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O que está em jogo na discussão sobre o Marco Temporal
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O que está em jogo na discussão sobre o Marco Temporal

| DIREITO | Julgamento em curso no STF será decisivo para o futuro de demarcações indígenas em curso no País
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MILHARES de indígenas estão em acampamento há semanas em Brasília aguardando o julgamento no STF (Foto: CARL DE SOUZA / AFP)
Foto: CARL DE SOUZA / AFP MILHARES de indígenas estão em acampamento há semanas em Brasília aguardando o julgamento no STF

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu decisão histórica para os direitos de povos indígenas do Brasil, reconhecendo a propriedade de uma comunidade originária das terras da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na época, o entendimento da Corte foi de que os indígenas, por já ocuparem as terras na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988, teriam direito ao território reconhecido pela Carta Magna.

Embora tenha sido favorável aos povos originários, a decisão alimenta hoje - mais de uma década depois - debate no sentido contrário: de que indígenas não podem reivindicar como suas terras que não estivessem ocupando em 1988. Conhecida como "marco temporal", a tese sustenta dezenas de ações contra a demarcação de terras indígenas e é objeto de julgamento decisivo no STF, que teve ontem o terceiro dia de sessão.

Iniciado em 26 de agosto, o julgamento do marco temporal é acompanhado por um acampamento de lideranças indígenas em Brasília e segue até hoje sem sequer um voto proferido. No início da sessão de ontem, ainda restavam 17 sustentações orais de amicus curiae - nome em latim dado às instituições que ajudam a fundamentar os votos dos ministros - e da Procuradoria-Geral da República.

Entre atrasos no início do julgamento e no retorno do intervalo, nem mesmo o relator do processo, ministro Edson Fachin, chegou a proferir seu voto. O magistrado já havia apresentado posição contrária ao marco temporal durante sessão realizada no plenário virtual da Corte, mas precisará reler a fundamentação porque houve um pedido de destaque para análise presencial apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Mesmo considerado um aliado do Planalto, que tem interesse pela aprovação da tese, o procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou ontem uma manifestação contrária ao marco temporal e apontou para possíveis violações de Direitos Humanos, caso a tese ganhe o aval do STF.

Para defensores da tese, incluindo o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a ausência do marco temporal provoca um "descontrole excessivo" na demarcação de terras indígenas, o que causaria prejuízos principalmente para o agronegócio. Para eles, o uso do verbo "ocupar" no tempo presente no texto da Constituição prova que comunidades indígenas só poderiam reivindicar as terras que ocupavam no momento da promulgação da Constituição.

"Isso (demarcação) de áreas indígenas extensas" simplesmente inviabilizaria o nosso agronegócio, praticamente deixaríamos de produzir, de importar e entendo, pela dimensão do fato, sequer teríamos como garantir a nossa segurança alimentar", disse Bolsonaro no fim de agosto. Em live ontem, ele voltou a se manifestar sobre o tema, dizendo esperar "bom senso do STF, ou a gente vai entregar o Brasil para índio".

Para lideranças indígenas, no entanto, a Constituinte trabalhou com critérios não de ocupação, mas de tradicionalidade. Como muitos povos haviam sido expulsos de suas terras no fim da ditadura militar, a aceitação da tese é vista por eles como uma "institucionalização da grilagem", que poderia provocar profundos retrocessos nos processos de demarcação de terras e até a remoção de povos.

Na sessão de ontem no STF, a maioria das sustentações foi de representantes de sindicatos e organizações vinculadas a agricultores, cujos argumentos alegam que a eventual derrubada da tese ataca os direitos de proprietários rurais, setores do agronegócio, assim como a segurança jurídica do País.

"É preciso ser observado neste julgamento a estabilidade da paz social", disse Luana Ruiz Silva de Figueiredo, representante da Organização Nacional de Garantia ao direito de Propriedade. Os representantes de produtores rurais indicam a possibilidade de conflitos no campo, caso a tese seja considerada inconstitucional.

Para os advogados dos indígenas, o reconhecimento da constitucionalidade do marco temporal deve agravar os processos de violação de direitos indígenas em disputas por terras no interior do País. "Adotar o marco temporal é ignorar todas as violações a que os indígenas foram e estão submetidos", disse Eloy Terena, convidado para se manifestar pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). (com Agência Estado)

Impasse

Dados do Instituto Socioambiental (ISA) apontam existência de 303 terras indígenas sem homologação presidencial. As terras em contestação somam 11 mil hectares, ocupados por aproximadamente 197 mil indígenas

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