Logo O POVO+
Vaias e aplausos
Reportagem

Vaias e aplausos

Opinião pública
Edição Impressa
Tipo Notícia

Entre reconhecimento do público e controvérsias moralistas, o que era exibido na TV Ceará virava assunto nas ruas e na imprensa no início do canal 2. A relação da "opinião pública" com a emissora era pautada, constantemente, por embates morais, ainda que, como descreve Gilmar de Carvalho em "A Televisão no Ceará", as contradições e inquietações culturais da época estivessem "diluídas" ou "praticamente ausentes" da programação.

Era bastante comum atrações e fatos que fosse vistos como um "atentado à moral". O jornalista Narcélio Limaverde lembra que uma das garotas propagandas da época, em um comercial ao vivo, "fez algo revolucionário: deu uma cruzada de pernas". "Até o arcebispo de Fortaleza, o Dom Lustosa, reclamou. Ele mandou uma carta dizendo que não admitia que a televisão exibisse uma cena como essa. Mas muitas pessoas gostaram", aponta o jornalista.

A atriz Glice Sales também foi alvo de bravatas do tipo. Em uma das novelas do canal, um rápido beijo técnico em cena foi exibido. Um jornal católico da época, "O Nordeste", "fez um auê", como define a artista - que, inclusive, não era a intérprete da cena controversa, mas recebeu críticas. "Eu não me incomodava. O pessoal tinha a mesma concepção artística de querer fazer e não se incomodava com comentário, não", garante.

É o que reforça a atriz Jane Azeredo, envolta em um escândalo por aparecer "nua" na adaptação de "Lucíola" para o teleteatro "O Contador de Histórias". "O artista não se incomoda de estar fazendo arte", defende. Na época, ela estava vestida no set com um corpete e uma bermuda, mas um jogo de câmera sugeria a nudez. "O jornal 'O Unitário' lança, no outro dia, no cabeçalho: 'A um passo da escabrosidade: atriz dança nua na televisão'. Foi um escândalo", lembra.

Só o fato de trabalharem na TV, ressaltam Glice e Jane, já era motivo para serem vistas como "levianas, fúteis e da vida", como define a primeira, ou até "putas", como atesta a segunda. Jane conta que o reconhecimento do público nas ruas era "atravessado". "As pessoas olhavam de longe, ninguém se aproximava", afirma.

Glice, por sua vez, lembra de abordagens mais diretas. "Quando a gente chegava numa loja para fazer qualquer compra, as pessoas identificavam. Juntava aquele bloquinho de moças que lá trabalhavam e era: 'é a Glice que tá ali!', cochichavam". Narcélio também era reconhecido nos ônibus, como descreve: "No trajeto, alguns olhavam para mim, querendo saber de onde eu era. Era uma pessoa conhecida na cidade como locutor do rádio, depois passei a ser conhecido como o apresentador da televisão".

"O conforto de atores, atrizes, cantores e cantoras era de que estavam em casa e não precisavam viajar para fazer sucesso. Mas era tudo muito limitado, pequeno, artesanal, caseiro", observa o pesquisador Gilmar de Carvalho. "Criamos nosso olimpo, limitado, mas que repercutiu. Emiliano Queiroz foi para o Rio, Renato Aragão também. Ary Sherlock trabalhou muito tempo na televisão piauiense", lista.

O que você achou desse conteúdo?