cliente. Isso vai desde facilitar a vida dele a ter o primeiro contato com a marca, entender o que quer, fornecer as informações de forma completa, ter um atendimento consultivo até o momento depois da compra. E a automação dos dados facilita esse processo", afirma o consultor em inovação, Pablo Padilha.

Ele explica que, no Brasil, a grande referência em termos de inovação do varejo tem sido o Magazine Luiza. Mas no Ceará algumas experiências com tecnologia de ponta como self checkout (autoatendimento), uso de sistemas de inteligência artificial que analisam os hábitos de compras para fazer a personalização de ofertas e novas experiências sensoriais já começam a ser observados.

O presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Fortaleza (CDL de Fortaleza), Assis Cavalcante, explica que é importante não perder de vista que o avanço tecnológico não significa necessariamente o fim das lojas físicas. Pelo contrário. Cada vez mais vêm se desfazendo os mitos de que os canais digitais são concorrentes das operações offline. "Até porque se fosse assim, gigantes como a Amazon, não estariam investindo, justamente, em abrir lojas físicas".

Para ele, o caminho do varejo é uma complementação de estratégias, em seus mais diversos canais, para melhorar a experiência do usuário, o chamado omnichannel. "É usar esta tecnologia para entender melhor o cliente, reduzir custos, fazer a gestão do negócio de forma mais rápida e segura. Mas o atendimento sempre fará a diferença", diz.

O estudo "Estado do varejo brasileiro na era dos dados", divulgado pela plataforma Pipz - mostra que conciliar estratégias online e offline têm sido uma tendência que está, aos poucos, tornando-se um padrão de comportamento do consumidor. Hoje, por exemplo, 78% dos consumidores buscam produtos online e compram offline.

Isso ocorre, principalmente, com a ascensão do m-commerce (venda pelo celular) e pelo crescimento do número de lojas online. Com um faturamento estimado em R$ 137 milhões para 2019, as vendas online de bens de consumo cresceram, em média, 11,3% por ano. Em 2016, o total de pedidos realizados via mobile não alcançavam 20%, mas é provável que em 2019 chegue a 42,8%.

Porém, do lado do varejista, ainda há um grande caminho a ser percorrido no nível estratégico. Tanto por uma barreira de investimentos, de inovação, como pela falta de uma visão mais ampla do negócio. "Apesar de o varejo digital estar mais evoluído quanto ao uso de dados na experiência do cliente, grande parte ainda é composta por canais físicos como base do negócio e sente dificuldade ao realizar uma transição ou integração de experiências offline e online", frisa o estudo.

Para tentar reduzir estas distâncias, sobretudo em relação às práticas que já são feitas por grandes empresas, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado (Fecomércio-CE) inaugura, próximo dia 6, o núcleo de inovação dentro do Senac Reference, escola avançada de educação profissional em Fortaleza. A ideia, segundo o consultor do Senac Ceará, Luís Antonio Rabelo, é criar um hub de inovação, com a oferta de laboratórios, cursos, palestras, espaços de coworking que favoreçam a disrupção nos negócios. "É preciso fazer chegar estas mudanças de forma muito mais ampla nos estabelecimentos, sob pena de muitas empresas do varejo ficarem pelo meio do caminho".

FORTALEZA,CE,BRASIL,10.07.2019: Vanessa Fernandes Vieira e Mariana Lima Feitosa,farmacêutica. Como os processos de tecnologia e humanização acontecem nas redes de farmácias Pague Menos. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO)
FORTALEZA,CE,BRASIL,10.07.2019: Vanessa Fernandes Vieira e Mariana Lima Feitosa,farmacêutica. Como os processos de tecnologia e humanização acontecem nas redes de farmácias Pague Menos. (fotos: Tatiana Fortes/ O POVO)

A experiência das lojas conceito que começa a ser replicada na rede

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Quem entra em uma das duas lojas conceito da rede de Farmácias Pague Menos, em Fortaleza, a da Praia de Iracema ou a loja Mil na avenida Santos Dumont (inaugurada em comemoração à milésima unidade da rede), tem a sensação de estar mais próximo daquilo que se imagina que vai ser o futuro do varejo.

É possível, por exemplo, por meio de uma tela interativa, com inteligência artificial, responder a algumas perguntas e chegar ao suplemento alimentar ideal. Fazer todo o processo de compra sem intervenção de nenhum atendente em um dos autoatendimentos disponíveis no local. Aproximar um cosmético de uma tela e já receber todas as informações e benefícios referentes ao produto ou por meio do reconhecimento facial, por smartphone, ter um atendimento personalizado de uma dermoconsultora.

O usuário também pode em uma cabine de aprendizado com múltiplos serviços de saúde aferir a pressão com a ajuda de telões touchscreen, fazer outros exames, como o de bioimpedância e ter acesso a uma gama de informações sobre saúde.

A vice-presidente comercial da Pague Menos, Patriciana Rodrigues, explica que a ideia das lojas conceito é justamente essa: trazer inovações que possam levar a novas experiências de compra. E a partir da aceitação do público levar estes serviços às demais unidades da rede.

Foi o que aconteceu, por exemplo, com os escritórios farmacêuticos, onde é explicado o uso do medicamento e é feito todo um acompanhamento daquele paciente. Nestes locais, foi constatado que a frequência de um mesmo cliente é, em média, de 10,2 vezes em um período de 32 semanas. Onde não tem, a média cai para 4,2 vezes. Hoje o serviço está disponível em 854 das 1.154 lojas que a rede tem em todo Brasil.

E para quem tem dúvidas se investir em inovação traz resultados, ela é categórica: "A média de faturamento tanto da loja mil como da loja conceito é muito superior ao da tradicional que não entrega todos os produtos e serviços. Entregar experiência agrega porque o consumidor se sente melhor assistido e passa mais tempo na loja".

Ela reforça que a experiência com a plataforma Synfone, implementada em 2013, que possibilitou o grupo fazer a mineração dos dados do clientes e entregar uma cesta de ofertas hipercustomizadas com base nos hábitos de consumo daquele cliente, também possibilitou elevar consideravelmente o tíquete médio de compra. Até março de 2020, o grupo também pretende replicar projetos-piloto em Recife e em São Paulo dos serviços de imunização já feitos em algumas unidades de Fortaleza.

VAREJO 4.0
VAREJO 4.0

O desafio de se manter como o "bom vizinho"

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Reforçar a presença regional, seja por meio de investimentos em tecnologia ou ampliação do leque de serviços, tem sido a aposta do Pinheiro Supermercado para se manter competitivo em um mundo mais globalizado.

Há um mês e meio começou a ser instalado nas 13 unidades da rede um sistema de mineração de dados, o CRM, que possibilita entender os hábitos de compra para levar ofertas mais personalizadas aos clientes nas operações online e offline.

Este recurso vem se somar a outro, uma plataforma anterior, de consumo interno, que possibilita fazer comparações de preços com outros estabelecimentos do mercado. "O que nos dá margem para elaborar melhor nossas ofertas", afirma a diretora de controladoria do Pinheiro Supermercado, Gerivane Apolinário.

No ano passado, a rede também recebeu o prêmio GS1 Brasil de automação pelo sistema de rastreabilidade instalado nas etiquetas dos alimentos frescos embalados (FLV - frutas, legumes e verduras). Na prática, esta inovação possibilita ao cliente, quando passa no caixa, ser avisado sobre a data de validade do produto adquirido, o lote a que ele pertence, e todos os passos percorridos até chegar ao supermercado.

Ela explica que a empresa também investiu recentemente no desenvolvimento de aplicativo próprio, com entrega delivery ou para buscar na loja, para melhorar a experiência daqueles clientes que buscam comodidade. Bem como na instalação de self checkout (autoatendimento) em três lojas.

Porém, tão importante quanto a aposta em tecnologia, Gerivane destaca que um aprendizado muito forte da marca, nos últimos anos, no que tange à experiência na loja, é a de incrementar a gama de serviços.

Hoje das cinco lojas que a rede mantém no Interior, quatro possuem cinema, parque infantil e áreas de sociabilidade. Ela reforça ainda que dentro do conceito de "Bom vizinho", slogan da marca, o grupo desenvolve várias ações dentro das comunidades em que atua, sem necessariamente ter fins lucrativos. Exemplo é o projeto de levar estudantes de escolas públicas a sessões gratuitas no cinema. "Entendemos que este também é nosso papel. Estar próximo da comunidade, é isso que nos faz ser o bom vizinho".

VAREJO 4.0
VAREJO 4.0

A disrupção das pequenas empresas

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Para quem acha que inovação é algo acessível apenas para empresas de grande porte, o cearense Pablo Guterres, 40, está aí para provar que não. Na loja dele, a Desconexo Design, empresa de pequeno porte de mobiliário com curadoria residencial, a proposta é, principalmente, a de oferecer novas experiências de compra a partir da integração dos diferentes canais de venda.

"Para além da loja de móveis somos geradores de conteúdo. A nossa proposta é oferecer um morar mais genuíno, experiências verdadeiras que impactem a vida do cliente de forma positiva".

Ele explica que uma das inspirações para os design dos móveis, por exemplo, vêm das experiências de viagem que ele ou seus curadores convidados fazem pelo mundo. E isso é mostrado em vídeos, fotos e outros tipos de conteúdo que estão nas redes sociais e também na decoração do showroom. No site, também estão depoimentos e exemplos de montagem de espaços reais feitos pelos próprios clientes ou em como o da Casa Cor.

Na loja física, por meio de óculos 3D, é possível conhecer outros produtos que não estão ambientados no espaço que é compacto. E por meio de um mostruário de tecidos sentir a textura dos materiais.

Por meio de etiquetas com QR Code ter acesso, em tempo real, a informações técnicas completas sobre o produto, que estão no site, possibilidades de aplicação e modelos similares que constam do catálogo. "Ao adotar estas práticas eu impacto meu cliente nas mídias sociais, ofereço uma experiência diferente na loja e jogo ele novamente para o online para ter informações mais completas para que ele possa tomar sua decisão", afirma Pablo.

Ele reforça que o uso de QR Code é um tipo de investimento tecnológico que qualquer empreendedor pode ter acesso. "O que exige apenas é um bom serviço de internet e alguém para criar a página. Depois é só imprimir a etiqueta". 

Outro exemplo são os softwares de gestão ou de gerenciamento de dados. "Hoje já existem aplicativos bem acessíveis. O Conta Azul, por exemplo, que ajuda a gerenciar fluxo de caixa, custa, em média, R$ 39,90 por mês".

Para ele, a tecnologia não levará ao fim dos empregos humanos, mas à transformação dos postos de trabalho. "É essencial que resgatemos o apelo consultivo do varejo. O vendedor já morreu, foi substituído pelo botão comprar, mas o consultor que consegue entender e atender às necessidades do cliente, de explicar qual o tecido é mais indicado para quem tem crianças em casa ou cachorro, por exemplo, é, sem dúvida, o que vai fazer a diferença em relação a uma máquina. Ou o que vai fazer ele sair de casa para ter a experiência na loja".

LEIA AMANHÃ

A série "Consumo 4.0 - Novos passos para o varejo" traz amanhã reportagem sobre como inovar online e offline.

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