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O "Rei" que fechou o comércio do Cariri, mas nunca venceu o Ceará
Reportagem

O "Rei" que fechou o comércio do Cariri, mas nunca venceu o Ceará

| Contra cearenses | Na carreira, o Rei do Futebol desfilou maestria oito vezes no Estado, sendo seis no Presidente Vargas, uma no Castelão e uma no Romeirão, em Juazeiro do Norte
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20 de novembro de 1969 - Capa de caderno de Esportes do O POVO sobre o gol mil de Pelé (Foto: Acervo O POVO)
Foto: Acervo O POVO 20 de novembro de 1969 - Capa de caderno de Esportes do O POVO sobre o gol mil de Pelé

A primeira vez que Pelé pisou num gramado cearense foi no dia 18 de julho de 1959, em empate em 2 a 2 com o Fortaleza em amistoso no Presidente Vargas. Quinze anos depois, em 18 de julho de 1974, o Tricolor seria o último time da Terra da Luz a encarar o Rei. Desta vez no estádio Pacaembu, em São Paulo, a igualdade também ficou no placar e o Leão do Pici nunca venceu o Alvinegro Praiano com o maior dos ídolos em campo. O primeiro encontro, porém, teve momento histórico.

23 de setembro de 1973 - Pelé tenta, mas não consegue superar Hélio Show, goleiro do Ceará em vitória cearense por 2 a 0
Foto: Acervo O POVO
23 de setembro de 1973 - Pelé tenta, mas não consegue superar Hélio Show, goleiro do Ceará em vitória cearense por 2 a 0

Sorte diferente teve o Ceará. Foram três confrontos com o Santos do Pelé: um empate e duas vitórias. Ou seja, zero derrota.

Seguem, abaixo, o resumos das visitas e confrontos do Rei do Futebol com equipes cearenses. 

Estádio Presidente Vargas (Fortaleza) - Amistoso - Pelé marcou dois gols

No dia do jogo, O POVO trouxe “flagrante de José Rosa” da chegada do Santos à Capital, pela madrugada. Na interna, o destaque era que apesar de a equipe ter chegado, Pelé só desembarcaria no dia seguinte. Em entrevista, porém, já havia a certeza de que o Rei viria, enquanto destacava-se a “Enorme Anciedade do Público Para ver o Santos, com Pelé, Zito, Pepe e Tudo”. (O POVO, 18/7/1959, página 9). O confronto foi apelidado “Jogo do Milhão”, diante da expectativa de inédita renda superior a 1 milhão de cruzeiros. Edson Arantes do Nascimento tinha 17 anos.
Pelé 80 anos: O POVO registrou, em 18 de julho de 1959, Pelé e Pepe trajados com a camisa do Fortaleza antes do primeiro jogo do Rei no Estado
Foto: José Rosa em 18/7/1959
Pelé 80 anos: O POVO registrou, em 18 de julho de 1959, Pelé e Pepe trajados com a camisa do Fortaleza antes do primeiro jogo do Rei no Estado
Dois dias depois, em 20 de julho (não houve edição em 19), o destaque era para o esforço do Tricolor. “Embora jogando muito, o campeão brasileiro não venceu a resistência do Fortaleza” (O POVO, 20/7/1959, página 7). Para a crônica da época, Pelé confirmou “seu enorme cartaz”.

O grande feito do Fortaleza estava estampado na mesma página. Junto a Pepe, que viria a treinar o Tricolor do Pici em 1985 — sendo campeão cearense —, o craque vestiu vermelho-azul-e-branco antes da partida para receberem, os dois, medalhas em homenagem ao título mundial do Brasil, conquistado um ano antes. O clique foi de José Rosa de Araújo e foi republicado no O POVO de 4 de outubro de 1974.

Estádio Presidente Vargas (Fortaleza) - Amistoso de despedida de Zito - Pelé marcou um gol

Pelé 80 anos: 8 de novembro de 1967 - Capa do O POVO destaca vitória do Santos sobre o Ferroviário
Foto: Acervo O POVO
Pelé 80 anos: 8 de novembro de 1967 - Capa do O POVO destaca vitória do Santos sobre o Ferroviário
Oito anos depois, “Fortaleza tem encontro hoje com Pelé & Cia”, destacava a Primeira Página do O POVO de 7 de novembro de 1967. Sem camisa, o craque era vendido junto à capa de jornal. A partida era vista como o “jôgo do ano”. “O Santos está escalado, Pelé e outros dez”.
No pós-jogo, o destaque da Primeira Página era “Santos armou o circo no Presidente Vargas e Pelé comandou o show”. (O POVO, 8/11/1967, página 1). O texto aponta que a homogeneidade da equipe da Vila Belmiro só é quebrada pela superioridade do Rei. A cobertura segue em mais duas páginas de loas a Pelé, com direito a crônica de Alan Neto: “Apoteose”.

Estádio Presidente Vargas (Fortaleza) - Amistoso de entrega de faixas de campeão invicto ao Tubarão

Na edição de fim de semana (3 e 4 de agosto de 1968), o confronto era destaque. “Jôgo Santos x Ferrim Será Brinde de Luxo do Nôvo Campeão!”. “Os desportistas cearenses receberão, hoje, de braços abertos, a rapaziada que forma a poderosa equipe do Santos Futebol Clube, inegavelmente, ainda o melhor time do mundo”, dizia, citando os bicampeões do mundo Pelé, Gilmar, Rildo e Pepe.

“Nada mais queremos acrescentar. Mesmo porque o time do ‘Santos’ não é pra ser comentado. Mais vale vê-lo jogar. E é o que todos nós devemos fazer, indo, amanhã, ao ‘Presidente Vargas’”.

No dia seguinte à partida, “Nem Santos, Nem Pelé” foram perdoados pela má atuação no 0 a 0 com o “Ferrim”.

Estádio Presidente Vargas (Fortaleza) - Campeonato Brasileiro (Campeonato Nacional de Clubes)

O Ceará foi o último dos grandes a enfrentar Pelé. Na véspera do jogo, entrevista com o Rei, em coletiva, com participação de José Maria Melo e Alan Neto, o craque elogiava Carlindo, do Alvinegro, criticava (João) Saldanha, garantia que nem o ditador Médici o convenceria a se “desaposentar” da seleção e prometia “investir” em negócios do Nordeste.

Com duas fotos de Pelé na Primeira Página, o pós-jogo destacava a partida parelha em que, segundo a crônica da época, o Ceará mereceu vencer. Um ano depois, a história poderia ser recontada.

Estádio Presidente Vargas (Fortaleza) - Campeonato Brasileiro (Campeonato Nacional de Clubes) - Pelé marcou um gol

O então alardeado “jogo mil de Pelé” veio com foto do Rei e de um cabeludo Alan Neto — que à época fizera entrevista exclusiva com o santista. A “bomba de mil megatons” era que o craque marcara a aposentadoria para dali a dois anos. Acabou sendo verdade parcial, em vista de que a carreira dele teve sobrevida nos Estados Unidos, no New York Cosmos. O colunista segue firme e forte nas páginas do Esportes O POVO, com coluna publicada de segunda a sábado.
Pelé 80 anos: 4 de dezembro de 1972 - No jogo mil de Pelé, o Ceará vence o Santos por 2 a 1
Foto: Acervo O POVO
Pelé 80 anos: 4 de dezembro de 1972 - No jogo mil de Pelé, o Ceará vence o Santos por 2 a 1

A expectativa era para um jogo de recordes. A edição trazia um perfil de página inteira da equipe, então dirigida por Pepe. Na entrevista a Alan Neto, Pelé antecipava. “Vou dizer comigo mesmo. Hoje eu paro. E quando a partida terminar, eu anunciarei oficialmente minha decisão”. (O POVO, 2/12/1972)

O tal jogo mil, porém, teve mais feitos históricos. “Ceará vence o Santos no jogo mil de Pelé”, grita a manchete. Duas fotos ilustravam: o gol de Pelé, que abriu o placar, e o de Da Costa, que fechou. Para O POVO, a presença do Rei superou todas as expectativas e quebrou todos os recordes. Renda de Cr$ 217.571,00, público de 35.752 pessoas no miúdo PV. O POVO destacava que Pelé não fez grande partida, “mas deu para os gastos”. O Santos jogou, então, sem oito titulares, o que “não chega a tirar o mérito da vitória do bicampeão cearense”.

Além de Pelé e Da Costa, o empate veio com gol de Samuel. O Rei foi aplaudido após marcar o gol. E vaiado, quando arrematou chute para fora. Segundo O POVO, o goleiro Hélio foi o craque da partida.
Pelé 80 anos: 4 de dezembro de 1972 - Ceará vence o Santos no milésimo jogo de Pelé
Foto: Acervo O POVO
Pelé 80 anos: 4 de dezembro de 1972 - Ceará vence o Santos no milésimo jogo de Pelé

À época, porém, o arqueiro não via tal desafio como intransponível — até por pouco saber quem era Pelé à época. “Eu, muito jovem, não sabia a importância do Pelé. Eu fui criado no Amazonas e vim para Fortaleza tentar jogar futebol. Com 20 anos já estava no profissional do Ceará, contra as feras brasileiras. Acabou que coincidiu do jogo com o Pelé, acabei tratando como um jogo qualquer”, admite, ao O POVO. “Só depois de um tempo foi que eu vim saber a importância da partida. Ganhamos de 2 a 1 como se tivéssemos ganhado do Fortaleza”, confessa, revelando sequer ter tirado uma fotografia no encontro.

O ex-goleiro, porém, lembra da estranheza de Pelé reclamando que o “garoto” (ele) parecia que não queria deixá-lo marcar o gol na festa do Rei. Depois que caiu a ficha, Hélio admite que foi o maior jogo da própria carreira.

Tanto ele quanto Erandy, outro destaque do time alvinegro da época, destacam a força daquele Ceará. “Hélio, Paulo Tavares, uma defesa quase imbatível no Presidente Vargas. Meio-campo com Arthur, Joãozinho, na frente com Erandy, Da Costa, Zé Eduardo, era um timão, meu amigo, não era mole não”, diz o goleiro, 48 anos depois. Para ele, um dos grandes momentos foi quando Arthur jogou uma bola por baixo das pernas de Pelé e, pouco depois, o santista respondeu na mesma moeda. “Respeita o rei”, teria dito.

Também ao O POVO, Erandy remonta o clima da torcida, com 35 mil pessoas lotando o estádio Presidente Vargas. “ A torcida do Ceará também queria ver um gol do Pelé, ver ele jogar. Queriam que a gente ganhasse, mas queriam ver um gol dele”. Amém. (Colaborou Rhaniel Guimarães / Especial para O POVO)

Estádio Presidente Vargas - Campeonato Brasileiro (Campeonato Nacional de Clubes)

Como vencer Pelé não era novidade para o Ceará, a vitória alvinegra dividiu espaço com o Fortaleza 2x1 América-RJ. O Rei disse, inclusive, que a vitória por 2 a 0 do Vovô, gols de Jorge Costa e Erandy, foi “justa e merecida”. Em foto, o novo triunfo do goleiro Hélio sobre o craque santista era destacada.

Quase 50 anos depois, Erandy ainda tem viva a memória do segundo gol da partida que, segundo ele, “fechou o caixão” aos 43 do segundo tempo. “Mesmo com Pelé em campo, era humanamente impossível uma virada”, disse ao O POVO.
24 de setembro de 1973 - Capa do O POVO após a segunda vitória do Ceará sobre o Santos
Foto: Acervo O POVO
24 de setembro de 1973 - Capa do O POVO após a segunda vitória do Ceará sobre o Santos

“O Santos estava atacando, na nossa intermediária, e foi roubada essa bola, que caiu no pé do Samuel, que lançou para mim em profundidade, no contra-ataque, e ficou entre eu e o Carlos Alberto Torres. Eu fui mais rápido que ele, me antecipei, cheguei primeiro, toquei e tirei ele da jogada, entrando na grande área e ficando de cara com o Cejas, só eu e ele. O Cejas saindo — ele era um goleiro muito grande —, e abriu os braços, fechou o ângulo e eu fiquei esperando. Quando ele colocou o pé de apoio, o esquerdo, eu toquei de lado e a bola entrou no lado esquerdo dele”, descreve, como num pós-jogo de 2020.

Erandy vê o gol como um dos vários grandes momentos dele pelo Ceará, ao lado do gol do bicampeonato cearense em 1971 e o primeiro gol da história do Castelão, naquele mesmo 1973.
1º de dezembro de 1972 - Pelé em campo em treino antes de jogo contra o Ceará
Foto: Acervo O POVO
1º de dezembro de 1972 - Pelé em campo em treino antes de jogo contra o Ceará

Hoje morando em Natal, onde até ano passado era coordenador das categorias de base do ABC-RN, Erandy celebra o fato de ter vencido duas vezes “o melhor do mundo, o melhor de todos os tempos na história do futebol”. “Não vejo um comparativo com qualquer que seja o atleta, por melhor que ele tenha sido tecnicamente falando, (não há ninguém) que chegue perto do Pelé”.

Perguntado sobre a invencibilidade do Ceará dele sobre o Santos de Pelé, Hélio Show dimensiona. “Rapaz, é uma felicidade enorme. Você ser cearense, criado nas brenhas do Amazonas, ouvindo Rádio Canarinho na Copa de 70, vendo o Pelé jogar e depois você jogar contra o Pelé, é uma felicidade enorme”. Hoje, o ex-goleiro também mora em Natal, onde tem uma empresa de buggy. Mas segue visitando Fortaleza sempre que possível. (Colaborou Rhaniel Guimarães / Especial para O POVO)

Estádio Castelão (Fortaleza) - Campeonato Brasileiro (Campeonato Nacional de Clubes) - Pelé marcou dois gols

24 de janeiro de 1974 - Capa do O POVO destaca a
Foto: Acervo O POVO
24 de janeiro de 1974 - Capa do O POVO destaca a
No aeroporto Pinto Martins, o repórter Alan Neto recebia a confirmação de que Pelé não voltaria à seleção para a Copa de 1974 — a primeira sem Edson Arantes do Nascimento em 20 anos. A manchete do dia do jogo dizia. “O Santos de Pelé sacode a cidade; Ceará joga longe”. O Estado tinha dois representantes no Nacional, novamente. O POVO chamava o santista de “o rei negro dos estádios, o mais famoso famoso brasileiro em todos os quadrantes do mundo”, antes mesmo da goleada histórica. Como de costume, o Savannah Hotel era ladeado por fãs.

O dia seguinte era quase de rima. “Show de bola e goleada sonora” (O POVO, 24/1/1974). A “genialidade de Pelé esmagou o Fortaleza” naquela que viria a ser a última partida do craque na capital cearense. Mais de 30 mil pessoas encararam “violenta chuva” para ver o Leão ser engolido pelo Peixe. No mesmo dia, Didi — o humorista sobralense Renato Aragão — fechava a Praça do Ferreira com a exibição de “Aladim e a Lâmpada Maravilhosa”.

Estádio Romeirão (Juazeiro do Norte) - Amistoso

Pelé é famoso como o homem que fez uma guerra parar para vê-lo. Pois ele talvez seja o único a parar todo o comércio do Cariri para assistir seu espetáculo.

O menos documentado dos 9 jogos de Pelé contra times cearenses ocorreu em Juazeiro do Norte, “a Meca do Cariri”, conforme O POVO noticiou. Os prefeitos de Juazeiro, Crato, Missão Velha e Barbalha decretaram feriado. Pelo amistoso contra o Guaraju, o Santos recebeu CR$ 100 mil.

O destaque do O POVO no dia seguinte foram as vaias. “Apesar de vencer por 2x0 ao Guarani de Juazeiro, o Santos, com Pelé, saiu de campo sob grande vaia da numerosa torcida presente ao Romeirão, que não gostou da exibição do famoso time paulista” (O POVO, 4/4/1974, página 1). Foi a última vez do atleta Edson Arantes do Nascimento no Estado.

Estádio Pacaembu (São Paulo) - Campeonato Brasileiro (Campeonato Nacional de Clubes)

Pelé não estava cotado para jogar a derradeira partida, segundo O POVO noticiou em 18/7/1974. Mas lá estava ele, aos 33 anos, ajudando o Santos a se classificar no Nacional com o 1 a 1 com o Fortaleza — mesmo rival da primeira partida entre santistas e cearenses, coincidentemente na mesma data, 15 anos antes.

Pelé retornava após 2 meses afastado do futebol por contusão e às vésperas da despedida dos gramados nacionais. O Tricolor abriu o placar com Marciano e esteve próximo de conquistar a primeira e única vitória sobre o Rei do Futebol. Mas, aos 36 minutos do segundo tempo, o craque serviu Cláudio Adão, que empatou a peleja. O Santos seria terceiro colocado daquela edição do Nacional — a última com Pelé.

No dia 2 de outubro daquele ano, contra a Ponte Preta-SP, o Rei do Futebol jogaria a última partida com a camisa do Santos, conforme O POVO (via colunista Alan Neto) antecipou em 1972.

 

O Rei, o furo de mil megatons
e o auge da carreira de Alan Neto

Colunista do O POVO e apresentador do Trem Bala, Alan Neto tem uma relação especial com o Rei do Futebol. Em mais de 50 anos de carreira, o jornalista viveu o auge da trajetória como repórter no encontro com Pelé, em 1970, antes da Copa do Mundo do México, no interior do Savanah Hotel, no Centro de Fortaleza.

O resultado foi o furo mundial que sacudiu o futebol. Pelé revelou a Alan que a Copa do México seria a despedida do jogador da seleção brasileira. E ainda prometeu — e viria a cumprir — que encerraria a passagem pela Canarinho com o Tri. Como o então jovem repórter no início da carreira conseguiu uma exclusiva com o Rei, enquanto um batalhão de jornalistas se amontoava do lado de fora do Savanah Hotel por qualquer declaração do camisa 10?

1º de dezembro de 1972 - Alan Neto em entrevista exclusiva do Pelé
Foto: Acervo O POVO
1º de dezembro de 1972 - Alan Neto em entrevista exclusiva do Pelé

"Eu estava começando no jornal. O Seu Costa (José Raimundo Costa, 1920–2004, então editor do O POVO), meu pai no jornalismo, me disse: 'Eu tenho um desafio pra ti. O Pelé está vindo aí. Eu quero uma matéria exclusiva. Dou primeira página'. Eu estava começando!", conta Alan, em narrativa de espanto com a lembrança do pedido do chefe.

Pelé estava a para Fortaleza com a delegação do Santos para uma partida. Seu Costa, então, reservou quarto no Savanah Hotel para o jovem repórter e o irmão dele, o também jornalista Sérgio Ponte.

"Armamos uma estratégia. O Santos ocupava os dois últimos andares. O Pelé ficava sozinho. O gerente conseguiu que a gente ficasse no andar abaixo. ‘Vou pegar ele no almoço’. Combinamos com o mâitre do hotel. O Pelé almoçava junto com os companheiros de time, não tinha frescura", rememora.

23 de janeiro de 1974 - Sérgio Ponte e Alan Neto em entrevista com Pelé
Foto: Acervo O POVO
23 de janeiro de 1974 - Sérgio Ponte e Alan Neto em entrevista com Pelé

O primeiro passo já tinha sido dado. Enquanto diversos jornalistas montavam campana do lado de fora do hotel, Alan e Sérgio estavam hospedados no prédio. A próxima investida era abordar Pelé. Mas como? O repórter pensou numa história para convencer o Rei do Futebol não só a falar com a dupla, mas para que desse uma declaração bombástica, “de mil megatons”, com jargão imortalizado pelo próprio Alan Neto.

"Chamei o mâitre, o Batista. Pedi pra ele abordar o Pelé e explicar que eu estava começando e que precisava de um furo, meu emprego estava dependo dele. E Pelé aceitou, marcando para o dia seguinte."

O encontro aconteceu no horário marcado, na manhã seguinte, como havia prometido o atacante. "Quando nos encontramos, eu já falei: 'Se eu não levar uma exclusiva sua não vou progredir'. Ele disse: 'Vamos lá: eu tenho um furo pra você. Prepara o gravador'. Eu tremia pra caramba", diz Alan.

Jornalista Alan Neto
Foto: Ethi Arcanjo / 23-8-2016
Jornalista Alan Neto

"E ele continuou. 'Pode anunciar que será minha última Copa como jogador da seleção'. Eu fiquei sem acreditar. Com 30 anos, ele ainda poderia disputar mais uma Copa. 'Eu encerro nesta e vamos ser Tri no México'. Ele queria sair por cima", conta.

Diante da trajetória, a memória de Alan preserva o principal, ainda que escapem alguns detalhes. O papo não foi exatamente em 1970, mas dois anos depois. Nele, o colunista ouviu primeiro, com exclusividade, sobre a aposentadoria do Rei, em 1974. Meses depois, em janeiro de 1973, Pelé confirmava para o jornalista que não jogaria a Copa do Mundo de 1974.

E a entrevista fluiu. No fim do bate-papo, Pelé ainda surpreendeu Alan com um pedido inusitado. "Só quero uma contrapartida. E eu: 'O que é? Se for dinheiro, não dá'. 'Quero uma rede, a melhor que tiver daqui'. Foi a única coisa que a mulher dele (na época, a Rose) pediu pra ele."

A entrega da rede ficou marcada para acontecer no aeroporto de Fortaleza, antes do embarque da delegação do Santos. "Na segunda-feira, eu cheguei atrasado no aeroporto. Ele já me procurando a caminho da sala de embarque. Eu corri para entregar. O segurança não queria me deixar passar. Eu dizia: 'É a rede que o Pelé me pediu, não é bomba. Gritei: Pelé!'. E ele veio: 'Rapaz, pelo amor de Deus, eu já estava preocupado. Apanharia da Rose se voltasse sem'", lembra Alan, aos risos.

A entrevista ganhou a primeira página prometida por Seu Costa. As declarações de Pelé repercutiram no mundo inteiro. "Saiu em todo canto. Foi uma declaração bombástica. Foi a primeira vez que minha foto saiu no jornal, na primeira página. Pra mim foi a glória. Foi o maior feito da minha carreira.".

Conforme prometido, a carreira de Alan Neto progrediu e ele é há décadas um dos nomes mais reconhecíveis do jornalismo cearense. (Lucas Mota)

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