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"Classe e religião se influenciam", diz historiador
Reportagem

"Classe e religião se influenciam", diz historiador

| Disputas | Igreja sempre esteve mais perto dos ricos, defende pesquisador. Abertura a novos modos de comungar a fé e papado de Francisco teriam incomodado setores
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Historiador e doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Adriano Ferreira de Paulo avalia que, nas disputas e tensões envolvendo a Paróquia da Paz, "elementos de classe social e religião se influenciam" no desfecho, que foi o afastamento temporário do padre Lino Allegri após protesto de grupos bolsonaristas.

"A gente sabe que, até mesmo pela questão histórica, a Igreja Católica sempre teve mais proximidade com o poder, com as classes mais abastadas", avalia o pesquisador, para quem essa influência mútua se acentua em tempos de radicalização como os de agora.

"Principalmente numa situação política como essa que vivemos hoje", aponta, "essa influência vai ganhando mais evidência, com fundamentalismos e tradicionalismos em famílias mais abastadas e católicas, que lutam para manter suas tradições numa igreja que querem como no passado".

O historiador reflete, porém, que, mesmo na igreja, "há uma abertura grande para ações populares, com esses movimentos mais recentes de uma 'igreja em saída', ou seja, que saia das suas paredes e vá para a rua, para junto do povo", citando um dos eixos centrais das orientações do Vaticano hoje.

São esses elementos de acirramento que estão por trás de hostilidades e disputas, sobretudo depois do início do papado de Francisco.

"Isso (proximidade com os mais pobres) é uma exortação apostólica, a igreja mais perto das necessidades do povo. Mas esses apelos do Vaticano e da CNBB não são atendidos assim, e essa onda conservadora cada vez mais cresce", projeta, "ganhando as redes e a imprensa", como no episódio envolvendo o padre Lino.

De acordo com ele, contudo, essas radicalizações não se expressam apenas na área nobre da cidade, tampouco se limitam aos paroquianos, mas também em templos católicos localizados em regiões periféricas de Fortaleza e tendo os sacerdotes como atores.

"Na periferia existem situações semelhantes que acontecem corriqueiramente. Temos muitos padres conservadores, padres fundamentalistas, padres que votaram e apoiam Bolsonaro e suas práticas e proíbem qualquer manifestação nas suas igrejas contrárias ao presidente", indica. "Vejo isso de perto e sei de vários casos em que isso acontece. Não é apenas numa igreja de área nobre. Está presente nas demais classes sociais."

Integrante do movimento "Igreja em saída", a católica Regilvânia Mateus esteve nos últimos domingos na Paróquia da Paz, na Aldeota. Para ela, "o que padre Lino disse (em missa no dia 4/7) não é nada de novo".

"É o que Jesus disse no Evangelho", defende, "mas, para este tempo, é como se essas coisas fossem novas, mas elas não são novas. É da doutrina católica, é do concílio Vaticano II".

Frequentadora de igreja também na periferia fortalezense, a fiel entende que as agressões a Lino se explicam em parte pelas características da Paróquia da Paz.

"A gente sabe qual é o território onde a igreja está. A Praça Portugal é uma área dos bolsonaristas. Muita gente da classe média alta e classe média acabou cedendo a isso (ao radicalismo). São pessoas ligadas a uma espiritualidade muito intimista e individualista", critica.

"Quando se tem uma pronúncia de mundo que convoca a refletir sobre direitos e não privilégios", continua Regilvânia, "quando se acha que aquele lugar é seguro e não pode se misturar, isso gera incômodo, com certeza".

Ainda conforme a católica, "não foi a primeira vez que padre Lino foi interrompido", mas "outras vezes, ali nas comunidades, ele também tinha sido".

"É um território muito complicado para um tipo de profecia. O sermão dele foi em relação às vacinas, orientando sobre a questão da forma como tem se dado informação sobre Covid", conclui. (Henrique Araújo)

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