Caso Covaxin? Propina de US$ 1 por dose? Irmãos Miranda? Partindo de fontes diversas e diluídas em meio aos embates da CPI da Covid, suspeitas em torno da compra de vacinas pelo governo Jair Bolsonaro (sem partido) podem formar um quadro confuso para o leitor, especialmente aquele com menos tempo para acompanhar o noticiário político.
Para entender o escândalo, hoje a maior "pedra no sapato" do presidente no combate à pandemia, é preciso entender que não existe apenas uma compra sob suspeita. Somente até agora, pelo menos três contratos para a aquisição de imunizantes viraram alvo da CPI da Covid, com outros processos já entrando "na fila" de investigações do grupo.
Ao todo, estão na mira da CPI articulações para a compra da vacina indiana Covaxin, da britânica AstraZeneca e da chinesa Convidencia. Outros contratos articulados pela União, como o para a aquisição do imunizante russo Sputnik V, também podem entrar no escopo das investigações, que cresce a cada dia.
Na maioria dos casos, chama a atenção que a compra não foi feita diretamente com o laboratório estrangeiro, mas através de empresas "intermediadoras" no Brasil. Outro ponto de destaque é a velocidade na aprovação dos contratos sob suspeita.
Ponto muito utilizado por Bolsonaro para atacar a chinesa CoronaVac, a falta de aprovação de uso emergencial pela Anvisa não impediu o governo de assinar, ainda em fevereiro, a compra da Covaxin. Vacinas mais baratas, como a da Pfizer (com custo de US$ 10 por dose), também foram proteladas em prol de outras mais caras, por até US$ 15 a dose.
Mais do que só alimentar embates políticos, as denúncias já provocaram uma série de efeitos no Ministério da Saúde, que envolvem até uma recente sucessão de demissões na pasta. Já deixaram os cargos, até agora, o ex-diretor de Logística Roberto Dias e o ex-diretor de Imunização e Doenças Transmissíveis Laurício Cruz.
Além disso, denúncias já levaram à suspensão do contrato para compra de 20 milhões de doses da Covaxin, além de renderem um pedido de abertura de inquérito, formalizado semana passada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no Supremo Tribunal Federal (STF), contra Bolsonaro pelo crime de prevaricação.
Até agora, a resposta do governo Bolsonaro às denúncias tem sido confusa, com várias mudanças de versão ocorrendo a cada novo aumento de pressão. Na época do surgimento das primeiras denúncias, em 28 de junho, o presidente tentou se afastar do caso da Covaxin, chegando a dizer que "não tinha como saber" sobre o que ocorria nos ministérios.
Depois, Bolsonaro e o ministro Marcelo Queiroga (Saúde) passaram a destacar que a compra da vacina indiana não chegou a ser executada pelo Governo - ainda que a União tenha, antes de o caso vir a público, assinado contrato e separado a verba para honrá-lo. Até agora, no entanto, diversas perguntas sobre os casos seguem sem resposta.
A primeira denúncia a surgir foi a da indiana Covaxin, objeto de contrato de R$ 1,6 bilhão assinado pelo Ministério da Saúde. O negócio ocorreu por meio da Precisa Medicamentos, empresa integrante de grupo que já havia, ainda em 2017, "enganado" a pasta em contrato de R$ 20 milhões por medicamentos jamais entregues. Na época, o ministro da Saúde era o deputado Ricardo Barros (PP-PR), hoje líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara.
O caso veio a público após o servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda afirmar, em depoimento ao Ministério Público Federal (MPF), ter sido vítima de "pressão atípica" de superiores para aprovar a compra da Covaxin. Subordinado de Ricardo Dias na pasta, Miranda disse que o processo estaria marcado por indícios de irregularidade.
A denúncia ganhou repercussão e atingiu o Planalto após o irmão do servidor, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), afirmar ter levado o caso pessoalmente a Bolsonaro. É esta denúncia que embasa pedido de inquérito da PGR contra o presidente por crime de prevaricação - uma vez que Bolsonaro, supostamente ciente das irregularidades, não teria tomado ações para evitar os desvios.
No mesmo dia em que foi afastado do cargo por conta das denúncias envolvendo o caso Covaxin, Roberto Dias se tornou o pivô de uma segunda suspeita, agora no processo de compra da vacina Oxford/AstraZeneca. Segundo o policial militar Luiz Paulo Dominguetti, que prestou depoimento à CPI da Covid, o ex-diretor teria exigido propina de US$ 1 por dose para dar andamento à compra de 400 milhões de doses da vacina.
Suspeita semelhante depois foi levantada sob o processo de compra da chinesa Convidencia, também intermediada por uma empresa localizada no Brasil. Em meio à crise, estão indícios de participação de diversos aliados do governo do chamado Centrão. Principalmente Ricardo Barros, apontado como homem de influência dentro do Ministério da Saúde.