Com firmeza e ternura, Thina Rodrigues lutou para dar nome às coisas. A ativista "simples e lutadora" - como se definia - não via necessidade de suavizar nada sobre quem era. Tra-ves-ti, repetia como quem precisa ser entendida em sua complexidade. Assim viveu por 57 anos até morrer vítima da Covid-19, justamente um dia após a data em que se celebra o Orgulho LGBTQIA .
Antes de militar como presidente da Associação de Travestis do Ceará, Thina foi uma das pioneiras, em Fortaleza, da arte transformista nos anos 1980. Lutou para o ocupar as boates da Capital, mas não quis definir fronteiras para os espaços em que ocuparia. Ao longo das décadas foi se reconhecendo e sendo reconhecida com uma voz fundamental nas ruas ainda tão hostis da nossa cidade. Contundente, ela criticava o "discurso higienizador" de quem insistia em patologizar sua existência.
Natural de Brejo Santo, de onde saiu expulsa, Thina chegou a ser presa, no fim da década de 1980, com um grupo de 60 travestis que circulavam pelo Centro e "afastavam as famílias" da região. Conquistou a liberdade e 30 anos depois organizou e ministrou curso de capacitação para que policiais aprendessem a lidar com pessoas trans.
Vaidosa, Thina nunca abriu mão do glamour. Ela sabia ver graça e elegância onde só queriam sofrimento. Sempre que nos encontrávamos, brincava sobre a capa que estampou do caderno Vida&Arte, em 2017, numa matéria a respeito do livro Travestis: carne, tinta e papel, do historiador Elias Veras.
A última vez que nos vimos foi na Praia de Iracema, mesma orla que estava lotada na véspera da morte de Thina - cheio de gente que parece ignorar a pandemia e seus números tão alarmantes. O Estado já passa dos 6 mil mortos e ela, tão segura da força das palavras, certamente usaria "irresponsável" para definir quem subestima o vírus. Muito mais do que um número na estática, ela vai, mas segue viva em tantas travestis que levam a força de Thina em suas lutas.