Comunidades em que tudo é para ontem, afinal o de amanhã é incerto - a comida na mesa, a garantia de um teto e a autonomia. O momento sem precedentes que acentuou as desigualdades que compõem Fortaleza. A vontade de conectar pessoas dispostas a doar com mulheres chefes de família, um dos segmentos populacionais mais afetados pela pandemia. São esses o onde, o quando e porquê de construção do projeto Ser Ponte, iniciado em março.
"Com sensibilidade e humanização, nós precisamos chegar às famílias mais vulnerabilizadas. Em julho, quando fui chamada para ser a agente territorial aqui na comunidade, eu me senti desafiada", afirma Lídia Raiely, moradora das Goiabeiras no bairro Barra do Ceará. "É nesse momento em que você precisa se entender ainda mais como periferia. E esse entendimento é você olhar para o seu vizinho e reconhecer igualdade." Lídia conta que é em conversas "olho no olho" por meio de mensagens e áudios via WhatsApp que ela constrói a relação cotidiana com as mulheres beneficiadas.
O projeto está centrado na transferência direta e desburocratizada de uma renda básica para casas chefiadas por mulheres, que tenham um idoso ou criança pelo menos e que, preferencialmente, não recebam ajuda governamental. "A gente intuiu e aprendeu na prática que quando as mulheres têm acesso à renda e autonomia, conseguem dar o destino mais adequado para aquele recurso dentro das suas próprias necessidades", explica Jamieson Simões, que também compõem a iniciativa . "A nossa ajuda é para além do dinheiro, mas ele é um acesso às necessidades mais básicas", completa Lídia.
Além de fazer o repasse financeiro, Lídia também organiza encontros mensais entre as mulheres do bairro para debater temas políticos e sociais. As reuniões acontecem na Biblioteca Adianto, espaço comunitário e popular que também foi beneficiado pelo Ser Ponte. A iniciativa recebe também materiais e entre eles estava um videogame, que foi doado à biblioteca. O aparelho transformou o espaço em ponto de encontro de jovens e deu origem a um campeonato que será disputado por eles no local. Construções coletivas que vão além dos R$ 180 mensais às famílias, também acontecem nos demais territórios atendidos.
"Quando começamos a expectativa era em atender 20 mulheres, mas já em abril conseguimos distribuir renda solidária para 75 famílias. Hoje, atendemos 210 famílias distribuídas em 18 territórios da Cidade", conta Valéria Pinheiro, pesquisadora do Laboratório de Estudos da Habitação, atuante da Frente de Luta por Moradia Digna e criadora do Ser Ponte. Em nove meses, o projeto repassou cerca de R$ 500 mil, entre o apoio financeiro às famílias e aos agentes territoriais, R$ 30 mil destinados a sete grupos produtivos de mulheres selecionados por edital e as toneladas de materiais recebidos e doados.
Para 2021, outras ações estão sendo planejadas. "O Ser Ponte não tem como parar, até porque a pandemia não cessou. A ideia é continuar nas campanhas de doações para conseguir manter a assistência a pelo menos 50 famílias chefiadas por mulheres negras e indígenas", expõe Natália Escóssia, uma das voluntárias no projeto. "Para além disso, teremos um curso de feitura de pães, para dar possibilidades de geração de renda a essas mulheres, e um curso sobre organização financeira, para que as famílias possam entender um pouco melhor sobre como gerenciar os recursos que estão recebendo."
Projeto Ser Ponte
Doações em dinheiro e em materiais (máscaras, produtos de higiene e limpeza, roupas, livros, brinquedos)
Instagram @serpontefortaleza
Financiamento recorrente: benfeitoria.com/serpontefortaleza
Contato: (85) 98150 9909