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Médico intensivista alerta para iminente falta de profissionais para UTIs no Ceará
Reportagem

Médico intensivista alerta para iminente falta de profissionais para UTIs no Ceará

O Estado já incrementou o número de leitos de UTIs em 65,8% desde o início da pandemia. Especialista aponta insuficiência de profissionais intensivistas para a demanda
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Presidente da Sociedade Cearense de Terapia Intensiva (Soceti), Zilfran Carneiro Teixeira (Foto: Aurélio Alves)
Foto: Aurélio Alves Presidente da Sociedade Cearense de Terapia Intensiva (Soceti), Zilfran Carneiro Teixeira

"Infelizmente, vai chegar um momento em que a gente não vai ter mais profissionais para as UTIs que estão abrindo. A única saída que eu vejo, na realidade, é tentar achatar a curva, porque estamos chegando num limite em termos de abertura de leito." Essa é a constatação que faz o presidente da Sociedade Cearense de Terapia Intensiva (Soceti), Zilfran Carneiro Teixeira, diante da crescente demanda e da necessária abertura de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Conforme dados da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), desde março foram abertos 1.521 leitos de enfermaria e 481 de UTI - um incremento de 65,8% no número de UTIs disponíveis para o Sistema Único de Saúde (SUS) no Ceará.

O que preocupa, conforme o médico, é ter material humano para trabalhar. O Ceará tinha em 2019 um índice de 126 médicos por 100 mil habitantes. O dado é acima dos 80 preconizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mas é o sexto mais baixo do País, de acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para atender a necessidade dos leitos recém-criados, a Sesa afirma ter planejado "contratações de horas de plantões, o equivalente a 600 profissionais de saúde", sem contudo aferir o número de médicos dentre os profissionais.

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"Em relação à terapia intensiva, isso é ainda mais complicado. Já não era um número suficiente antes (da pandemia). Todo médico que faz residência em medicina intensiva hoje, ele termina já com uma demanda muito grande de trabalho. E agora, com os hospitais lotados, criando mais leitos de UTI, a gente roda hospital público e privado e vê praticamente os mesmos colegas. Está todo mundo sobrecarregado", indica Zilfran.

Defendendo a importância dos leitos criados, inclusive nos hospitais de campanha, como forma de desafogar o sistema, devido ao número de paciente e ao tempo de permanência deles nos leitos, Zilfran indica que há ainda um outro gargalo: a contaminação da equipes de saúde, e o consequente afastamento. Isso faz com que as equipes tenham que ajustar horários e cobrir turnos de plantões intensos, enquanto os colegas se recuperam.

Até o último dia 7, a Sesa foi notificada de 148 casos de Covid-19 nas unidades da rede estadual, de diferentes áreas, sendo 18 confirmados com a doença. Entre eles, dois são médicos e 12 profissionais de enfermagem. Há ainda o registro do óbito de uma técnica de enfermagem. A Sesa, no entanto, afirma que os afastamentos não atrapalham o atendimento e a medida é para resguardar os próprios profissionais de saúde e os pacientes.

Para suprir a premência de médicos intensivistas e médico em geral, na prática, o que tem acontecido, como relata Edmar Fernandes, presidente do Sindicato do Médicos do Ceará, é a realocação de médicos de outras especialidades para o enfrentamento ao novo coronavírus. Fernandes, inclusive, é da opinião que o Estado está bem abastecido de médicos, mesmo diante de uma pandemia. "Estão sendo criados protocolos para a pandemia, e está tendo muitas interações (de especialidades médicas) que não aconteciam antes e os intensivistas estão sendo fundamentais para ajudar nisso", garante.

As realocações são de profissionais, segundo Zilfran, principalmente, de clínica médica, cirurgia ou anestesia, que já têm experiência em lidar com pacientes graves. O médico acredita que nos hospitais de referência não há equipes trabalhando sem orientação de algum intensivista, mas não descarta que isso ocorra, já que o atendimento dos pacientes acaba diluído por toda a rede. Para adequar-se à rotina e aos procedimentos das UTIs, eles têm passado por treinamentos. "E tem protocolos de medicamentos, de lidar com a parte da ventilação mecânica que é uma parte bem difícil, de como colocar os EPIs (equipamentos de proteção individual) e tirar pra não se contaminar."

De acordo com a Sesa, a Escola de Saúde Pública está formando a segunda turma, totalizando mil profissionais, no curso de ventilação mecânica básica, na modalidade Educação à Distância. De forma presencial, a pasta afirma que mil profissionais foram "capacitados para o preparo e montagem de sistema fechado de pré-oxigenação à intubação orotraqueal e procedimento de intubação orotraqueal". Um treinamento mais robusto, seria o ideal, para Zilfran. "Mas estamos em uma situação que temos que prestar o melhor cuidado, de uma forma ética, responsável. E a gente tem feito dar certo".

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Zilfran Carneiro Teixeira atua na pandemia com trabalho no HGF e no Walter Cantídio
Zilfran Carneiro Teixeira atua na pandemia com trabalho no HGF e no Walter Cantídio

Plantões de seis horas sem qualquer pausa

As seis horas do plantão dentro da Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) que tratam diretamente com pacientes acometidos de Covid-19 são intensas e, muitas vezes, ininterruptas. Tendo de vestir toda a paramentação de EPIs, com roupa, máscaras de alta gramatura que dificulta a respiração, óculos ou face shield, o turno que antes permitia alguns intervalos, devido a natureza do vírus com que estão lidando, faz com que profissionais tenham de permanecer por todo o expediente dentro das unidades.

Trabalhando na linha de frente de combate à Covid-19 no Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), o médico intensivista e presidente da Soceti Zilfran Carneiro Teixeira relata o cotidiano dos profissionais que, diante da pandemia, têm se desdobrado para atender a demanda crescente.

"São muitos equipamentos que, por um período é tranquilo, mas aguentar seis horas é mais complicado. E são seis horas em que você fica na unidade, não sai, não vai tomar água, um café, não vai lanchar. E se você tiver que precisar ir ao banheiro nessas seis horas, você tem de tirar toda a roupa e colocar tudo de novo. É muito desgastante, do ponto de vista físico ao emocional", detalha. Outro ponto é que, devido à escassez da especialidade, intensivistas têm feito mais horários de trabalho, nos contra-turnos e mesmo nos fins de semana.

A doença traz em sua natureza a necessidade de um tratamento feito por equipes de intensivistas - médicos, enfermeiros e fisioterapeutas. Nos casos mais complexos, o paciente precisa de suporte ventilatório. Nesse perfil de pacientes, conforme indica Zilfran, a mortalidade pode chegar a 50%.

"O médico especialista em terapia intensiva tem uma expertise maior de lidar com o paciente que é muito grave, porque além do problema de lidar com a parte ventilatória, com ventilador mecânico, com a parte hemodinâmica, de medicação, de coagulação, que a doença mexe com tudo isso, e é um doente que precisa de ajustes muito finos e diários. E a gente tem visto na prática que esse paciente mais graves, quando conduzidos por profissionais mais experientes, têm um desfecho muito melhor", aponta.

Ele conta que, em 25 anos de profissão, nunca vivenciou uma situação nem mesmo próxima do que tem sido o enfrentamento da Covid-19. Ainda assim, ele ressalta as vitórias conquistadas, com as altas de pacientes recuperados, e a união dos profissionais de saúde. "É uma doença nova, tem vários tipos de apresentação, e a gente ainda está aprendendo com as experiência de outros países e com as nossas mesmos. E tentando prestar o melhor cuidado aos pacientes. É uma força-tarefa, quem não está no front, está estudando pra ajudar os outros a se atualizar", explica. (Domitila Andrade)

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