A questão da legítima defesa da honra havia chegado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro, a partir de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) interposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). O partido argumentava não haver entendimento pacífico sobre o uso da tese, já que ora os Tribunais de Justiça validavam vereditos que absolviam réus acusados de feminicídio se valendo da legítima defesa da honra, ressaltando a soberania do Júri; ora anulavam por entender que a decisão manifestava contrariedade às provas dos autos. A ação ainda apontava divergências de entendimento entre o STF e o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Para o PDT, o uso da tese não é compatível, entre outros, "com os direitos fundamentais à vida e à não discriminação das mulheres", pois o argumento implica "em instrumentalização da vida das mulheres ao arbítrio dos homens, inclusive pela inadequação e desnecessidade do assassinato para proteção da honra de pessoa traída em relação afetiva, bem como a prevalência do bem jurídico vida sobre o bem jurídico honra e a completa arbitrariedade de entendimento em sentido contrário".
Ao conceder a liminar, ministro Dias Toffoli afirmou que "a chamada legítima defesa da honra não encontra qualquer amparo ou ressonância no ordenamento jurídico". Ele ainda argumentou que, para evitar que a autoridade judiciária absolva o agente que agiu movido por ciúme ou outras paixões e emoções, foi inserida no atual Código Penal a regra do artigo 28, no sentido de que a emoção ou a paixão não excluem a imputabilidade penal. "Portanto, aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério, não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa".
A tese do ministro foi aceita por unanimidade no plenário. Dias Toffoli ainda aceitou sugestão do ministro Gilmar Mendes para estender a proibição do uso da tese (assim como argumentos que façam menção a ela) às demais partes e não só aos advogados da defesa, como constava na decisão liminar de fevereiro. Para Gilmar Mendes, a tese é pautada "por ranços machistas e patriarcais, que fomentam um ciclo de violência de gênero na sociedade".
O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, afirmou que não pode "o Estado permanecer omisso perante essa naturalização da violência contra a mulher, sob pena de ofensa ao princípio da vedação da proteção insuficiente e do descumprimento ao compromisso adotado pelo Brasil de coibir a violência no âmbito das relações familiares". Já a ministra Cármen Lúcia afirmou que "à luz do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, da igualdade de gênero, e do direito fundamental à vida, é urgente e tarda seja afastada a ilicitude da conduta do acusado que tenha praticado crime de homicídio contra a mulher com base na tese jurídica da 'legítima defesa da honra'". (Com informações da assessoria de imprensa do STF).