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Pelos menos 45% dos óbitos no Estado são entre pessoas pardas e pretas
Reportagem

Pelos menos 45% dos óbitos no Estado são entre pessoas pardas e pretas

| Pandemia | Em comparação, apenas 6,75% das mortes são entre brancos. Dados da Sesa indicam ainda que 45,47% dos cearenses infectados são negros
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Movimentação no bairro Jangurussu, Fortaleza, na sexta-feira, 29 (Foto: Aurelio Alves/O POVO)
Foto: Aurelio Alves/O POVO Movimentação no bairro Jangurussu, Fortaleza, na sexta-feira, 29

As desigualdades enfrentadas pela população negra - pretos e pardos - a torna mais suscetível a sofrer as consequências do novo coronavírus. O que diversos estudos nacionais e internacionais apontam desde o início da pandemia pode ser comprovado pelos registros oficiais da Covid-19. O POVO avaliou 3.158 notificações de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) confirmadas para a doença no Ceará. Os casos, disponibilizados pelo Ministério da Saúde, são apenas os que necessitaram de internação e foram registrados até o último dia 18. Destes, 1.525 resultaram em morte e a maioria foram pessoas autodeclaradas pretas ou pardas: são 687 cearenses, concentrando 45,05% dos óbitos.

Em comparação, o Ministério indica que 103 brancos morreram devido ao vírus no Estado no período, o que representa 6,75% dos óbitos registrados na base de dados. Outros 729 pacientes não tiveram a raça declarada (47,80%), cinco se declararam amarelos e apenas um, indígena. Se considerados apenas os casos com raça informada, a desigualdade cresce: pretos e pardos se tornam 86,3% das vítimas do novo coronavírus, enquanto brancos são 12,9%.

Ilustração
Ilustração (Foto: Luciana Pimenta)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Outra comparação que sobressai é a proporção de recuperações de acordo com a raça. Entre 163 brancos que contraíram o novo vírus no Estado, 36,8% (o equivalente a 60 pessoas) receberam alta. Já entre 1.015 pretos e pardos infectados, 32,31% (328 pessoas) estão recuperados. Os dados consideram apenas os pacientes que tiveram a raça definida e cujos casos foram encerrados, ou seja, evoluíram para alta ou óbito.

"Uma pandemia requer acesso aos serviços de saúde e pessoas em estado pleno de saúde. Aí, quando observamos de forma racializada, os negros sobretudo não têm essas condições", afirma Emanuelle Góes, pesquisadora da Rede CoVida e da Fundação Oswaldo Cruz da Bahia. Para ela, "os dados têm revelado como a pandemia potencializa e aprofunda as desigualdades em relação à saúde".

Pretos e pardos também são a maioria dos casos confirmados para Covid-19 no Estado. Dos 48.489 cearenses infectados, pelo menos 45,47% fazem parte desses grupos. Os dados são da plataforma IntegraSUS, da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa) e foram atualizados às 17h23min de ontem.

O boletim epidemiológico indica ainda que 10,65% da população infectada pelo Sars-CoV-2 no Ceará é branca, 6,79% é amarela e apenas 0,30% é indígena.

Emanuelle analisa que "são várias questões que se sobrepõem e condicionam e colocam a população negra para o desfecho mais favorável de adoecimento e morte". A pesquisadora enumera fatores como a precariedade de moradias e maior presença no mercado informal. "Dentro dessa sociedade em que o racismo é estrutural, as pessoas negras têm mais barreiras para o acesso à saúde e os corpos de grupo de risco estão em maior percentual entre negros. Também são os negros e negras a maioria dos que precisam sair para trabalhar e não conseguem cumprir o distanciamento", explica.

Por todo o País, o cenário se replica. É o que indica análise realizada pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS). O estudo do grupo de pesquisa, liderado pelo Departamento de Engenharia Industrial do Centro Técnico Científico da PUC-Rio (CTC/PUC-Rio), aponta que cerca de 55% dos pretos e pardos faleceram enquanto que, entre os brancos, esse valor ficou em 38%. Na avaliação por faixa etária, os pacientes pretos e pardos apresentaram um número maior de óbitos em relação aos brancos,
em todas as faixas etárias.

O levantamento considerou
também a escolaridade dos pacientes e concluiu que as chances de morte de
um paciente preto ou pardo analfabeto (76%) são 3,8 vezes maiores que um
paciente branco com nível superior (19,6%). "Estes resultados levantam uma série de indagações que
podem vir a explicar essas diferenças, tais como diferenças de pirâmide etária, distribuição geográfica e desigualdades sociais, que afetam diretamente o acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, os desfechos das internações", afirmam os pesquisadores em nota técnica.(Colaborou Matheus Mendes)

 

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