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"Vamos ter que viver uma transição", diz dr. Cabeto
Reportagem

"Vamos ter que viver uma transição", diz dr. Cabeto

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Tipo Notícia
SECRETÁRIO DA Saúde, Dr. Cabeto, 
fez balanço das ações da pasta 
durante a pandemia (Foto: Barbara Moira)
Foto: Barbara Moira SECRETÁRIO DA Saúde, Dr. Cabeto, fez balanço das ações da pasta durante a pandemia

Conforme Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (dr. Cabeto), Secretário da Saúde do Ceará, medidas de isolamento e estruturação da rede de saúde ocorreu em tempo oportuno no enfrentamento à Covid-19. Orientação para que pacientes procurassem atendimento apenas após sintomas graves — feita no início da pandemia por entidades internacionais de saúde e seguida pela Sesa — foi um erro. Segundo dr. Cabeto, orçamento da saúde deve aumentar em 10% no próximo ano. Até metade de 2021, o gestor reitera promessa de que filas de cirurgias no Ceará serão zeradas e regionalizadas. Modelos de sistemas de saúde e a cadeia de produção da economia da saúde precisa ser repensada. 

O POVO - Qual o balanço das ações do Ceará no enfrentamento à Covid-19? Quais os pontos fortes? Onde errou?

Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho - O que o Ceará acertou? Primeiro, fazer o isolamento muito precoce. Não há dúvidas e nossos cálculos mostram que muitas vidas foram poupadas em acertar o momento do isolamento. Segundo, nos prepararmos para a pandemia estruturando o estado da maneira adequada. Aquisição de um hospital específico para coronavírus como foi o Leonardo da Vinci; suspensão no momento exato das cirurgias eletivas; estruturação da nossa rede no Interior através dos hospitais regionais; organização de 12 municípios com Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), que são permanente; a estruturação e a compra precoce de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), inclusive, podendo disponibilizar para as entidades privadas e para os 184 municípios. Outra coisa fundamental foi a harmonia entre os poderes. Foi de bom senso construir um comitê de governança da crise que facilitou muito as decisões. O comitê se reúne semanalmente e inclui mais de 50 entidades de representação social onde apresentamos os dados técnicos epidemiológicos e as decisões passam a ser compartilhadas. Depois um comitê menor além de um comitê específico que trata da economia.

O que poderíamos ter feito melhor? Acho que algumas decisões são muito importantes. O mundo inteiro tem que reconhecer que desconhecia muita coisa da pandemia. A forma de isolamento do Estado através das suas portas de entrada, dos aeroportos, que é muito mais demanda federal do que estadual, poderia ter tido papel importante. A forma de comunicação inicial. O mundo inteiro pautou uma coisa chamada: “não vá ao hospital, espere ter falta de ar”. De gente viu o decorrer. Acho que o mundo errou. O CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos) errou, a Organização Mundial da Saúde errou. É preciso que se diga claramente. A gente viu que quando esse doente chegar mais precoce você melhora a qualidade da estratificação de risco, melhora o resultado do tratamento. Essa forma de comunicar poderia ter sido melhor.

Esse cenário de aprendizado tem que servir para que a gente não cometa erros como os do passado. Saímos de um pico maior em meados de maio, onde a gente teve algo em torno de 160 mortes por dia. Um volume que felizmente foi reduzido por conta das ações de isolamento. Tínhamos curvas onde os valores eram muito maiores nos preocupávamos com a ideia de Fortaleza foi um dos maiores núcleos da pandemia no Brasil. Isso se deve a características geográficas e populacionais, o hub aéreo, densidade populacional, modelo das moradias. Mas a gente não pode incorrer em um erro. Passamos isso, preparamos o Estado, os profissionais de saúde tiveram uma dedicação fundamental. Reduzimos, tivemos uma queda abrupta. Acho que a partir desse momento passamos a conhecer melhor, os acertos foram maiores que os erros e o Ceará vem passando por essa pandemia.

Acho que agora estamos em um momento que a consciência da população para esse novo momento da pandemia é fundamental. Conhecer como cada um pode proteger os familiares, uso permanente da máscara, higienização das mãos, evitar aglomerações. A gente sabe da necessidade que a economia tem. É preciso não relaxar e nós da Secretaria do Estado do Ceará temos a obrigação de estar todo tempo orientando, lembrando, educando, pedindo a colaboração.

Outro aspecto que é bom lembrar é ficou muito claro que algumas coisas precisam mudar. Não dá para esquecer que no Brasil e no mundo. Temos que entender cada país de um jeito diferente, temos países mais jovens. Comparar a Itália, França com o Brasil não tá correto. Comparar sudeste com nordeste, muitas vezes, não tá correto. Mas algumas coisas ficaram claras aqui no nordeste. Primeiro, que 80% da população que faleceu é de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) baixo e que chegou mais tarde no hospital. Por um lado, o SUS (Sistema Único de Saúde) foi extremamente eficiente porque conseguiu atender as pessoas e os profissionais de saúde fizeram um esforço enorme. Cabe ao país repensar os modelos de saúde. Outro aspecto importante que não foi só para o estado, foi para o mundo, é de que a cadeia de produção da economia da saúde precisa mudar e a gente já vinha discutindo isso no Estado. O Estado já vem estabelecendo novos paradigmas nesse aspecto. Não dá para depender de todos os lugares. O mundo inteiro teve dificuldade para adquirir máscara. Faltou respirador no mundo. Assistimos dentro do Aeroporto de Pequim pirataria na aquisição de respiradores. Aviões inteiros comprados por outros países sendo requisitados por países com poder econômico maior ou com relações comerciais mais sólidas com a China. Vimos um mundo perplexo diante da incapacidade de atender pessoas. Precisamos qualificar melhor o sistema, valorizar o trabalho das pessoas, mudar o modelo de organização, fortalecer ainda mais a transparência e dar ênfase à economia da saúde.

Quando a gente fala de incentivos, atração de empresas, de indústrias é um mecanismo de desenvolvimento, modelo de desenvolvimento. Nós temos defendido que é preciso incorporar a saúde como um ato que pode mudar a realidade social. A Secretaria da Saúde está se desenhando para isso, buscando mecanismos de cooperação internacional, alguns já estão em execução. Atrasou um pouco na pandemia mas vocês vão ver até o final de 2020, 2021 essas parcerias para melhorar a qualificação, interiorizar o ensino na área de saúde. Vimos países com número de leitos de UTI com per capita muito melhor, ter respostas melhores, Alemanha. E vimos países muito potentes como Estados Unidos sofrerem uma desgraça, uma desmoralização do sistema de saúde com indicadores terríveis, número d e pessoas desassistidas muito além do esperado.

Entre erros e acertos, as pessoas fizeram um esforço enorme, tentaram romper as barreiras das dificuldades. A Sesa se pautou em métodos científicos, teve a coragem de defender isso permanentemente para salvaguardar as pessoas, garantir a segurança da sociedade. Teve força e soube manter a coerência na hora de fazer isolamento a despeito das enormes pressões que o governador e nós na secretaria sofremos, mas entendendo que era a coisa certa, que estávamos fazendo de forma ética. A saúde deve sair fortalecida, essa pandemia não acabou. Vamos ter que viver uma transição porque mesmo que tenha vacina vamos ter que aprender a conviver com o coronavírus. Isso inclui um novo modelo de atenção à saúde que precisa ser desenhado.

OP - Vimos o pico da Covid-19 sendo registrado em tempos diferentes nas regiões do Ceará. Qual a avaliação do Estado como um todo agora?

Dr. Cabeto - Temos realidades bem diferentes. Temos a região de Fortaleza, talvez a macrorregião de Fortaleza — que vai de Cascavel até Itapipoca —, que parece estar na mesma fase. Fase diferente da região de Sobral, Camocim, Massapê, Itarema, que tá um pouco depois. Estão caindo os indicadores, mas não tem razão de transmissão parecida com a de Fortaleza, é um pouco a mais. Temos a região do Cariri, que tá ainda mais atrás. E temos uma região que é epidemiologicamente diferente que é a do Jaguaribe e Sertão Central, que tem uma densidade populacional mais baixa e, portanto, mantém um pico mais tempo. É possível que a quantidade de pessoas infectadas em Fortaleza percentualmente tenha sido maior do que nós temos hoje nas outras regiões. Então, implica em cuidados diferentes. Isso vai ser muito discutido na questão da abertura de atividades que tragam maior aglomeração. Entramos na fase quatro em todas as regiões mas faseamos a fase quatro prudentemente. Colocamos mais três fases e agora estamos decidindo semana a semana, de acordo com a avaliação epidemiológico. É preciso cada município atentar para a sua realidade, se estruturar através da atenção básica e da vigilância epidemiológica para tomar a decisão adequada e reconhecer bem os surtos. São movimentos. Como um todo, o Ceará está em queda. Fortaleza, uma queda maior do que nas outras regiões.

OP - Com a Covid-19 quanto já foi gasto este ano em saúde? Quanto isso representa do orçamento que estava previsto? Como será o próximo ano? Há previsão de quais áreas precisam ser reforçadas?

Dr. Cabeto - Vamos concretizar essa discussão no dia 21, em uma reunião do Cogef (Comissão de Gestão Fazendária). Estamos preparando uma discussão junto com o governo para a gente terminar o orçamento da saúde para o ano de 2021. Sabendo que o Estado está ampliando muito a sua regionalização. Deve ser acrescentado pelo menos 10% do valor orçamentário do ano anterior. Essa é a expectativa. Algo em torno de R$ 250 milhões a mais no orçamento para estruturação assistencial, de custeio. De investimento, está marcado para outubro uma licitação do hospital universitário da Uece (Universidade Estadual do Ceará), com 660 leitos. Primeiro hospital universitário estadual do Ceará para fortalecer a universidade estadual. São 300 milhões de investimento. A reforma das unidades existentes, está ainda em execução. A modernização da rede hospitalar no Interior para além da expansão das áreas de oncologia, cardiologia, neurologia, pediatria e cirurgias de alta complexidade nas regiões do Ceará. Além da expansão de 750 vagas de residência de pós-graduação lato senso expandindo a qualificação no Interior. Só isso inclui um aumento no orçamento de algo em torno de 30 milhões, só a área de ensino. O Ceará está dando mostras, e o governador Camilo Santana tem mostrado claramente, que entende a saúde como meio de desenvolvimento social fundamental. O Ceará pretende ser líder nessa área quer seja no desenvolvimento de tecnologia, quer seja no desenvolvimento industrial, quer seja no modelo de saúde. É preciso investir com eficiência. Não adianta gastar muito e ter pouco resultado. O Estado fez um investimento vultuoso na Covid-19 com aquisição de equipamentos, que são permanentes, custeio de unidades que não tinham condição de ser custeadas. Algo em torno de R$400 milhões a mais de gastos de custeio. Teve a participação do Governo Federal. Recebemos repasses importantes para custeio dessas atividades, principalmente para habilitação de UTIs. É preciso fazer justiça ao Ministério da Saúde, que trouxe uma boa colaboração no custeio dessa unidades para que a gente pudesse dar esse atendimento que, a meu ver, nunca é ideal. Mas está se aprimorando cada vez mais. O custo total da saúde do Estado, orçamento só do Fundo de Saúde, dá algo em torno de R$ 2,4 bilhões. Custo total inclui receitas municipais e federais, que vai para algo em torno de R$9 bilhões.

OP - Qual o foco atual na gestão de enfrentamento da Covid-19?

Dr. Cabeto - Agora, é preciso conviver com as duas coisas. Deixar estruturas que sejam ágeis para reconhecer a Covid-19 precocemente e ampliar a capacidade de atendimento de câncer, doenças cardiovasculares, doenças neurológicas. Durante um tempo, muita gente deixou de procurar o serviço. Mas essas doenças caminham e, às vezes, acentuam. O estresse pode acentuar tudo isso. Após grandes catástrofes costumamos ver aumento de grandes doenças. O grande desafio é aumentar rapidamente a regionalização, mudar o perfil da rede hospitalar para atender a isso. É isso que estamos fazendo, reiniciamos cirurgias no HGF (Hospital Geral de Fortaleza), em Messejana (Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes), deixamos a maioria dos leitos Covid-19 no Hospital Leonardo da Vinci. Vamos destinar metade dos leitos a cirurgias eletivas. A ideia é que até o meio do ano que vem a gente tenha terminado todas as filas de cirurgias no Estado do Ceará com essa regionalização. A gente tenha isso resolvido de uma vez por todas e regionalizadas. Já fazia parte do plano de modernização da saúde executar as cirurgias in loco, não transferir todo mundo para Fortaleza. Por isso, a gente está agregando melhora da qualificação tecnológica, ampliação da residência, criação das fundações de saúde para criação de emprego altamente qualificado, desenvolvimento das regiões. Planejamento muito integrado, estruturado que tem sido um dos maiores objetivos do Governo do Estado.

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