Logo O POVO+
Apadrinhamento de crianças que aguardam adoção tem inscrições abertas
Reportagem

Apadrinhamento de crianças que aguardam adoção tem inscrições abertas

Os beneficiados são crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos, a faixa etária menos procurada por pretendentes. Padrinhos podem contribuir nas três modalidades: afetiva, financeira e prestação de serviços
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
 (Foto: )
Foto:

Mais socialização e cuidado de crianças e adolescentes que estão em unidades de acolhimento são o objetivo do programa de apadrinhamento "Estreitando Laços" da Defensoria Pública do Estado, criado em parceria com o Tribunal de Justiça (TJCE). Regulamentada em 2015, a iniciativa hoje soma 143 padrinhos para um universo de 457 crianças e adolescentes institucionalizadas em Fortaleza.

As inscrições para o programa de apadrinhamento estão abertas, nas três modalidades: afetiva, financeira e prestação de serviços. Os beneficiados são crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos, a faixa etária menos procurada por pretendentes.

“Por melhor que seja, uma unidade de acolhimento não é o lugar ideal para uma criança ou adolescente crescer. O programa de apadrinhamento não é um ensaio para a adoção. Mas é voltado a dar chances aos pequenos que têm poucas chances de ser efetivamente adotados”, explica Nathália Cruz, coordenadora dos Processos Administrativos e Judiciais de Infância e Juventude, no Fórum Clóvis Beviláqua.

A modalidade mais buscada é de apadrinhamento para prestação de serviços. São pelo menos 117 padrinhos e madrinhas cadastrados para voluntariado em unidades de acolhimento, para cuidar de bebês, promover atividades recreativas ou dar reforço escolar, por exemplo. A atividade pode estar ligada à formação ou alguma expertise do padrinho.

Os padrinhos financeiros custeiam algo, como um curso profissionalizante, plano de saúde ou mensalidade escolar. Comumente, as crianças institucionalizadas usam serviços de educação e saúde públicos. “Se você acha que 50 reais mensais não vão fazer falta no seu orçamento, esse valor pode fazer a diferença para uma dessas crianças e adolescentes”, convida Nathália.

O desenvolvimento psicossocial mais saudável também é possível através do apadrinhamento afetivo, no qual há possibilidade de convívio familiar e comunitário mais frequente, com atenção individualizada, o que muitas vezes falta nas instituições. Padrinhos e madrinhas podem visitar os pequenos, levá-los para passear e até passar fins de semana. É o que faz a psicóloga Marissol Melo. Há dois anos ela é madrinha de uma menina de 9 anos, que está disponível para adoção e vive em instituição no bairro de Fátima.

“Duas vezes por mês, em média, pego minha afilhada para passar o fim de semana conosco. Fazemos algum passeio com ela, tomamos banho de piscina, vamos à praia, ao shopping, ou ficamos brincando em casa. Ela sempre pergunta quando iremos buscá-la novamente”, conta Marissol. Ela, que não tem filhos, diz ainda que escolheu ser madrinha para doar “um pouco de amor e carinho”.

Joselita Camelo, psicóloga do setor de apadrinhamento, explica que padrinhos afetivos são avaliados pela equipe técnica. A família é ouvida e o relatório emitido sobre a habilidade de recepção vai ser analisado por uma juíza. “Quando há responsabilidade no apadrinhamento, em qualquer modalidade, é dada a oportunidade a eles de ter assistência mais individualizada e acreditar que podem superar as dificuldades e traumas que lhes ocorreram. Convivendo com uma família, eles passam a ter novas referências e têm melhoria na autoestima. Vão entender que a vida vai além da instituição”, didatiza.

Voluntários podem oferecer acolhimento temporário para crianças que aguardam adoção

Crianças e adolescentes até 17 anos que estão afastados do vínculo familiar por medida de proteção judicial podem ser acolhidos temporariamente junto a famílias. O serviço da Prefeitura de Fortaleza é baseado na Lei Federal 8.069/90 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Assim como o apadrinhamento afetivo, o projeto Família Acolhedora - Tempo de Acolher tem objetivo de aumentar a convivência familiar e comunitária, além de minimizar as vulnerabilidades, durante o período de reinserção em sua família original ou adoção.

A diferença é que, no apadrinhamento, a criança reside em unidades de acolhimento e tem momentos semanais de contato com o padrinho ou madrinha. No projeto da Prefeitura, ela passa a morar temporariamente com a família voluntária até a resolução judicial do caso.

Famílias interessadas na modalidade de acolhimento provisório têm o dever de prover boa alimentação, cuidados e afeto ao beneficiado. “Temos 12 famílias já acolhendo crianças, 11 em avaliação e outras várias já cadastradas. Os beneficiados têm companhia das famílias, um ambiente familiar. É diferente. Como é bonito a criança ir ao cinema, passear, ser deixada na escola pela família. Então, o programa tem sucesso na cidade”, avalia Elpídio Nogueira, titular da Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social de Fortaleza (SDHDS).

O gestor compara ainda o investimento, que, nas unidades de acolhimento municipais, é de R$ 6 mil por criança, mensalmente. Com o projeto e consequente redução de custos para os cofres públicos, a Prefeitura recompensa as famílias receptoras com bolsa no valor de R$ 1 mil mensais para ajudar com as despesas (ou R$ 1.500 por crianças com algum tipo de necessidade especial). A criança pode passar uma média de 18 meses no acolhimento familiar.

São parceiros do projeto a Defensoria Pública, Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (Comdica), Fundação da Criança e Família Cidadã (Funci) e Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS). A família interessada em participar do serviço deverá procurar a SDHDS (rua Padre Pedro Alencar, 2230 - Messejana) para cadastramento e, em seguida, participar dos cursos de capacitação. (Lucas Braga)

Requisitos para participação de famílias

- Ter moradia fixa em Fortaleza há mais de um ano

- Ter disponibilidade de tempo para oferecer proteção e apoio à criança ou adolescente

- Ter idade entre 21 e 65 anos, sem restrição ao sexo ou estado civil

- Ser pelo menos 16 anos mais velho que o acolhido

- Não ter interesse em adoção

- Apresentar concordância de todos os membros da família maiores de 18 anos que vivam no lar

Demora em processo reduz chance de adoção de crianças e adolescentes

Das 457 crianças e adolescentes vivendo em instituições de acolhimento, em Fortaleza, apenas 53 estão aptas para serem adotadas. Os números da Defensoria Pública do Estado traduzem o longo período de tentativas de restituição ao poder familiar ou adoção. O tempo de institucionalização supera em muito os 18 meses sugeridos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Prova disso é que a maior parte dos pequenos sob a guarda do Estado tem idade superior a 7 anos (82%), quando as chances de adoção são menores.

No Ceará, existem 264 crianças e adolescentes no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), aptas a adoção. Delas, 192 (71,91%) estão na faixa entre 6 e 17 anos, que é considerada tardia. O número poderia ser acolhido, já que existem 790 pretendentes habilitados à adoção no Estado. Todavia, só 17%, aproximadamente, demonstraram interesse em adotar crianças com 7 anos ou mais.

Assim, a infância e adolescência de várias delas é passada numa instituição, dividindo atenção, carinho e recursos com dezenas de colegas. Elas são destituídas do poder familiar após perda ou abandono dos pais, maus-tratos, negligência, abuso ou outras questões. As causas mais comuns são pobreza e drogadição. Depois, são institucionalizadas e passam a frequentar escolas públicas e utilizar serviços de saúde públicos. As fontes ouvidas na reportagem foram unânimes sobre as boas condições de habitação e alimentação dos institucionalizados.

Messias Mateus, de 12 anos, foi adotado aos 7. Desde que nasceu até a concretização do processo adotivo, ele esteve numa unidade de acolhimento. Ele só aprendeu a ler aos 10 anos. "Eu era feliz lá, mas tinha pouca atenção. Ainda tenho amigos (institucionalizados) e, de vez em quando, vou ver eles. Todos precisam de uma família, né?! Hoje, tenho um lar e pessoas perto de mim", conta, lembrando de um amigo próximo que nunca conseguiu adoção e saiu da instituição ao completar 18 anos.

O pai de Messias, Lucineudo Irineu, coordena a Acalanto Fortaleza, ONG que promove a adoção. Para mudar o quadro no Ceará, de acordo com ele, é imperativo aumentar o efetivo que trabalha com a infância, no Ministério Público, na Defensoria Pública e no Tribunal de Justiça. Movimentando com mais celeridade os processos, a criança pode passar menos tempo nas instituições. "Acolhimento é passagem. Os abrigos estão abarrotados, porque as crianças não deveriam passar mais do que oito meses para serem reinseridas na família biológica ou adotiva. Se foi destituída do poder familiar, os prazos previstos em lei devem ser cumpridos", diz.

Para acelerar o processo, o Tribunal de Justiça firmou convênio com a Prefeitura Municipal de Fortaleza e o Governo do Estado, pelo que foram cedidos 19 (dezenove) servidores para agilizar os trabalhos das equipes técnicas. Outros projetos têm reduzido o tempo de adoção e institucionalização, melhorando o cotidiano dessas crianças, a exemplo do apadrinhamento e acolhimento familiar (leia ao lado). "Pensamos sempre na melhoria da qualidade e celeridade dos serviços. Já estamos colhendo frutos com a redução significativa das filas de trabalho que aguardam relatórios", analisa a juíza Mabel Viana Maciel, coordenadora das Varas da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza.

Adriano Leitinho, coordenador do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública da Infância e Juventude (Nadij), frisa que nova sede do núcleo foi inaugurada no início deste mês. Além dele, duas defensoras e uma equipe de assistentes sociais e psicólogas compõem o núcleo. Ainda assim, segundo ele, o organograma não é suficiente. São necessários mais defensores especializados na matéria da infância e juventude, assim como mais profissionais de apoio e equipe técnica.

"Conhecemos as histórias dessas crianças e adolescentes, desde acolhimento, destituições do poder familiar e o processo de adoção. A Defensoria Pública tem papel importantíssimo nesse ciclo. Participamos de todas as etapas, inclusive visitando as unidades", pontua Adriano. Os indicativos de atendimento do Nadij subiram em 2019, se comparados ao ano passado. Foram 89 adoções até o último dia 11, enquanto em todo o 2018 foram 82. As ações de destituição do poder familiar mais do que dobraram: 49 neste ano e 21 no ano passado.

Sobre as unidades de acolhimento municipais, o secretário dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social de Fortaleza, Elpídio Nogueira contabiliza que há, em média, 20 crianças em cada uma das quatro unidades de acolhimento mantidas pela Prefeitura. "Acompanhamos frequência escolar, atividades sociais e educacionais e relatórios diários de saúde. Elas têm segurança, atendimento psicológico e pedagógico, além de alimentação de boa qualidade", comenta.

Já sobre unidades estaduais, O POVO buscou a Secretaria de Proteção Social do Ceará (SPS), mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem. (Lucas Braga)

Serviço

Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública da Infância e Juventude – Nadij

Rua Auristela Maia Farias, nº 1112, Engenheiro Luciano Cavalcante

(85) 3275.7662

Acalanto Fortaleza

85 98854-6476

O que você achou desse conteúdo?