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Celso Furtado: 100 anos do economista que pensou o desenvolvimento do Nordeste
Reportagem

Celso Furtado: 100 anos do economista que pensou o desenvolvimento do Nordeste

Fundador da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e pensador do desenvolvimento regional, o doutor em Economia moldou o pensamento de uma geração de economista que vieram a seguir e sua contribuição permeou a evolução brasileira no século XX
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CELSO FURTADO deixou como umas das marcas o pensamento para o desenvolvimento do Nordeste
 (Foto: RAIMUNDO VALENTIM/AE)
Foto: RAIMUNDO VALENTIM/AE CELSO FURTADO deixou como umas das marcas o pensamento para o desenvolvimento do Nordeste

Neste domingo, 26, é lembrado o centenário do economista Celso Furtado. Referência intelectual no que se refere ao desenvolvimento regional, foi fundador da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), em 1959. Falecido em 2004, aos 84 anos, ele tinha no currículo a passagem entre 1962 e 1964 como primeiro ministro do Planejamento do Brasil, no governo João Goulart, além de ter sido o terceiro ministro da Cultura na redemocratização, entre 1986 e 1988, no governo José Sarney.

Paraibano de nascimento, Celso Furtado ainda teve passagens pela Fundação Getúlio Vargas, representou o Brasil na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), órgão das Nações Unidas, em meados dos anos 1940. Na década seguinte elaborou o estudo sobre a economia brasileira que serviu de base para o Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek e sua política de "50 anos em cinco". Exilado da Ditadura Militar, se dedicou à vida acadêmica fora do Brasil.

A doutora em Economia Pública e professora emérita da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Tânia Bacelar, foi servidora da Sudene, em 1966, após a saída de Celso do comando e o seu legado é de lisura no trato com os recursos públicos. Ela lembra que, no período, foi realizada uma auditoria procurando irregularidades na gestão de Celso, mas não foi encontrado nada.

"Sempre foi um personagem político, que se tornou um professor durante o exílio. Sempre foi um homem público, que acredita quem era capaz de mudar realidade nos países subdesenvolvidos era o estado, com política pública, que o mercado sozinho não faria", afirma.

Tânia ressalta que a principal contribuição de Celso para o desenvolvimento regional foi a criação da Sudene. Já como ministro da Cultura desenvolveu uma política de incentivo ao setor, que, na sua visão, tem um enorme potencial na Região.

Celso também colaborou com o pensamento de políticas econômicas de desenvolvimento a partir do lançamento da obra "Formação Econômica do Brasil", escrito em 1958, quando o autor se encontrava em ano sabático na Universidade de Cambridge, Inglaterra. Livro de cabeceira de uma geração de economistas, teve alcance mundial e foi traduzido para nove idiomas.

Para o economista e presidente do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), João Mário Santos de França, o livro formou uma corrente de pensamento que permeou o desenvolvimento brasileiro na segunda metade do século 20, baseado na industrialização como fomentador do desenvolvimento.

Foi Celso Furtado que trouxe outra forma de enxergar a desigualdade regional, apontando a falta de industrialização no Nordeste como ponto a ser combatido. Deixando de lado as correntes que imputaram ao clima ao atraso na Região frente ao Sudeste.

João Mário ressalta que o "olhar inovador" do criador da Sudene serve de base a uma corrente desenvolvimentista mais contemporânea. "É importante compreender a época em ele estava introduzido e propôs. Colocou o debate sobre desigualdade regional no centro da discussão e influenciou as políticas a partir daí".

 

FORTALEZA, CE, 19-04-2016: Alexandre Cialdini, Economista.  Programa Vertical S/A da Tv O Povo com o Jornalista Jocélio Leal. (Foto: Camila de Almeida/O POVO)
FORTALEZA, CE, 19-04-2016: Alexandre Cialdini, Economista. Programa Vertical S/A da Tv O Povo com o Jornalista Jocélio Leal. (Foto: Camila de Almeida/O POVO)

100 anos iluminando!

Convesrsando com amigo Jocélio Leal, disse-lhe que Mário Henrique Simonsen e Celso Furtado foram os economistas que me fizeram migrar da engenharia para economia. O que poderia ser uma antítese, estes dois autores para mim representaram uma convergência na contribuição para os estudos da ciência econômica. Pelos livros de Simonsen, inicialmente compreendi sua contribuição teórica sobre os fenômenos inflacionários e, posteriormente, sua crítica à teoria das expectativas racionais.

Nesse dia 26 de julho Celso Furtado completaria 100 anos (Vejam o portal www.centrocelsofurtado.org.br). Para o leitor do O Povo ter a dimensão de sua produção científica, Furtado tem mais de 200 citações no Science Index - a mais importante base de mensuração de impacto de uma obra acadêmica no mundo e no google acadêmico, são mais de 45 mil resultados. Levou para o mundo afora os estudos sobre o Brasil, sendo professor nas Universidades de Sorbonne, Yale, Columbia, American University e Cambridge. Todavia, por "questões políticas", nunca foi integrado numa Universidade brasileira !

Para Furtado, as teorias econômicas existem para resolver problemas reais. A seu ver a economia é "um instrumento para penetrar no social e no político e avançar na compreensão da história, particularmente quando esta ainda se exibia como presente aos nossos olhos". Diante de toda larga produção científica, ninguém fez com mais brilho do uso da teoria econômica para entender a evolução da economia brasileira do que Furtado, em Formação Econômica do Brasil (1959). Uma das características que torna Formação Econômica do Brasil uma obra-prima de análise econômica é a capacidade de Furtado de, a partir dos parcos dados disponíveis, deduzir as demais variáveis da economia e seu comportamento dinâmico. Por sinal, o próprio Simonsen mencionava que Formação Econômica do Brasil o influenciou positivamente, dizendo ainda mais que: "a aproximação metodológica através da história é fundamental no estudo da economia". (Conversas com economistas Brasileiros).

 

Evaldo Cruz Neto, superintendente da Sudene
Evaldo Cruz Neto, superintendente da Sudene

Homenagem ao fundador

A Sudene relembra a trajetória desse grande pensador e da sua importância para o desenvolvimento regional como forma de homenageá-lo em seu centenário, ressaltando o orgulho de ser parte do seu legado. O paraibano e economista Celso Furtado, que neste ano se comemora o seu centenário, tem sua trajetória marcada por estudos no âmbito econômico, que influenciaram, diretamente, na criação da Sudene e sua primordial função de agir como órgão estratégico e responsável pelo desenvolvimento da Região Nordeste, além do norte de Minas Gerais e Espírito Santo, com foco principal na redução das enormes desigualdades locais, missão esta ainda atual e necessária.

 

SUDENE

Desde o início da semana, a Sudene está promovendo algumas postagens em redes sociais (sudenebr) lembrando de Celso Furtado e no domingo, 26, dia em que fará 100 anos, publicará uma matéria no site oficial que remeterá também a um vídeo em no canal do youtube. A Sudene, em dezembro de 2019, quando completou 60 anos, homenageou o economista Celso Furtado e tinha previsto um evento em julho de 2020, porém com a pandemia do Covid-19, foi cancelado.

Jair do Amaral Filho
Jair do Amaral Filho

Colegas em Paris

Tive o privilégio de conhecer pessoalmente Celso Furtado nos meios acadêmicos da França, em meados dos anos 1980, quando realizava meu Doutorado de Economia nesse país. O economista e professor Celso Furtado deixou um legado importante aos economistas e estudantes de economia brasileiros, e latino americanos.

Tal legado pode ser medido, em primeiro lugar, pelo seu rigor e honestidade acadêmica e científica e, em segundo lugar, pelo homem íntegro e de espírito público que foi. Neste sentido, foi um pensador, acadêmico, professor e homem de ação, neste caso, por várias oportunidades, seja como primeiro superintendente da Sudene, e também como ministro da República Brasileira por duas ocasiões.

Sua obra é extensa e, grande parte dela, atual e nos ajuda a entender o desenvolvimento da América Latina, Brasil e Nordeste. Vários de seus livros foram traduzidos em várias línguas e adotados em universidades de vários continentes. Seu livro Formação Econômica do Brasil é adotado até os dias de hoje nas faculdades de Economia, Ciências Sociais e História no Brasil.

 

Economista Celso Furtado
Economista Celso Furtado

A Trajetória de Celso Furtado

1920

Celso Monteiro Furtado nasceu no dia 26 de julho de 1920, em Pombal, no alto sertão da Paraíba. Estudou no Liceu Paraibano e no Ginásio Pernambucano, no Recife.

Em 1939, mudou-se para o Rio de Janeiro. No ano seguinte, ingressa na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde concluiu o curso de Ciências Jurídicas e Sociais. Ainda em 1940, Celso tem seu primeiro emprego, na Revista da Semana, como secretário de redação, depois repórter e crítico de música. Foi também revisor do Correio da Manhã.

1943
Foi aprovado no concurso do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), iniciando no funcionalismo público federal no governo Getúlio Vargas. No ano seguinte, 1944, foi convocado para integrar a Força Expedicionária Brasileira (FEB), em missões na Itália.

1946
Foi o ano em que iniciou o doutorado em Economia na Universidade de Paris-Sorbonne, com tese de conclusão sobre a economia brasileira no período colonial.

1948
Retorna ao Brasil, entra para o quadro de economistas da Fundação Getúlio Vargas, trabalhando na revista Conjuntura Econômica. Casa-se com Lucia Tosi, com quem terá os filhos Mario e André.

1949
Integra-se à recém-criada Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), órgão das Nações Unidas sediado em Santiago do Chile. No ano seguinte, publica sua análise de maior sucesso e primeiro ensaio de análise econômica, Características gerais da economia brasileira.

Preside o Grupo Misto CEPAL-BNDE, cujo estudo sobre a economia brasileira, com ênfase especial nas técnicas de planejamento — "Esboço de um programa de desenvolvimento, período de 1955-1962" — servirá de base ao Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek.

Inicia ano sabático na carreira e se dedica a estudos de pós-doutorado no King's College da Universidade de Cambridge, Inglaterra. Aí escreve Formação econômica do Brasil, seu livro mais difundido no Brasil e traduzido em nove línguas.

O presidente Juscelino Kubitschek o nomeia interventor no Grupo de Trabalho do Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) depois que o Nordeste sofre uma das piores secas do século, que desaloja meio milhão de pessoas. Celso elabora o estudo "Uma política de desenvolvimento para o Nordeste", origem do Conselho de Desenvolvimento do Nordeste (Codeno). É nomeado seu secretário-executivo. Publica Perspectivas da economia brasileira.

1981

Filia-se ao PMDB, como membro do diretório nacional. Publica "O Brasil pós-"milagre"". Também foi diretor de pesquisas da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris. Lança ainda "A nova dependência, dívida externa e monetarismo", "Não à recessão e ao desemprego" e "Cultura e desenvolvimento em época de crise" nos três anos seguintes.

1985

A convite do recém-eleito presidente Tancredo Neves, integra a comissão de notáveis (COPAG) que elabora um Plano de Ação do Governo. Assume o posto de embaixador do Brasil junto à Comunidade Econômica Européia.

1986

Foi escolhido o ministro da Cultura do governo José Sarney e durante sua passagem elaborou a primeira legislação brasileira de incentivos fiscais à cultura.

Tornou-se membro da Comissão Mundial para a Cultura e o Desenvolvimento, da ONU/Unesco, presidida por Javier Pérez de Cuéllar.

A Academia de Ciências do Terceiro Mundo, em Trieste, cria o Prêmio Celso Furtado, conferido a cada dois anos a um cientista do Terceiro Mundo no campo da economia política. Foi eleito ainda para a Academia Brasileira de Letras.

2004

O então presidente Lula propõe, em seu discurso na ONU, a criação de um centro internacional para discutir políticas de desenvolvimento, a que dará o nome de Celso Furtado. Durante a sessão, Celso recebe um tributo de seu secretário-geral, embaixador Rubens Ricupero, e do secretário-geral da ONU, Koffi Anan, por sua contribuição ao pensamento econômico e ao desenvolvimento.

20/11/2004

Celso Furtado faleceu em casa, no Rio de Janeiro, vítima de parada cardíaca. O presidente Lula decreta luto oficial por três dias.

 

Pedro Sisnando Leite 
Professor da UFC e membro da Academia Cearense de Ciências
Pedro Sisnando Leite Professor da UFC e membro da Academia Cearense de Ciências

Celso Furtado e a luta pelo desenvolvimento do Nordeste

A primeira vez que vi e ouvi um discurso do então jovem economista Celso Furtado (1920-2004) foi em novembro de 1959, quando ele foi ao Teatro Santa Izabel, no Recife, com o presidente Juscelino Kubitschek, para lançar a Operação Nordeste, que seria a precursora da Sudene. Eu estava lá como estagiário do Banco do Nordeste do Brasil (BNB). O teatro estava lotado por todos governadores da Região e muitos parlamentares. Depois de expor brilhantemente suas ideias sobre o que deveria ser feito no Nordeste, ele concluiu: "Doravante essa Região será transformada e desenvolvida”. Fiquei empolgado como estudante de Economia.

As propostas de Celso Furtado para o desenvolvimento do Nordeste foram apresentadas ao Grupo de Trabalho do Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), que deu origem à Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), criada em dezembro de 1959 pelo presidente Juscelino Kubitschek, que nomeou Celso Furtado como seu primeiro superintendente.

Nos últimos anos antes do seu falecimento, Celso Furtado escreveu ensaios apresentando reflexões sobre a economia nordestina. Os pensamentos do emitente economista são de grande atualidade e precisam ser analisados com especial cuidado para entendermos o problema do desenvolvimento regional numa perspectiva histórica.

Uma afirmativa contundente que ele faz numa visão retrospectiva da economia nacional é que “o modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado em nosso país é intrinsecamente desigualitário”.

Indiferente a sua formação marxista, o professor Celso Furtado afirma que o aspecto mais negativo desse modelo de desenvolvimento foi, de alguma forma, o aumento da participação do Estado na economia. Aliás, essa política, se evidencia muito claramente no aumento de 40% do setor público na economia brasileira, ou seja, um sistema de capitalismo de Estado, semelhante ao da atual Rússia.

Uma contribuição relevante que Celso Furtado propôs é atinente à própria teoria do desenvolvimento econômico. Diz ele: “É um equívoco pensar o desenvolvimento econômico como algo quantificável, cuja expansão é a acumulação, o investimento e a função da capacidade produtiva. Com base na experiência mundial, está demonstrado que o “verdadeiro desenvolvimento é principalmente um processo de ativação e consolidação de forças sociais, do avanço da capacidade associativa, do exercício da iniciativa e da inventividade”.

Celso Furtado fez uma sincera e objetiva avaliação do que ele pensava sobre essa política de incentivos. Décadas depois de sua implantação “a industrialização assume a forma de um prolongamento do sistema industrial do Centro-sul do país. O grave neste caso, afirma Celso, é que os salários médios tendem a ser alto, mas a criação de emprego é escassa em razão da elevada capitalização dessa atividade.

A última vez que vi o economista Celso Furtado foi no Banco do Nordeste, com o ex-presidente Lula (2003), para lançar a Medida Provisória da recriação da Sudene, que havia sido extinta pelo ex-presidente FHC. Nesta ocasião, ele falou com o coração: “Temos de reconhecer que trabalhamos muito pelo Nordeste desde a década de 60, não resolvemos o problema da pobreza e as desigualdades regionais".

*É professor titular aposentado do Caen (UFC), ex-secretário de Desenvolvimento Rural do Ceará. ­­Tem mais de 40 livros publicados sobre economia agrícola e economia regional

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