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Como nasce uma teoria da conspiração
Reportagem

Como nasce uma teoria da conspiração

| Ciência | Teses conspiracionistas partem de base concreta para desvirtuar conhecimento científico e construir aprovação a teorias sem embasamento e restritas a grupos minoritários e ideológicos
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Tipo Notícia

Teorias da conspiração encontram terreno fértil em tempos de instabilidade política causada seja por eventos da natureza, como uma pandemia, ou violentos, como o atentado do 11 de Setembro.

No Brasil de 2021, essas teses fantasiosas se alimentam das narrativas oficiais para torná-las críveis, instaurando dúvida e conduzindo uma audiência (de uma CPI, por exemplo), de modo a fazê-la aderir a uma ideia.

"As teorias de conspiração exercem um papel quando a mentira se torna uma ferramenta de uso sistemático na política", conceitua Leonardo Sá, cientista político e professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Ceará (UFC).

Para ele, uma teoria da conspiração se torna "funcional para alimentar atitudes paranoicas de seguidores" e, dessa maneira, "ampliar a coesão deles em torno de candidaturas e políticos populistas".

Logo, populismo e conspiracionismo andam quase sempre de mãos dadas. "Alimentar desconfianças", acrescenta o pesquisador, "pode ser um catalisador de ações que parecem delirantes, mas que geram efeitos reais de agregação de adesões subjetivas e votos".

Ainda de acordo com Sá, como o bolsonarismo opera com a desorganização dos discursos e dos consensos científicos, a "conspiração é uma atitude de ruptura com a normalidade democrática, pois pressupõe que tudo não passa de uma grande mentira, que a democracia seria essa grande mentira".

"Para isso", reflete o sociólogo, "para desorganizar o que foi fruto de esforço racional de várias gerações, a conspiração apela às emoções e aos sentimentos de frustração, ressentimento e impotência das massas".

Professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (Lepem-UFC), Gabriella Bezerra ressalta que teorias da conspiração representam "narrativas que explicam e justificam incertezas e aspectos difíceis da vida e da história" - como uma pandemia.

Num cenário tumultuado assim, as pessoas tenderiam a crer nessas formulações, desde que tenham elementos que as situem num campo entre ciência e fantasia.

"Existe certo charme para os que acreditam em informações desacreditadas ou não disponíveis a todos, como se fossem privilegiados e o restante, alienado", aponta a professora. "Os fatores casuísticos são incorporados nas narrativas, que vão ganhando corpo e assim têm um potencial de se adaptar a novos contextos."

Além disso, complementa Bezerra, "há a construção de uma identidade libertária que se opõe aos grandes marcos e às instituições, que parecem muito distantes para serem tão poderosas na definição de tantos aspectos da vida".

Dessa maneira, os conspiracionistas investem contra entidades como a OMS e a ONU, que representam uma instância supranacional, e, localmente, contra o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso, cuja autoridade pretendem minar.

"A conspiração ajuda a quebrar a força das ideias que atestam o dever à obediência a esses marcos civilizatórios", prossegue a docente, acrescentando: "As conspirações são elemento de força da união e da própria existência do grupo".

Bezerra conclui: "A pandemia serve como um reforçador (das teorias de conspiração) porque tem muitos elementos que se aproximam da narrativa: ciência, vacinas, a origem chinesa, o controle sanitário e decisões coletivas se sobrepondo à liberdade individual".

De tão presentes no mundo de hoje, teorias da conspiração passaram a se confundir com a "alt-science" - ou ciência alternativa, em tração literal, numa referência direta à alt-right norte-americana.

"A diferença fundamental entre alt-science e negacionismo", declara o cientista político Guilherme Casarões, "é a construção de uma narrativa usando o registro da própria ciência, obstruindo o debate científico sério e conferindo uma aura de legitimidade a teses frágeis, graças à reputação (pública, científica ou até mesmo político-partidária) de certos elementos dessa rede".

O conceito parece familiar? Sim se pensarmos no tal "gabinete paralelo" cuja existência a CPI da Covid está prestes a comprovar, por meio de vídeos, relatos e documentos.

"Eis aí a alt-science", aponta Casarões, "essa rede política que usa evidências parciais e pseudocientíficas, geralmente envoltas em teorias conspiratórias, para sustentar teses minoritárias ou até mesmo abertamente equivocadas". (Henrique Araújo)

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