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Pauta identitária mostra avanços pela esquerda na eleição que a velha política dominou
Reportagem

Pauta identitária mostra avanços pela esquerda na eleição que a velha política dominou

Mesmo sem indícios de grandes mudanças, houve mais inclusão na política desde a redemocratização. Contudo, a representação feminina continua em baixa no Brasil
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Emanuel Freitas
Professor da Uece e pesquisador do Núcleo de Estudos em Religião e Política (Nerpo)
 (Foto: Emanuel Freitas)
Foto: Emanuel Freitas Emanuel Freitas Professor da Uece e pesquisador do Núcleo de Estudos em Religião e Política (Nerpo)

Após eleições marcadas pela consolidação de um campo político favorável para a extrema-direita, a política deste ano apontou para um outro fenômeno: o crescimento da chamada política identitária nas disputas por vagas às Câmaras Municipais durante as eleições municipais. Ao menos 25 transexuais e travestis foram eleitos vereadores em todas as regiões do País. Mulheres negras, indígenas e mandatos coletivos também obtiveram sucesso em 13 capitais - onde candidaturas que encamparam pautas LGBT, feministas e antirracistas figuram entre os 10 mais votados para os Legislativos municipais.

Um dos efeitos dessa performance surpreendente foi o crescimento positivo do Psol, em contraste, inclusive, com os demais partidos da esquerda, aumentando o seu capital eleitoral. O partido conquistou a prefeitura de Belém (PA), que passará a ser a maior cidade já administrada em toda a sua história. No Ceará, por exemplo, a legenda conquistou a prefeitura de Potengi, com a eleição do ativista comunitário Edson Veriato, que teve 58,89% dos votos.

Chamou muita atenção, por exemplo, os 5.773 votos obtidos em Aracaju, na disputa pelas vagas à Câmara de Vereadores, pela mestra em educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), ativista dos direitos humanos e mulher trans, Linda Brasil (Psol). De todos os candidatos e candidatas, quem obteve a mais alta votação entre eleitores que, em tese, constituem um grupo de caráter majoritariamente conservador.

As eleições municipais de 2020 registraram 294 candidaturas de trans e de pessoas trans pelo Brasil, sendo 30 delas coletivas, das quais apenas 2 para prefeitura e 1 para vice-prefeitura. Um aumento de 226% em relação ao ano de 2016, quando apresentaram-se 89 candidaturas. Em 2020, o número de pessoas trans eleitas quase quadruplicou, são pelo menos 30, contra as 8 eleitas em 2016.

Para o professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e pesquisador do Lepem, Emanuel Freitas, o êxito da legenda deve-se à procura do eleitorado por pautas mais identitárias, às quais ele diz que o partido indicou disposição de não abandonar. "Esse eleitor de esquerda tem apostado como uma outra possibilidade mais crítica, menos engajada nas questões de governabilidade. Uma coisa que é interessante sobre o caso de Fortaleza é a gente pensar nos dois vereadores eleitos, que não têm uma larga história no Psol, são rostos novos", comenta. Uma menção à eleição de um candidato ambientalista (Gabriel Lima de Aguiar) e outra de um coletivo de mulheres negras (representadas na chapa por Adriana Gerônimo Vieira Silva) do partido na capital.

Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revelam que os pretos e pardos foram 49,9% do total de candidaturas registradas em 2020. Entre as candidaturas de negros, no 1º turno, aproximadamente 1,7 mil (32%) se declararam pretos ou pardos.

A mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Juliana Fratini, analisa que a ampliação de candidaturas de negros e partos foi a maior registrada desde a redemocratização, apesar da distribuição de recursos de modo desigual registrada, em respeito à legislação, o que acabaria contribuindo para o impulsionamento de candidaturas que tradicionalmente eram tratadas com desprezo pela maioria dos partido. "Quanto à comunidade LGBT, também teve saldo positivo com a nova situação, visto que encontrou espaços dentro das instituições partidárias para propor tais candidaturas, ainda que ainda sem que tenha recebido qualquer incentivo financeiro diferenciado", reforça ela.

Contudo, a renovação ainda não chegou para as mulheres na política, ainda havendo uma sub representação considerável. Segundo dados do TSE, organizados pela plataforma Confirma, as mulheres representam 52% do eleitorado, e apesar de todos os esforços para impulsionar as candidaturas femininas, apenas 12% (651 mulheres versus 4750 homens) foram eleitas prefeitas no 1º turno, e somente 1 eleita no 2º turno nas grandes capitais. "É necessário haver um esforço maior das instituições partidárias para alavancar essas candidaturas, bem como respeitar a distribuição de recursos, de maneira mais igualitária, o que não ocorreu em 2020", destaca Juliana.

 

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