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As novas rotinas impostas pela pandemia
Reportagem

As novas rotinas impostas pela pandemia

| Sem trégua| Diversas responsabilidades se cruzam na vida das mulheres nesta pandemia. Os efeitos são sentidos no corpo, na mente e na carreira profissional
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FORTALEZA, CE, BRASIL, 19.05.2021: Economia - Mulheres no Mercado de Trabalho - Aliciane Barros, 38 anos, Afroempreendedora e coordenadora da Feira Negra em Fortaleza. Tem uma loja no Centro da ciade, chamda CearAfro (Thais Mesquita/OPOVO) (Foto: Thais Mesquita)
Foto: Thais Mesquita FORTALEZA, CE, BRASIL, 19.05.2021: Economia - Mulheres no Mercado de Trabalho - Aliciane Barros, 38 anos, Afroempreendedora e coordenadora da Feira Negra em Fortaleza. Tem uma loja no Centro da ciade, chamda CearAfro (Thais Mesquita/OPOVO)

O home office não era algo estranho na vida da arquiteta, Kaila Lima, 39 anos. Tampouco a necessidade de conciliar as rotinas profissionais com os filhos pequenos. Ela concluiu o mestrado quando a filha mais nova, Maya, hoje com 5 anos, tinha apenas alguns meses, e a mais velha, Cloé, de 8 anos, tinha pouco mais de três. Também já fazia afazeres domésticos quando a empregada não vinha. E, em sua trajetória profissional, vivenciou momentos em que a crise econômica do País derrubou a demanda por seus serviços e trouxe incertezas financeiras.

O problema é quando todas essas vivências ocorrem de forma simultânea, com quase nenhum dos pontos da rede de apoio podendo ser acionados. Em função da pandemia, Kaila e o marido decidiram liberar a babá, e a escola das meninas passou um bom tempo fechada, o que fez com que os quatro passassem a compartilhar o mesmo ambiente da casa e os equipamentos para fazerem suas atividades.|

A rotina de trabalho passou a ser intercalada ao longo do dia também pelo almoço por fazer, uma roupa para lavar ou explicar a lição para as filhas. E mesmo dividindo muitas dessas tarefas com o marido, que está de home office também, cabe a ela, na maioria das vezes, decidir o que fazer e como fazer. O que não deixa de estar presente também, a todo momento em que precisa sair para visitar um cliente ou uma obra, é o medo e a culpa de, involuntariamente, poder ser o vetor de transmissão do vírus em casa.

"A pandemia trouxe muito isso de você não ter mais o controle das coisas, é difícil até mesmo criar uma rotina. Tem dias que tudo funciona muito bem, mas tem outros que é o jeito que dá, porque nossa atenção fica em concorrência com outras coisas. Com certeza me sinto mais sobrecarregada", afirma Kaila.

Essa sensação de "ter de lidar com tudo ao mesmo tempo e para ontem" é também a de muitas mulheres que estão no mercado de trabalho. Um estudo feito pela consultoria Deloitte, produzido entre novembro de 2020 e março deste ano, com cinco mil mulheres em dez países, sendo 500 no Brasil, mostrou que a pandemia fez com que 46% das profissionais brasileiras se sintam menos otimistas em relação às suas carreiras.

Porém, um dos pontos que mais preocupa é que hoje uma em cada cinco brasileiras estão considerando deixar o mercado de trabalho por conta de impactos negativos causados pela pandemia. E, dentre as principais razões para isso, estão a sobrecarga (41%), redução de salário mesmo diante de maior número de horas trabalhadas (35%), maior comprometimento profissional aliado a mais cuidados familiares (13%) e dificuldade de ter um equilíbrio pessoal e profissional (10%).

No Brasil, entre as respondentes, 63% são mães, 23% que cuidam de outros familiares e 71% estão trabalhando de forma integral. Do total da amostra, 11% delas ocupam cargos executivos C-Level (líderes de negócio que participam da estratégia da empresa e tomam decisões de alto risco) e 51% estão em empresas com faturamento anual de US$ 1 bilhão a US$ 5 bilhões.

Ângela Castro, líder do programa All In da Deloitte, explica que muitas demandas que as mulheres carregam já existiam antes da pandemia, mas essa era uma situação mais subdimensionada porque havia uma rede de apoio, filhos na escola, estrutura logística, maior possibilidade de contratar trabalho doméstico, que abria espaço para que elas pudessem se desenvolver mais profissionalmente. E essa sobrecarga sobre mulheres, culturalmente, é mais forte no Brasil do que em outros países.

A pesquisa "Sem parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia", realizada pela Gênero e Número e a Sempreviva Organização Feminista (SOF), com mais de 2,6 mil mulheres no Brasil, em 2020, mostrou, também, que 8,4% das mulheres afirmaram ter sofrido alguma forma de violência no período de isolamento. Entre as mulheres com renda familiar de até um salário mínimo, esse percentual sobe para 12%.

 

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