A principal controvérsia suscitada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbe o uso da tese de legítima defesa da honra é de que ela estaria cerceando a plenitude de defesa do acusado. A defensora pública Renata Peixoto do Amaral, apesar de, como mulher e feminista, reconhecer a importância social da decisão, compartilha de sua preocupação quanto à relativização do direito à defesa.
A lei garante que a defesa use todos os meios possíveis para convencer os jurados da inocência do réu, inclusive, teses extrajurídicas, como a legítima defesa da honra. "O júri é muito emocional, mais emoção do que razão", reconhece Renata. "Cabe ao nosso bom senso profissional e à nossa responsabilidade perante a lei não alegar tese que não tem cabimento, que são ofensivas socialmente", diz ela. "O réu poderia até alegar na sua autodefesa, mas não se usaria isso como a sua defesa técnica", afirma Renata. A defensora diz, porém, que a tese estava em desuso e era raro o seu uso em plenário. "É feio para a gente, profissional do direito, é antiético e antiprofissional".
Os promotores ouvidos por O POVO, porém, contra-argumentam sobre a decisão ser um cerceamento à defesa. Para Ythalo Loureiro, existe, na tese, "violação a um direito fundamental, à vida, à dignidade da pessoa humana, bem como à proteção constitucional contra preconceitos e discriminações". "De tal maneira que o princípio de plenitude de defesa, como há na Constituição, acaba cedendo espaço a uma situação em que é necessário a proteção de direito fundamental da vítima".
Já o promotor Marcus Renan Palácio afirma que "a garantia constitucional de plenitude da defesa, apesar de autorizar a utilização de teses jurídicas e extrajurídicas, não pode respaldar a aniquilação da dignidade das vítimas de violência, dignidade esta que é igualmente encontra amparo na Carta Magna, secundada por diversos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no sentido de salvaguardar direitos femininos".
Apesar da legítima defesa da honra ter sido usada principalmente em casos de violência de gênero, há diversas outras situações em que a tese foi usada, conforme O POVO constatou em pesquisa na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado (TJCE). É o caso, por exemplo, de episódio que aportou na Justiça em 1998, em que José Wilson Pinheiro Bezerra Filho confessou ter assassinado Cid Alberto de Alencar Lacerda. O réu, porém, alegava que a vítima estava espalhando boatos de que ele era homossexual. Condenado em primeira instância, a decisão foi mantida em segundo grau.
Já no caso de Jonas Danyel Luciano Félix, acusado de lesão corporal grave, ocorrida em 2008, no Crato (Cariri Cearense), ele sustentava que o crime ocorreu após a vítima tê-lo chamado de "corno". A vítima perdeu três dentes o que prejudicou sua função mastigatória. "A alegada 'legítima defesa da honra' não constitui, nem de longe, razão subjetiva para a prática do crime em questão, eis que, consoante entendimento majoritário, não é questão relevante à proteção na esfera penal, ainda mais se considerada a desproporcionalidade da alegada ofensa proferida pela vítima e a lesão provocada pelo réu". Jonas teve pena fixada em três anos e seis meses.