Antes de falar dos insucessos da Primavera Árabe é importante destacar alguns pontos. Primeiramente que dez anos é pouquíssimo tempo para avaliar os efeitos de um levante contra regimes que passaram décadas no poder.
Em segundo lugar, que o acontecimento não foi homogêneo e que cada país precisa ser respeitado e analisado no que concerne à sua individualidade. Por último, é necessário entender que a Primavera Árabe ainda está em curso.
Grupos da região, em especial os mais jovens, seguem lutando pela liberdade e pluralidade política outrora almejada. Desde 2018, uma nova onda de protestos com pedidos de reformas em países como Sudão, Argélia, Iraque e Líbano trouxe de volta os ventos da revolução e chegou a tirar presidentes do poder novamente.
Analisando o quadro geral pode-se dizer que a Tunísia é o único exemplo de onde a Primavera Árabe foi bem sucedida, com ressalvas pela situação econômica que não melhorou. Já a Síria figura do lado diametralmente oposto.
No caso do Egito, a brevíssima comemoração pela queda de Mubarak, em 2011 levou a eleições no ano seguinte que elegeram o islamita Mohammed Morsi presidente.
Com forte oposição, o cenário proporcionou, em 2013, terreno fértil para que o então ministro da Defesa, Abdel Fattah al Sisi, aplicasse um golpe. Al Sisi permanece no poder até hoje e seu governo é marcado por traços tão autoritários quanto os de Mubarak.
Os cenários variam. No Bahrein, uma das monarquias do Oriente Médio a registrar protestos, ainda em 2010, manifestações foram reprimidas violentamente com o apoio da Arábia Saudita, outra monarquia absolutista e que não se preocupa em reprimir violentamente qualquer movimento que ameace seu sistema.
A Argélia, fragilizada por uma guerra civil, só registrou atos mais relevantes em 2019. No Marrocos, a monarquia fez reformas de fachada que contiveram os ânimos.
A Líbia rachou. Grupos revolucionários segregaram-se em milícias armadas e provocaram uma guerra civil que perdura até hoje. O Iêmen viu o sectarismo gerar uma guerra num país já devastado pela pobreza.
A Síria é o ponto mais trágico dos acontecimentos. No início da Primavera Árabe, o ditador Bashar al Assad não hesitou em utilizar aparato de guerra para sufocar o movimento.
Assad superou os protestos e manteve-se no poder (com ajuda da Rússia e do Irã), mesmo com um saldo que abarca centenas de milhares de mortos e milhões de refugiados sírios pelo mundo que precisaram abandonar um país em ruínas.
Além disso, os sírios viram grupos extremistas aproveitarem-se do momento delicado. Em 2014, o Estado Islâmico (ou Daesh) declarou uma espécie de "califado" em regiões da Síria e do Iraque.
A violência e o poder de persuasão deste grupo, que ascendeu rapidamente, fez o ânimo de países ocidentais pela luta democrática dar lugar ao medo de atos terroristas. Prejudicando, com isso, o que a região esperava que o mundo fizesse para ajudar a consolidar as bases democráticas naquele momento.
Bosco Monte, presidente do Instituto Brasil África, destaca que apesar do começo promissor, a Primavera Árabe decepcionou.
“Fui muitas vezes ao Cairo e a Tunes nos anos que sucederam o evento. Parece que não houve uma mudança radical na vida das pessoas. Quando a gente viu a população pedindo que os presidentes fossem depostos, ficou a impressão de que tudo se resolveria com a saída deles”, explica.
Para Monte, o sucesso momentâneo dos atos tornou-se um fracasso porque a expectativa de melhora, na maioria dos casos, não passou de mera expectativa.
“Houve dois momentos: um de sucesso, porque o poder de insurgência popular foi um sucesso e derrubou autoritários, mas houve fracasso porque a manutenção do status quo continuou. As elites seguem no poder. Hoje, há quem diga, que era melhor viver no Egito na época do Mubarak do que agora. Isso porque o estado provia algumas coisas que hoje as pessoas têm que buscar sozinhas”, relata.
Bosco avalia ainda que as manifestações em cada país foram distintas e destaca que a comunidade internacional poderia ter tido um papel mais ativo nos eventos à época.
“De modo geral o Ocidente olhou para a revolução e não fez aquilo que muitos esperavam. Havia uma esperança de que a França ajudasse na Tunísia. De que os italianos ajudassem na Líbia, e isso não aconteceu. A reação que o mundo teve naquele momento não deu respostas esperadas pelas populações locais”, encerra.