Sofia germinou feito semente bem-vinda no ventre de Melissa Medeiros. O cordão umbilical, que carregou nutrientes e oxigênio para originar a vida, foi também o primeiro laço afetivo entre mãe e filha. Aos oito meses de gravidez, em meio a exaustivos plantões, a médica infectologista prometeu a si mesma não trabalhar mais durante a noite — o fim do dia se consagrou como tempo compartilhado entre as duas, horinhas para dois dedos de prosa e tarefas escolares. A pandemia de Covid-19, entretanto, afetou a rotina da médica: "Foi um ano de muitas mudanças, de muitas exigências, de chegar mais cedo no hospital e sair mais tarde. Eu nunca trabalhei tanto na minha vida", relata. Para as mães que são profissionais de saúde e atuam na linha de frente do combate ao coronavírus, o desafio da maternagem se reinventou.
Melissa Medeiros trabalha no Hospital São José de Doenças Infecciosas (HSJ), no Hospital São Camilo e na Unichristus como professora. "Eu trabalhava muito com pacientes soropositivos e com pacientes com HIV. Hoje, eu faço enfermaria Covid e acompanho pacientes pós-Covid num ambulatório que montamos no hospital", partilha.
"Na minha vida, sempre a minha filha foi a maior prioridade. Mas muito antes de ela existir e de saber que eu seria mãe, eu tinha feito uma escolha, tinha feito uma promessa — e não era momento de voltar atrás. Essa é a minha missão."Melissa Medeiros, médica, mãe de Sofia
Em março de 2020, Melissa teve o primeiro contato com a doença no hospital particular. "Tivemos que montar toda a estrutura de isolamento, bloqueio, entrada, saída, troca de roupa, protocolo de segurança, organizar as UTIs… E, naquele momento, eu tive que tomar uma decisão muito séria sobre a minha família".
Mãe solo, a médica de 47 anos é a principal responsável pela pré-adolescente de 14 anos. "Somos só minha filha e eu. Se eu ficasse doente, ela seria minha contactante e eu não poderia contar com meus pais, já que teria o risco de ela transmitir para eles. Foi uma decisão difícil, foi muito dramático e eu nunca vou esquecer: no dia 19 de março do ano passado, eu precisei entrar na UTI Covid e tive que dizer a Sofia que ela ficaria com os avós por tempo indeterminado porque ninguém sabia o que aconteceria. Foi muito choro, eu senti como se realmente estivesse indo para uma guerra e me despedindo…", relembra Melissa. "Não sabia se ficaria doente, se evoluiria para um quadro sério, se já não poderia mais vê-la. Na minha vida, sempre a minha filha foi a maior prioridade. Mas muito antes de ela existir e de saber que eu seria mãe, eu tinha feito uma escolha, tinha feito uma promessa — e não era momento de voltar atrás. Essa é a minha missão".
Durante dois meses do ano passado, Sofia — então com 13 anos — ficou sob os cuidados dos avós. Em maio, Melissa contraiu Covid-19. "Depois que fiquei boa, ela voltou para nossa casa. Foi um período sofrido de separação porque somos muito ligadas. Desde então, compreendemos como trabalhar melhor medidas de proteção… A Sofia passou a ter uma vida mais individualizada e se tornou mais independente de muitas formas. Ela precisou se responsabilizar pelos estudos e foi espetacular nesse sentido", elogia a mãe.
Entre futuros que se reconstroem, Melissa aposta na esperança. "O que posso desejar para a minha filha é que ela tenha muita saúde — física e emocional — e que siga um propósito. Sempre ensino para ela que nossa vida tem sentido quando se tem o propósito de tornar o mundo melhor, nosso legado pode realmente fazer a diferença. Eu espero que a Sofia se torne uma pessoa íntegra, honesta e que as escolhas dela sejam sempre pautadas na ética e na solidariedade", deseja.
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Bruna Forte, repórter do jornal O Povo. (Foto: Alex Gomes/O Povo)
Bruna Forte, fiilha de Luciana, neta de Maria Nilza, sobrinha de Lúcia e Juliana — criada por muitas mulheres Doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará e repórter do Núcleo de Cultura e Entretenimento