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Lei de abuso de autoridade vigora há um mês. O que muda?
Reportagem

Lei de abuso de autoridade vigora há um mês. O que muda?

| Críticas e elogios | Novas normas estabelecem punições claras a quem exceder uso da autoridade. Redação, supostamente subjetiva, ainda é vista com pessimismo
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Foto: Carlus Campos 0302reportagem

A primeira lei sobre abuso de autoridade, a 4.898, foi assinada em 1965 pelo primeiro presidente da Ditadura Militar (1964-1985), Castello Branco. É com a qual se convivia até a tramitação e aprovação da nova legislação, a 13.869, que voltou a tramitar e foi aprovada em 2019, após dois anos de arquivamento. Hoje, o conjunto de novas regras completa um mês de vigência. Mas, o que muda na prática?

Antes, invasão de imóvel sem mandado judicial, implantação de provas, prolongamento de prisão sem razão justificada e outras condutas abusivas já poderiam ser punidas. Mas, na maioria das vezes de modo brando, dado o caráter genérico do antigo texto.

Agora, estão estampadas na nova redação aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro as condutas caracterizadas como irregulares e as punições entendidas como proporcionais a cada ato. Alguns crimes, inclusive, têm prisão prevista de até quatro anos.

O foco imediato da nova lei é o trabalho das polícias, do Ministério Público, este mais visado após eclosão da operação Lava Jato e todo o debate oriundo de seus métodos, e do Poder Judiciário. Também são impactados os poderes Executivo e Legislativo.

"Eu já estou trabalhando com os impactos da lei", diz a titular da Procap, braço do Ministério Público do Ceará (MPCE) que investiga crimes contra a administração pública, Vanja Fontenele.

Antes, ela explica, as portarias que instauravam Procedimentos Investigatórios Criminais (PICs) eram eventualmente mais genéricas. Com a nova norma, prossegue, a linguagem que justifica a necessidade de se apurar irregularidades tem de ser mais precisa.

"De modo geral, não acho que a lei tenha trazido nenhum tipo de incômodo para o nosso trabalho. Já trabalhávamos dentro do que a Constituição prevê", considera.

Ex-chefe do MPCE, Plácido Rios elogia o conceito de dolo específico, presente na lei. Significa que, para que um ato seja caracterizado como abusivo, tem de se comprovar intenção de "prejudicar ou beneficiar a si próprio ou a outrem" ou uma ação "por mero capricho ou satisfação pessoal."

Contudo, Rios projeta que a legislação ainda poderá gerar problemas em razão da pressa com a qual foi discutida. Termos como "manifestamente descabida" ou "manifesta desconformidade com as hipóteses legais" são vagos na avaliação dele e, por isso, um "agente poderá cometer um crime sem sequer ter consciência disso."

Concorda com Rios o presidente da Associação Cearense de Magistrados, Daniel Carvalho. Ele sublinha que os termos, pouco objetivos, intimidam a ação de juízes. Exemplifica que um juiz ficará em dúvida sobre prolongar prisão de um detento ou não, já que a norma fala em hipóteses legais. "Mas que hipóteses legais?", diz. "É muita subjetividade." Ele acredita que o Supremo Tribunal Federal (STF) promoverá reviravolta e estabelecerá parâmetros mais objetivos para o funcionamento da lei, sobre a qual diz ser favorável desde que melhor definida.

O POVO enviou questionamentos à PM do Ceará sobre se a corporação submeterá policiais a algum exercício de adaptação. A reportagem não foi respondida até o fechamento desta página. Também abordada, a Secretaria da Segurança Pública respondeu que contemplará as questões apenas nesta segunda-feira.

 

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