Depois de muitas críticas à proposta de financiar o Renda Cidadã, programa que viria a suceder o Bolsa Família e o auxílio emergencial, com recursos de precatórios e do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o Governo Federal decidiu deixar o debate para depois das eleições. Porém, a dificuldade de fazer isso sem ferir o teto de gastos mostra que essa é uma discussão que está longe do fim.
Pela PEC 55/2016, a Lei do Teto de Gastos, as despesas públicas são limitadas aos gastos do ano anterior, corrigidos pela inflação. Ou seja, para respeitar, não adiantaria criar uma fonte de receita adicional para o programa, seria necessário remanejar de outras áreas.
Neste ano, essa regra foi flexibilizada em função do estado de calamidade pública causada pela pandemia. Mas há uma pressão do mercado para que isso não se repita em 2021 por conta do rombo das contas públicas, que deve fechar o ano em R$ 861 bilhões, nas estimativas do próprio governo.
Dentre as propostas que já foram aventadas pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes, mas que depois foram rechaçadas diante da saraivada de críticas, também esteve a de acabar com o abono salarial, o seguro-defeso, o salário-família e o Farmácia Popular e usar o dinheiro desses programas para ampliar o Bolsa Família.
Em outra tentativa, foi cogitado congelar aposentadorias e restringir o acesso ao seguro-desemprego. O que também foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. Agora, dentre as hipóteses trabalhadas pelos técnicos do governo está a proposta de desindexação das aposentadorias e pensões superiores a um salário mínimo.
Na avaliação do professor da Universidade do Estado do Ceará (Uece), Lauro Chaves, PHD em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, um dos grandes avanços desta discussão sobre a renda mínima é que hoje já existe consenso, dentre todas as correntes políticas e Poderes, de que é fundamental para o Brasil ter um programa dessa natureza para combater a pobreza extrema, reduzir desequilíbrios regionais e ampliar o mercado interno.
Porém, ele não concorda que para isso tenham que ser retirados recursos de áreas essenciais como educação ou saúde. "Seria arremedo. Também não podemos aumentar a carga tributária brasileira. Para mim, a saída seria, dentro do pacto federativo, fechar muitas torneiras, para evitar desperdícios. Além de incentivar Parcerias Público-Privadas (PPPs) em diversas áreas e fazer a reforma administrativa e tributária".
Já no entendimento do diretor de estudos técnicos do Sindifisco, Marcelo Lettieri, será muito difícil fazer qualquer manobra sem ferir o teto de gastos em 2021. Para ele, é preciso rever isso não somente para garantir a fonte de financiamento para o programa, como diante da necessidade de estimular a economia.
"A recuperação não será em V, como projeta o ministro Paulo Guedes. Muitas empresas faliram, milhares perderam o emprego e não dá para simplesmente cortar este colchão que ajudou a amortecer a queda porque a situação não estará muito diferente no início de 2021. Pelo contrário, estará pior com o fim das medidas emergenciais. Talvez tenha que aumentar sim as despesas"
Outro caminho estaria na reforma tributária. "Mas não essa que está sendo discutida no Congresso que tem foco apenas no consumo. É preciso discutir a taxação dos super ricos, a questão da heranças, lucros e dividendos porque aí sim estaríamos fazendo um sistema tributário mais justo, arranjando uma fonte para financiar o programa de renda mínima e reduzindo a desigualdade no País", afirma Lettieri.