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Guia alimentar brasileiro ameaçado por revisão de governo federal
Reportagem

Guia alimentar brasileiro ameaçado por revisão de governo federal

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Qualidade da alimentação: Ministério da Agricultura quer retirada de críticas a ultraprocessados em guia alimentar (Foto: Fabio Lima)
Foto: Fabio Lima Qualidade da alimentação: Ministério da Agricultura quer retirada de críticas a ultraprocessados em guia alimentar

Publicado pelo Ministério da Saúde (MS) em 2014, o Guia Alimentar para a População Brasileira entrou em pauta nas últimas semanas por causa de uma nota técnica em que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) solicita ao MS que a publicação seja revisada. No documento, são feitas críticas às recomendações de se limitar o consumo de alimentos ultraprocessados e de alimentos de origem animal.

Após a publicação da nota técnica, os Conselhos Federal e Regionais de Nutricionistas, a Associação Brasileira de Nutrição (Asbran), a Federação Nacional dos Nutricionistas (FNN) e a Executiva Nacional de Estudantes de Nutrição (Enen) posicionaram-se pela defesa e valorização do Guia Alimentar, assim como o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da Universidade de São Paulo (Nupens/USP). O Núcleo participou da elaboração do Guia Alimentar, ao lado do Ministério da Saúde e da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Na última quarta-feira, 23, um grupo de 33 cientistas de universidades de diferentes países, como Inglaterra, Estados Unidos, Chile, México, Canadá e Austrália, enviaram uma carta à ministra da Agricultura, Tereza Cristina, em apoio ao Guia. Nela, os signatários apontam preocupação com a nota técnica — que, de acordo com eles, "foi evidentemente escrita sem um claro entendimento sobre a pesquisa científica acerca do assunto" e levanta "críticas injustificadas" à publicação. 

"O Guia Alimentar brasileiro é reconhecido por organismos internacionais como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e tem inspirado guias alimentares de outros países, o que atesta seu reconhecimento e legitimidade pela comunidade científica", afirma Maria Marlene Marques Ávila, professora do curso de Nutrição da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Segurança Alimentar e Nutricional (GPSAN).

Na nota técnica, o Mapa afirma que "a classificação NOVA utilizada é confusa, incoerente e prejudica a implementação de diretrizes adequadas para promover a alimentação adequada e saudável para a população brasileira". Essa classificação descreve os alimentos com base no grau de processamento — dos alimentos in natura aos ultraprocessados, como refrigerantes e macarrão instantâneo, nutricionalmente desbalanceados.

Para Patrícia Jaime, vice-coordenadora científica do Nupens e professora do departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, facilitar o acesso a alimentos ultraprocessados, em um contexto de insegurança alimentar e nutricional, "só expõe a população brasileira — e, em geral, sua parcela mais pobre — a um maior risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis". Exemplos dessas doenças são diabetes e hipertensão.

Em nota de esclarecimento, o Ministério da Agricultura afirma que "o assunto está sendo debatido internamente, em Câmaras Setoriais do Mapa, tendo como referência princípios científicos". Além disso, a pasta aponta que os textos que circularam em redes sociais são minutas de documentos internos e sugerem, entre outros temas, a participação de engenheiros de alimentos na atualização do documento.

Patrícia Jaime, por sua vez, afirma que a nota técnica não se baseia em evidências científicas. "Pelo contrário, ignora a vasta literatura que mostra o poder nocivo dos alimentos ultraprocessados na saúde humana."

 

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