Aos 26 anos, Tabata Amaral é uma das 76 deputadas federais de um total de 513 cadeiras na Câmara. Elegeu-se pelo PDT em 2018, numa onda de renovação da política que ampliou a participação feminina na Casa em 51% se comparada à do pleito de 2014.
Passados dois anos de experiência parlamentar, a deputada conta, em livro, como tem sido o desafio de estimular candidatas a concorrerem a vagas no Legislativo. Recém-publicado, "Nosso lugar, o caminho que me levou à luta por mais mulheres na política" (Cia das Letras) reflete sobre a trajetória da parlamentar de primeira viagem e expõe as inúmeras dificuldades pelas quais a ativista da educação passou nesse percurso.
Primeiro, para se firmar como postulante. Depois, para enfrentar uma campanha eleitoral na qual foi alvo frequentemente de ataques machistas. E, no "Vamos Juntas", para apoiar postulações de mais de 50 mulheres no País. Segundo ela, apesar de avanços, como a lei de cotas de gênero, os partidos políticos ainda são avessos a mudanças.
O POVO - No livro recém-lançado "Nosso lugar" (Cia das Letras), a senhora narra um episódio sobre o espanto de uma eleitora quando se apresentou como então candidata a deputada federal, ainda em 2018. Quando candidaturas femininas não vão mais representar surpresa e passarão a ser algo corriqueiro?
Tabata Amaral - Há estudos que tentam responder a essa pergunta, e quando a gente olhar para eles, a situação não é muito animadora. O Brasil está lá em baixo no ranking de participação das mulheres na política e as estimativas são de que a gente leve aproximadamente 100 anos para atingir a igualdade de gênero na política, o que é muito tempo. Eu quero viver para ver essa transformação. Para ver uma foto do Congresso, da Assembleia Legislativa de São Paulo e das câmaras municipais Brasil afora e de fato ver as mulheres ali representadas em toda a sua diversidade. Mulheres negras, mulheres com deficiência, jovens, meninas, mães e avós. Se a gente não fizer nada, se não mudar o ritmo dessa transformação, vai levar muito tempo. O "Vamos Juntas", entre outras iniciativas que tentam avançar essa luta de uma forma um pouco mais rápida, por meio do apoio das mulheres que estão se candidatando agora, vem para acelerar essa mudança. Porque, se não mudarmos nossa rota, vai levar
muito tempo.
O POVO - O lançamento de mais candidaturas de mulheres é suficiente ou são necessárias outras ferramentas para isso?
Tabata Amaral - Indo lá no começo, a gente precisa ter um lugar na escola onde meninas e meninos aprendam a sonhar e conquistar seu direito. Tem um projeto que apresentei como sugestão de uma mulher que participou do "Parlamento Jovem". É um projeto que estipula que, nas escolas públicas, vamos ter um momento em que a gente fale das mulheres que fizeram História. Porque a gente sabe que as mulheres contribuíram muito para a ciência, para a política, academia, esporte, mas essas histórias não são contadas pra gente. Esse é um primeiro passo, olhar para a escola e a educação como um lugar onde a gente combate os preconceitos que existem. Combate o racismo, o machismo. Há uma segunda questão que tem a ver com os partidos hoje. Se os partidos não mudarem, a nossa política não vai mudar. E eu falo de A a Z, da esquerda à direita. Infelizmente, o machismo não é monopólio de um dos lados do espectro. Se não tivermos partidos mais democráticos, inclusivos, éticos, partidos que se disponham a estar conectados com a sociedade, vamos continuar a estar com essa barreira que existe hoje. Temos a regra de que 30% das candidaturas precisam ser de mulheres. Na última eleição, tivemos avanço enorme, que é o financiamento público proporcionalmente dividido entre homens e mulheres. E, ainda assim, a gente vê o tanto de criatividade e de maracutaia que os partidos fazem para impedir que as mulheres ocupem esse espaço.
O POVO - Como tem funcionado o "Vamos Juntas" e qual cenário tem encontrado?
Tabata Amaral - O "Vamos Juntas" é um movimento suprapartidário e nacional por mais mulheres na política. Estamos apoiando 51 candidatas de todo o espectro político e das cinco regiões do Brasil, com trajetórias e vivências muito diversas. E está acontecendo uma coisa com elas, independentemente de serem de direita ou de esquerda, mais velhas ou mais novas, que é o tanto de violência que estão sofrendo. São "nudes", ameaças, mensagens pornográficas, ofensas, coisas que são muito particulares à experiência da mulher, mas que eu, por exemplo, quando enfrentei na minha campanha, me perguntei sobre o que eu estava fazendo de errado e por aquilo estava acontecendo comigo. Parte dessa transformação passa por apoiarmos essas mulheres para que elas não desistam, porque a campanha pode ser muito dura, mas também colocá-las em contato com o que a gente puder oferecer de curso, de formação e informação. No momento em que entenderem que estão recebendo aquilo não porque postaram uma foto errada, porque escolheram a blusa errada ou disseram algo errado, mas porque as pessoas ainda não as veem como atrizes políticas, acredito que vão ter mais força.
O POVO - Também no livro, a senhora cita uma reunião do partido durante a campanha e na lista de presença, constavam o seu nome lá no finalzinho e a profissão: "blogueira". É difícil mudar essa estrutura partidária?
Tabata Amaral - A minha vivência no PDT não é única e não é particular. Hoje tenho muito orgulho da bancada feminina que temos na Câmara. Somos quase 80 parlamentares, e é surpreendente, ou não, se você estuda isso um pouco, o quanto as experiências que eu vivi são comuns a outras deputadas, mesmo que em contextos muito diferentes. Esse episódio que eu narro é muito simbólico. Não teria nenhum problema se eu fosse blogueira, mas eu não era. Eu sou cientista política, ativista pela educação, minhas redes sociais não eram fortes e eu nunca tive um blog. E que alguém consiga colocar na planilha oficial do partido que a minha profissão é blogueira, independentemente do quanto eu trabalhe... Eu tinha cinco mil voluntários na campanha, então eu teria mais de cinco mil votos. Eu estava fazendo uma campanha muito bonita, e que, mesmo assim, as pessoas duvidassem da minha capacidade e me dissessem constantemente que as urnas mostrariam que aquele não era o meu lugar, para mim fala muito de uma dificuldade estrutural dos partidos de acreditarem que, sim, as mulheres têm capacidade para estarem aqui. Quando a gente fala da luta por mais mulheres na política, é muito mais difícil fazer isso se a gente tem que lugar contra os partidos, porque são extremamente importantes para a democracia. Qual a minha provocação: primeiro, os partidos não recrutam as mulheres que já estão liderança transformações em empresas, em ONGs, nas suas comunidades, nos bairros. Eles recrutam os homens. As mulheres têm que chegar lá, pedir uma reunião e passar por uma série de humilhações, como eu passei e tantas mulheres passam. Os partidos não vão ajudar você com visibilidade e financiamento da mesma forma que eles fazem com os homens. E sequer é ajudar, porque, se o financiamento é público e o objetivo dele é tornar a democracia mais inclusiva, a gente deveria ter regras mínimas. Tem uma série de provocações quando a gente fala de visibilidade, de financiamento e do ambiente em que as decisões são tomadas. É difícil pensar num partido em que a presidente seja uma mulher e em que os dirigentes mais influentes sejam mulheres. Acho que os partidos são importantes para a democracia e que a gente precisa de coragem para enfrentar esse problemão, entendendo que precisam ser fortalecidos, mas se desconectaram muito da sociedade.