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"Sou pesquisadora e pesquisada"
Reportagem

"Sou pesquisadora e pesquisada"

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Tipo Notícia

Rute Anacé se define com as palavras acima. A cientista social de 23 anos fez parte da primeira turma de indígenas da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, no curso de Ciências Sociais. Também foi a primeira da etnia a se formar na UFRB, em 2020, com pesquisa sobre a desterritorialização dos Anacés de Matões para a reserva indígena Taba dos Anacés, ambas localizadas em Caucaia, Região Metropolitana de Fortaleza.

Os Anacés de Matões já passaram por duas remoções. Uma em 1997 e a mais recente em 2018. No estudo, a pesquisadora aborda as consequências da chegada das indústrias às terras indígenas a partir de relatos das famílias. "É uma pesquisa conjunta, onde eu associo o que aprendi na comunidade e dou voz à comunidade. Não é algo fácil a readaptação, mesmo trazendo as memórias e as lembranças, que são a base desse processo de reconstrução. As famílias que trabalham com hortaliças ainda não se reconstruíram, por exemplo. O solo não é o mesmo e não tem a mesma produtividade. Muitos desses trabalhadores são analfabetos e precisam ir e voltar da Reserva Indígena Taba dos Anacés para Matões todos os dias." A distância entre as duas localidades é de 20 quilômetros.

Ao final da graduação, em 2019, Rute defendeu o TCC na UFRB. Em janeiro de 2020, apresentou a pesquisa na Reserva Indígena de Taba dos Anacés. Na ocasião, a orientadora, professora Jurema Machado, também esteve presente.

Desde pequena, Rute via pesquisadores — na época ela nem sabia, eram antropólogos — orem estudar a comunidade e nunca retornarem. "Uma coisa é um branco entrar numa comunidade fazer o estudo e ir embora. Outra coisa é um indígena pesquisar e dar retorno pra comunidade. Ser mulher e indígena me permitiu dar voz a esses processos e falar dessas relações simbólicas."

Na graduação, ela contou com uma bolsa de auxílio de permanência para indígenas e quilombolas, no valor de R$ 900. "Eu consegui entrar e acredito que vou conseguir permanecer no mestrado, pois não estou sozinha. Somos minorias nesses lugares e precisamos lutar pela permanência psicológica e financeira. Não é fácil sair de um estado para o outro."

Houve situações que a fizeram pensar em desistir. "Alguns professores em sala de aula (na graduação) subestimaram minha capacidade por eu ser indígena e mulher e já escutei dentro de sala de aula que indígena merece porrada. Isso numa disciplina de direitos humanos."

Atualmente no mestrado em Antropologia Social na Universidade de Brasília, ela estuda o impacto sofrido não só pelos Anacés, mas por todas as comunidades indígenas que foram afetadas de alguma maneira pela construção e ampliação do Porto do Pecém.

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