Logo O POVO+
Das dores no inverno alemão ao calor no verão cearense
Reportagem

Das dores no inverno alemão ao calor no verão cearense

Edição Impressa
Tipo Notícia
TAIBA, CE, BRASIL,24-10-2019: Ruediger Ran, Alemão de 81 anos vem para o Brasil praticar kite surf.  (Foto: Fabio Lima/O POVO) (Foto: FÁBIO LIMA/O POVO)
Foto: FÁBIO LIMA/O POVO TAIBA, CE, BRASIL,24-10-2019: Ruediger Ran, Alemão de 81 anos vem para o Brasil praticar kite surf. (Foto: Fabio Lima/O POVO)

O frio de Ravensburg, ao sul da Alemanha, é barreira intransponível para Ruediger Ran seguir trilhando paixão pela prática esportiva. Professor de educação física aposentado, o alemão dedicou a vida ao esporte.

A carreira dedicada à ginástica olímpica foi abreviada pelas lesões. Problemas nos tornozelos, joelhos, ombros renderam uma série de cirurgias que até repercutem em dor quando a temperatura cai abaixo de 0ºC. E, assim, de atleta, o hoje octogenário passou a professor e treinador.

Na terceira idade, o inverno deixou de ser possibilidade de lazer para ser uma porta para sofrimento de Ruediger. As dores da artrose tornaram as atividades esportivas impraticáveis. Foi como uma punhalada no ímpeto de atleta que o acompanhou durante toda a trajetória do alemão, que já se aventurou em modalidades como o mergulho, o esqui e o snowboard.

Foi o clima que acabou tornando o professor aposentado um prisioneiro do próprio corpo. E daí, cresceram sintomas de depressão. "De cinco coisas que eu fazia, hoje consigo fazer duas. Tem um risco", admite.

Era início dos anos 2000 — Ruediger já passara dos 60 anos — que o destino lhe ofereceu uma lufada de vida. Em Cabo Verd veio a luz no fim do túnel. E a velhice ganhou novos significados. Era possível, ainda, se divertir.

O primeiro contato com o kitesurfe foi, preservado o clichê, um caso de amor à primeira vista. A partir de então a missão era encontrar lugares onde as condições fossem mais favoráveis não só para a prática do esporte, como confortáveis para o contato externo que mais se encaixasse com a personalidade de Ruediger. Passou por Tarifa, Meca da modalidade na Espanha, mas o crowd, a superlotação, impediu aquele clique do encaixe perfeito. Reservado, discreto, o alemão via o mar de gente como fonte de estresse.

Em 2003, o Ceará entrou na história. O primeiro contato foi com a praia do Cumbuco, no município de Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza. Então, o kitesurfe engatinhava na região e os praticantes no litoral cearense eram raros sortudos. Aprovada a experiência, o ano seguinte era hora do repeteco. O horizonte, porém, já ficava menos visível pela lotação de pipas no mar.

Terceiro ano no Cumbuco e o lugar já era outro. "Tinha uns 500 kites no mar. Gosto de estar sozinho. Não quis mais. Passei a explorar outros lugares", narra.

Ruediger perambulou. Paracuru, Guajiru, Flecheiras. A praia da Taíba era um amor mais escorregadio, escondido dentro dos 753km, as 83 praias do litoral cearense. Quando o alemão tinha 71 anos, ele se encontrou com este amor tardio e a peregrinação pôde cessar. Para o veterano aventureiro, a Taíba era perfeita.

Boas ondas, bons vento, bom mar, bom público. A conexão foi tanta que a calorosa Taíba virou o refúgio definitivo das dores que gritavam no frio de Ravensburg. Explicar o significado desta descoberta emociona Ruediger.

"São meses de muito frio. Sinto muita dor. A maioria das coisas não é possível de se fazer. Andar é dolorido. Dormir é dolorido. Não dá para praticar esporte. Nenhum. Aqui é quente. O clima é super-adequado. É possível se divertir sem crowd. O kite é a última coisa que eu posso fazer com diversão.", diz, sob olhos marejados.

Kitesurfe é terapia para Ruediger. No isolamento, o alemão encontra uma forma de energizar o corpo e a mente. Após o deslize no mar, ele volta para o quarto. Deita a cabeça no travesseiro e parte noutra viagem, de volta aos momentos que acabara de viver. "Fico recordando as manobras, do que eu fiz, do que senti", sorri.

TAIBA, CE, BRASIL,24-10-2019: Ruediger Ran, Alemão de 81 anos vem para o Brasil praticar kite surf.  (Foto: Fabio Lima/O POVO)
TAIBA, CE, BRASIL,24-10-2019: Ruediger Ran, Alemão de 81 anos vem para o Brasil praticar kite surf. (Foto: Fabio Lima/O POVO) (Foto: FÁBIO LIMA/O POVO)

 

O que você achou desse conteúdo?