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Bolsonaro nas mãos do Centrão
Reportagem

Bolsonaro nas mãos do Centrão

Mudanças na composição do Planalto selam casamento entre Bolsonaro e centrão. Com popularidade em baixa, presidente fica mais dependente do bloco
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Jair Bolsonaro cumprimenta o comandante do Exército Edson Pujol, um dos demitidos ontem (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil Jair Bolsonaro cumprimenta o comandante do Exército Edson Pujol, um dos demitidos ontem

Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) não é nenhum Michael Corleone, personagem de "O poderoso chefão", mas sabe como conseguir o que quer. E se o que o parlamentar pretendia era obter espaço no alto escalão do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), esse desejo começou a se cumprir na última semana, com a nomeação da aliada Flávia Arruda (PL-DF) para a Secretaria de Governo - pasta responsável pela distribuição de recursos de emendas e outras iguarias muito requisitadas no Congresso.

Embora não tenha como domicílio partidário o PP de Lira, Arruda é "mui amiga" do centrão e do alagoano, como revela o senador Ciro Nogueira (PP-PI), dirigente nacional da sigla e espécie de manda-chuva do grupo.

Em entrevista exclusiva ao O POVO veiculada neste domingo, 4, o pepista admite: "Temos responsabilidade pela indicação da Flávia".

"O ministro (Eduardo Ramos, ex-Segov e hoje na Casa Civil) escolheu a deputada pessoalmente, mas conta com nosso aval e com a nossa confiança", informa o senador, que acrescenta: "Ela é muito próxima de Lira. E os partidos de centro têm uma unidade muito grande" (a íntegra da conversa pode ser lida no O POVO ).

É exatamente essa coesão dos "partidos de centro" (ou do centrão, como o bloco se tornou conhecido) que tem causado um verdadeiro rearranjo no ecossistema do Planalto. Apenas na última segunda-feira, 29, seis ministérios passaram por mudança de titularidade - três auxiliares de Bolsonaro foram demitidos, entre eles Ernesto Araújo, agora ex-chanceler, cuja cabeça foi servida numa bandeja após pressão dos congressistas.

Sai aquele discurso de 2018 segundo o qual Bolsonaro não negocia com siglas como o PL, PP, PSD e outras - alguém se recorda do general Heleno cantando "se gritar pega centrão..."? No lugar dessa retórica eleitoral, impôs-se o pragmatismo que baliza as relações entre Executivo e Legislativo desde a redemocratização. E, nessa seara, o centrão conhece o roteiro como ninguém.

Nesses mais de 30 anos desde a Constituição de 1988, esse conjunto de partidos sem muita identidade ideológica esteve quase sempre controlando o script da agenda legislativa e afiançando estabilidade ao gestor da vez: de Fernando Collor, incluindo-se Lula e Dilma Rousseff, até Michel Temer. Quando esse "seguro-centrão" expirou, o ocupante e a ocupante da cadeira presidencial caíram.

Bolsonaro até tentou implodir essa lógica, mas a força do "alerta amarelo" de Lira foi mais estridente. "O presidente aproveita agora o momento de crise interna para poder ceder espaços e garantir alguma governabilidade, ainda mais numa situação em que não tem o desempenho bem avaliado pela população", analisa o cientista político e professor Vitor Sandes, da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Para o pesquisador, "à medida que a aprovação de Bolsonaro vai sendo corroída, ele fica mais dependente do centrão", o fiel da balança. É nesse ponto do filme que Lira e seu grupo se oferecem como remédio contra instabilidades (os tais "remédios amargos"), mas também como base de sustentação do presidente, que, a rigor, nunca dispôs de um elenco de deputados e senadores para, organizadamente, defendê-lo no Congresso, sobretudo quando a gaveta do chefe da Câmara está abarrotada de pedidos de impeachment.

Hoje, contudo, pode-se dizer que Bolsonaro tem uma base. Mas a que custo? E até quando? Pós-doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), Ronald Oliveira desconfia da consistência desse seguro adquirido pelo presidente.

"Essa recomposição da sua base pode não ser duradoura", argumenta Oliveira, "pois, num cenário de crise econômica e fiscal, o presidente terá enormes dificuldades em atender as demandas do centrão por emendas e recursos para ministérios".

Como exemplo, cita divergências públicas já manifestadas por Lira. "Desse modo, Bolsonaro precisa rapidamente reagrupar seus aliados ideológicos e criar condições para atender as demandas do centrão", continua o professor.

E caso isso não ocorra? "A única coisa entre o presidente e um possível impedimento seria seu apoio popular, que já tem dado sinais de desgaste, principalmente em função da condução desastrosa do combate à pandemia", conclui.

 

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