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O desafio de engravidar durante a pandemia
Reportagem

O desafio de engravidar durante a pandemia

O POVO ouviu mulheres que planejaram a maternidade na pandemia. Especialistas alertam sobre a necessidade de maior atenção sobre a saúde mental materna em meio à crise sanitária
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Que a maternidade é uma força quase divina ninguém duvida. Desde o planejamento até depois do parto, as mães (e as que virão a ser) enfrentam uma montanha-russa de emoções. Euforia, expectativa, ansiedade, medo. Tudo agora amplificado pela pandemia de Covid-19, exigindo mais autocuidado e atenção à saúde mental materna.

A professora e pedagoga Charliene Dias, 35 anos, almejava ser mãe novamente e se planejou para isso. Após conversar com sua médica, esperou os indicadores da pandemia recuarem e recebeu o tão esperado teste positivo em outubro de 2020. "Foi motivo de muita alegria", lembra agora grávida de sete meses.

Charliene só não esperava uma segunda onda epidêmica. Ao mesmo tempo em que Laura crescia na serenidade do ventre da mãe, o quadro epidemiológico no Ceará e no Brasil voltou a se agravar com altas de casos e óbitos por Covid-19.

Apesar da felicidade envolvida na espera da segunda filha, sentimentos de medo e angústia vieram à tona. "Ando com meu emocional muito abalado e com isso às vezes tenho tido crises de ansiedade. Tenho procurado ajuda psicológica de forma virtual e me apegado muito à minha fé", relata.

A professora redobrou os cuidados e até o enxoval da segunda filha está comprando online para não sair de casa. "Ser mãe em meio a pandemia tem sido um desafio. Diariamente preciso lidar com um turbilhão de emoções e acabo esquecendo de curtir esse momento mágico que é a gestação", reconhece Charliane.

A mãe de Laura não está sozinha no grupo de gestantes que sentem os impactos emocionais da pandemia. Em 2020, estudo realizado pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e financiado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV) mostrou que cerca de 43% das gestantes em Fortaleza demonstravam medo, ansiedade e transtornos do comportamento. A média em pesquisas pré-pandemia era de 25%. O levantamento ouviu 1.041 mulheres entre abril e maio do ano passado.

De acordo com a psicóloga Elisa Altafim, líder de portfólio da FMCSV, os dados encontrados evidenciaram que o apoio social colabora para evitar que gestantes não experimentem sintomas mentais exacerbados. "A pesquisa demonstrou alguns fatores como protetores, como por exemplo as mães que tinham companheiro tiveram menos sintomas, assim como mães que realizaram pré-natal", completa.

Da gravidez ao puerpério, o corpo da mulher passa por múltiplas transformações físicas e emocionais. Sentimentos habituais de ansiedade e medo se somam agora à tensão sobre uma doença ainda não compreendida totalmente, embora já se saiba que mulheres grávidas fazem parte do grupo de risco para Covid-19.

O aumento de hormônios como estrógeno e progesterona na gravidez impõe oscilações emocionais intensas. "Às vezes existem períodos de alegria, às vezes momentos de choro, raiva. São sentimentos múltiplos. Essa labilidade emocional é devido principalmente a essas alterações hormonais", explica a obstetra Denise Cordeiro, da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (Meac) e do grupo de assistência obstétrica Nosso Pulsar.

Um fator agravante para o emocional das mães na pandemia é a quebra parcial ou total da rede de apoio devido ao distanciamento social. A secretária executiva Caroline Mota Macedo Diniz, 37, tem comprovado isso. Ela se divide hoje entre a alegria de embalar seu primogênito, Bernardo, e a frustração pela distância da família durante o puerpério, período de até seis semanas após o parto.

"Você perde o prazer de dividir com a família essa alegria de forma presencial e também perde um pouco de rede de apoio já que não podemos ter ninguém em casa pra nos ajudar", conta. Bernardo veio ao mundo no começo da segunda onda da pandemia no País. No dia em que ele nasceu, 11 de março de 2021, o Brasil registrou 2.233 mortes por Covid-19 em 24 horas.

Antes de Bernardo, Caroline chegou a sofrer aborto espontâneo em maio de 2020, após ser infectada pelo coronavírus no ano passado. Ela também passou por uma gravidez ectópica (gestação em que o óvulo fertilizado é implantado fora do útero) em 2018 na qual precisou retirar uma das trompas.

"Eu mais agradeço do que reclamo porque achava que não conseguiria engravidar ou demoraria muito. É um momento muito feliz, porém tenso pois vivemos rodeados de medo", comenta.

Psicóloga obstétrica e perinatal há 20 anos, Milena Bomfim alerta que estudos já mostram a relação de gestantes com alta ansiedade e nascimento de bebês prematuros e de baixo peso. Ela orienta que as mães não podem negligenciar as próprias emoções.

"As mulheres precisam estar alertas aos seus sentimentos. Quando perceber que há uma ansiedade atrapalhando suas tarefas cotidianas, busque ajuda de um profissional da área da saúde emocional", indica.

No ano passado, foram registrados 121.779 nascimentos em 2020, de acordo com o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos da Secretaria da Saúde do Estado do Ceará (Sesa). Uma redução de 5,8% em relação aos dados de 2019. Em 2021, 13.517 nascimentos foram contabilizados no Ceará até 8 de março.

De acordo com a Sesa, há atendimento psicológico a gestantes e puérperas internadas no Hospital César Cals, Hospital Geral de Fortaleza, Hospital José Martiniano de Alencar e Hospital Regional Norte.

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