Quando comecei a fazer cobertura na área política cometia dois "crimes": ser mulher e ter diploma de Comunicação Social pela UFC. "Era só o que faltava, mulher e formada", diziam alguns veteranos e faziam questão que eu ouvisse. Mesmo com as indiretas não percebi, de imediato, que o nicho da Editoria de Política era masculino. Cumpria as pautas determinadas pelo editor na Assembleia Legislativa, na Câmara de Vereadores, no Governo do Estado. Mas comecei a me incomodar com certas observações, perguntas e insinuações vindas dos políticos, independente de idade, embora os mais velhos fossem mais insistentes.
Na época ainda não estava em voga a palavra assédio. Mas era assédio verdadeiro o que os senhores parlamentares e executivos da administração pública faziam conosco, as ainda poucas jornalistas mulheres no setor. Um aperto de mão mais demorado, um elogio às nossas roupas e até um toque no estilo "sem querer". Também, sutilmente, os entrevistados pareciam duvidar de nossa capacidade cognitiva e um deles chegou a me indicar a pontuação. Como? Dizia uma frase e acrescentava, "vírgula", "ponto" , até que gentilmente lembrei a ele que tinha estudado língua portuguesa, tanto no colégio, como pra fazer vestibular.
Como editora de Política no POVO o assédio tomou outro formato. Os políticos queriam espaço nas páginas do jornal e houve até um deles que fez da esposa a porta-voz de uma proposta pouco decente. Nas últimas décadas algumas mudanças no comportamento masculino ocorreram - muito mais pela nossa luta do que por decisão dos homens - mas insuficientes ainda para banir momentos de constrangimento impostos às meninas da política.
* Inês Aparecida
Jornalista que passou por diversas Redações locais, entre elas a do O POVO, e que hoje é uma das vozes do podcast As Cunhãs, que aborda questões políticas